A plataforma continental, a missão que aí vem e a novidade de uma adenda
Portugal prepara mais documentação para incluir na proposta que já entregou na ONU, em 2009, sobre as suas reivindicações para o fundo do mar para lá das 200 milhas náuticas. O objectivo é fortalecer a proposta.
De uma assentada, há uma confluência de novidades que voltam a pôr na ribalta o alargamento da plataforma continental portuguesa. Já na próxima sexta-feira (2 de Setembro), partirá de Lisboa uma missão oceanográfica da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) para obter mais dados científicos sobre este projecto. E até ao próximo Verão, Portugal planeia ter pronta uma adenda à proposta de alargamento da plataforma que foi entregue na ONU.
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De uma assentada, há uma confluência de novidades que voltam a pôr na ribalta o alargamento da plataforma continental portuguesa. Já na próxima sexta-feira (2 de Setembro), partirá de Lisboa uma missão oceanográfica da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) para obter mais dados científicos sobre este projecto. E até ao próximo Verão, Portugal planeia ter pronta uma adenda à proposta de alargamento da plataforma que foi entregue na ONU.
Durante a visita de Marcelo Rebelo de Sousa às ilhas Desertas e Selvagens também estava previsto, para a próxima segunda-feira (29 de Agosto), um briefing sobre o projecto de extensão da plataforma continental para além das 200 milhas, a bordo da fragata D. Francisco de Almeida. Mas essa apresentação, que ocorreria no regresso das Desertas ao Funchal (e de onde o Presidente da República seguirá depois para as Selvagens de helicóptero), foi oficialmente cancelada este sábado ao início da noite e ficou adiada para outra altura.
Desde 2009, quando Portugal entregou nas Nações Unidas a sua proposta para alargar a plataforma, a EMEPC tem continuado a fazer campanhas oceanográficas ligadas ao projecto. Excepto 2011 e 2015, todos os anos houve campanhas com esse fim. O objectivo é continuar a recolha de informação científica que possa reforçar as pretensões portuguesas relativas ao fundo do mar.
Mas se a proposta portuguesa já está na ONU desde 11 de Maio de 2009 – onde aguarda agora pela apreciação jurídica e científica dos peritos de uma subcomissão da Comissão de Limites da Plataforma Continental –, para quê então continuar essa recolha de informação no mar? Porque enquanto essa avaliação não começar, o país pode apresentar mais dados técnico-científicos que fortaleçam a sua proposta de extensão da plataforma.
São precisamente todos esses novos dados obtidos desde 2009 que Portugal tenciona ter prontos para entregar na ONU até ao Verão de 2017 como “adenda”, adianta ao PÚBLICO Isabel Botelho Leal, a nova responsável à frente da EMEPC.
Embora seja designada por “adenda”, a nova documentação poderá nem ter exactamente esse formato. “A ideia é apresentar a proposta toda, com os cadernos alterados com os novos dados desde 2009”, acrescenta Pedro Madureira.
Oportunidade única
Mas o que significa alargar a plataforma continental? Ao abrigo Convenção das Nações Unidas sobre o Mar (ou Lei do Mar da ONU), os países costeiros podem agora alargar pacificamente o seu território no mar – neste caso, alargar a jurisdição sobre solo e subsolo marinhos para lá da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e esta última pode ir até às 200 milhas náuticas (370 quilómetros). É isto que se designa por “extensão da plataforma continental”. Ao contrário da ZEE, que dá jurisdição tanto sobre a coluna de água como sobre o fundo do mar, a extensão da plataforma confere jurisdição “apenas” sobre o solo e subsolo marinhos.
O que significa exactamente alargar a plataforma continental exige uma explicação um pouco mais técnica. Simplificando, a plataforma continental é a crosta terrestre que se prolonga, desde o território que está fora de água, mar adentro. A certa altura, a crosta terrestre por baixo dos oceanos adquire características geológicas e morfológicas diferentes das da crosta emersa. Determinar onde ocorre a transição entre a crosta continental e a crosta oceânica é o desafio. Um país que queira aumentar de forma pacífica a sua jurisdição para lá das 200 milhas tem assim de determinar até onde vai a continuidade geológica da crosta terrestre nos oceanos.
Mesmo que um país costeiro não procure já os recursos que existam no fundo do mar ou os explore, se não alargar a sua plataforma agora perderá a oportunidade de alagar o território sob sua jurisdição, conferida pela Lei do Mar. E, assim, perderá o acesso ao que possa haver no fundo do mar, desde recursos energéticos (petróleo, gás natural, metano…) e recursos minerais (ferro, manganês, cobalto, níquel, patina, terras-raras…) até recursos biológicos e genéticos (como bactérias, para novos produtos de biotecnologia, incluindo medicamentos).
