Em Itália, temem-se tantas mortes como no sismo de Áquila
A falta de reforços nos edifícios que permitam resistir aos tremores de terra está a ser apontada como causa para um balanço tão mortífero para o terramoto da Itália Central. Já há pelo menos 250 mortos e espera-se que o número final de vítimas venha ainda a aumentar.
O doloroso trabalho da procura de sobreviventes sob os escombros do sismo que arrasou quatro cidades no Centro de Itália continua, embora as possibilidades se vão reduzindo com o passar do tempo. Há pelo menos 250 mortos, entre os quais muitas crianças, mas o número de vítimas pode ainda subir, reconhece a Protecção Civil. Não é de espantar se o balanço final for superior ao do sismo de Áquila, em 2009, em que morreram 308 pessoas.
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O doloroso trabalho da procura de sobreviventes sob os escombros do sismo que arrasou quatro cidades no Centro de Itália continua, embora as possibilidades se vão reduzindo com o passar do tempo. Há pelo menos 250 mortos, entre os quais muitas crianças, mas o número de vítimas pode ainda subir, reconhece a Protecção Civil. Não é de espantar se o balanço final for superior ao do sismo de Áquila, em 2009, em que morreram 308 pessoas.
“A magnitude dos sismos foi mais ou menos igual. Esperamos que não, mas devemos estar prontos para isso”, disse o director do Departamento de Protecção Civil, Fabrizio Curzo, à televisão Sky. Os bombeiros conseguiram tirar com vida 215 pessoas dos escombros até ao fim do dia de quinta-feira e, embora a esperança de encontrar pessoas vivas diminua rapidamente, o porta-voz nacional dos bombeiros, Luca Cari, recordou que 72 horas depois foram encontrados sobreviventes em Áquila, que fica a cerca de 30km de distância da zona afectada agora pelo terramoto.
Estas cidades de montanha, a cerca de 140km de Roma, são muito turísticas, e a população pode aumentar até dez vezes durante os meses de Verão, por isso entre as vítimas deverá haver muitos visitantes, entre os quais estrangeiros, o que dificulta a identificação. Só em Amatrice, onde no próximo fim-de-semana se devia realizar um festival em honra do célebre molho à matriciana, houve 193 mortos.
Mas enquanto se choram as vítimas, ou se procuram identificar os mortos, despontam os sinais de revolta contra o que se deveria ter feito para tentar suavizar o risco de viver numa região que se sabe ter um risco sísmico elevado.
A procuradoria da província de Rieti (onde ficam as cidades de Amatrice e Accumoli, severamente castigadas pelo tremor de terra) está a investigar a possibilidade de abrir processos-crimes no caso de edifícios de que foram recentemente reestruturados, como a escola de Amatrice, e que ruíram como os edifícios antigos e sem protecções anti-sísmicas, diz o jornal italiano La Stampa.
Falta de prevenção
A prevenção anti-sísmica é um assunto polémico em Itália e também para os estrangeiros que gostam de Itália – ou porque não se fez, ou porque se fez mal. Nos jornais britânicos choveram críticas sobre a falta de prevenção anti-sísmica, e também cientistas italianos e pessoas com responsabilidades na área em Itália se juntaram às críticas vindas de fora.
Enzo Boschi, ex-presidente do Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia, pôs o dedo na ferida em declarações ao jornal La Repubblica de quarta-feira: “Em Núrsia, onde depois do terramoto de 1979 se procedeu a intervenções anti-sísmicas nos edifícios, os danos provocados pelo sismo desta noite são quase irrelevantes”.
O que faz com que um edifício seja resistente aos sismos?
“Tivemos sorte, mas a nossa sorte foi ajudada por escolhas políticas importantes: depois do terramoto de 1979 foi posta em prática uma reconstrução da cidade respeitando as normas anti-sísmicas, o que não foi simples”, disse ao Corriere della Sera Giuseppina Perla, assessora de imprensa da câmara municipal de Núrsia. “Os danos mais importantes na quarta-feira foram em edifícios velhos não reestruturados.”