Ao olharmos para o mapa resultante dos trabalhos de extensão da plataforma portuguesa, vemos os 92.000 quilómetros quadrados de território emerso — Portugal Continental, os Açores e a Madeira — e os 1,6 milhões de quilómetros quadrados da ZEE. E que, em redor destes três conjuntos de terra – e para lá da ZEE –, o país espera juntar mais 2,15 milhões. No total, espera-se que o espaço sob jurisdição portuguesa ultrapasse os 3,8 milhões de quilómetros quadrados, o que é mais de 41 vezes a área do território emerso. São aqueles mais de 2,15 milhões de quilómetros quadrados de alargamento da plataforma que constam da proposta portuguesa submetida à ONU.
Note-se que as diferentes zonas marítimas assinaladas no mapa revelam diferentes graus de jurisdição do país em relação a elas, em escadinha. Primeiro, temos as fronteiras territoriais efectivas, o Mar Territorial, até às 12 milhas da costa. Depois a ZEE, com a possibilidade de exploração dos recursos na água e no fundo do mar. Para lá disso, está a plataforma continental alargada, com acesso aos recursos do solo e subsolo marinhos. Por fim, surgem as águas internacionais, o mar de todos.
Se agora nalguns casos os novos dados da “adenda” se destinam a fortalecer os limites (“fronteiras”) propostos no mapa já apresentado na ONU, mantendo esses limites, noutros poderão aumentá-los um pouco. “Nalgumas zonas vamos propor mais um bocadinho [da plataforma alargada]”, diz Pedro Madureira. “Este mapa” – e aponta para o mapa entregue em 2009 – “não é o final”. Pelo menos em dois locais no bordo norte da plataforma alargada e um no bordo sul tentar-se-á esticar os limites.
Mas esse mapa também não é definitivo porque, no final do processo de apreciação na ONU, pode vir a ser mais pequeno do que o proposto. “Estamos a tentar o mais possível. A probabilidade de conseguirmos [os quase] quatro milhões de quilómetros quadrados não é de 100%. Será sempre uma vitória”, considera Isabel Botelho Leal, que quer gerir as expectativas para que, caso um mapa final seja mais pequeno, não pareça uma derrota.
2020, ano de decisão
Ainda vai demorar alguns anos até ao desfecho do processo. Até agora foram submetidas à Comissão de Limites da Plataforma Continental 77 propostas (algumas do mesmo país para áreas diferentes ou de vários países em conjunto para zonas de sobreposição). A proposta de Portugal é a 44ª. “Temos cinco propostas à frente até chegar a nossa vez. A previsão é que no fim de 2017, início de 2018 a nossa proposta comece a ser avaliada”, refere Isabel Botelho Leal.
Terá ainda de ser nomeada a próxima Comissão de Limites da Plataforma Continental na ONU, o que acontecerá em Julho de 2017 (para os próximos cinco anos e o comandante português Aldino Campos, engenheiro hidrógrafo, é um dos candidatos). Entre os 21 elementos formar-se-ão ainda três subcomissões – e será uma delas que irá analisar o caso português. A adenda será entregue até à criação da subcomissão.
“É a subcomissão que vai interagir connosco, com o Estado-membro”, explica Isabel Botelho Leal. Por exemplo, pode pedir mais informação. “É nesse momento que podemos influenciar negocialmente.”
Nas previsões actuais, a avaliação da proposta portuguesa deverá demorar dois a três anos: 2020 é, assim, o ano em que se espera que o processo esteja concluído. Da comissão sairão então recomendações favoráveis ou desfavoráveis em relação aos limites da plataforma propostos por Portugal, ou parte deles.
É também por isso que o actual mandato da EMEPC, que termina este ano, vai ser prolongado até 2020, outra novidade. “Estamos na fase de preparação de uma proposta de resolução do Conselho de Ministros para a redefinição do mandato da EMEPC. Estamos a prever mais quatro anos”, adianta Isabel Botelho Leal. “O mandato da EMEPC só terminará com as recomendações da Comissão [de Limites da Plataforma Continental] e aceites por Portugal.”
Para já, vem aí mais uma campanha no mar. É no navio Almirante Gago Coutinho, da Marinha Portuguesa. A partida vai ser assinalada pela presença a bordo, na sexta-feira, da ministra do Mar, Ana Paula Vitorino. De Lisboa, os cientistas da EMEPC seguem para os limites sul da nova fronteira marítima que Portugal gostaria de ter. Querem estudar um grupo de montes submarinos e a zona de uma fractura na crosta da Terra.
Notícia actualizada: o briefing sobre o projecto de extensão da plataforma continental durante a visita de Marcelo Rebelo de Sousa às ilhas Desertas e Selvagens foi cancelado