Segundo dados da Associação Nacional dos Construtores Civis, diz La Repubblica, 60% dos edifícios de habitação foram construídos antes de 1971 e nunca tiveram obras de reforço anti-sísmico. Destes, 2,1 milhões estão “em estado péssimo ou medíocre”. Da década de 1960 até hoje, o Estado italiano investiu 150 mil milhões de euros na reconstrução após os vários terramotos, mas apenas mil milhões na prevenção sismíca.
Na verdade, diz este diário, só o fez após o devastador sismo de Áquila, de características bastante semelhantes ao desta semana, e onde havia enormes irregularidades. E destes mil milhões só foram realmente gastos algumas dezenas de milhões de euros em 250 edifícios públicos, nota o La Repubblica.
A falta de reforços nos edifícios que permitam resistir aos tremores de terra – nos edifícios públicos e patrimoniais, mas também nos residenciais – numa região de reconhecido risco sísmico pode causar catástrofes. Por exemplo, como se está a ver, se à falta de protecção anti-sísmica se juntar um terramoto que teve origem muito perto da superfície.
O sismo do Centro de Itália teve origem a quatro quilómetros de profundidade, segundo dados do Instituto de Meteorologia italiano – então junta-se a receita para um sismo muito destruidor, em que o solo abana muito, ainda que a magnitude não seja tão forte como por exemplo a do que atingiu o Nepal em Abril de 2015 e matou 8000 pessoas, que libertou 250 vezes mais energia, ao atingir a magnitude de 7,8 na escala de Richter.
“Talvez em Itália só se construa bem, com critérios anti-sísmicos, após um terramoto grave”, declara Boschi. Apesar de haver legislação relativa à construção anti-sísmica em Itália, não se tem feito muito para reforçar os edifícios já existentes, disse ao New York Times Massimo Cocco, geólogo do Instituto de Geofísica italiano.
Milagres e ladrões
É um lugar-comum, mas é verdade: é uma corrida contra o tempo para tentar encontrar sobreviventes. Até meio da tarde, já se tinham registado cerca de 500 réplicas, e algumas aumentam o efeito demolidor que já teve o terramoto inicial, ainda que sejam mais fracas. Uma réplica de 4,3 de magnitude na escala de Richter gerou o pânico em Amatrice, por volta da hora do almoço, porque fez cair partes de paredes já instáveis. O Palácio dos Desportos, que estava a funcionar como armazém de géneros de primeira necessidade e a partir do qual eram distribuídos elementos, teve de ser evacuado, conta o Corriere della Sera.
Por vezes há casos que dão um novo fôlego de esperança, como a da uma menina de dez anos que os bombeiros conseguiram retirar viva dos escombros sob os quais estava presa, coberta de poeira mas aparentemente sem um arranhão. A televisão italiana mostrava-a impassível nos braços do bombeiro que a salvou, no meio dos vivas da multidão. Mas a sua irmã mais nova foi encontrada morta. Horas depois, foi salva outra criança, de quatro anos.
Foram erguidas tendas para as pessoas que ficaram sem casa, mas muitos decidiram dormir nos seus carros, perto dos destroços da habitação, por receio de ladrões que pilhassem os prédios que se desfizeram como castelos de cartas.
Houve alguns casos em que ao lançar-se o alerta de que haveria um ladrão, o dito ladrão quase foi linchado pela multidão, como em Arquata del Tronto e Pescara del Tronto. “Não se podem confundir as pessoas que vão tentar recuperar alguma coisa na sua casa com as que roubam”, sublinharam os carabinieri (polícia militarizada, equivalente à Guarda Nacional Republicana em Portugal), citados pelo Corriere.
A solidariedade pode vir de sítios inesperados: mais de 70 refugiados à espera de resposta do seu pedido de asilo na Calábria, no Sul de Itália, abdicaram dos dois euros que recebem diariamente para despesas pessoais para os darem aos sobreviventes do terramoto. “As imagens do sismo fizeram-nos recordar das guerras e desastres dos quais fugiram”, explicou à Reuters Giovanni Maiolo, coordenador local do projecto SPAR (Sistema de Protecção para Refugiados e Requerentes de Asilo.