Opinião
A impotência dos poderosos
A impotência dos poderosos
A ilha onde se encontraram anteontem Matteo Renzi, Angela Merkel e François Hollande não tem mais do que oitocentos metros de largo por três ou quatro quilómetros de comprido. O seu nome é Ventotene e está na história porque foi aí que três jovens italianos escreveram durante a IIª Guerra Mundial o Manifesto por uma Europa Livre e Unida.
Costuma dizer-se que o Manifesto de Ventotente, como também é conhecido, é um dos mais importantes documentos federalistas europeus. Isso é dizer pouco. Também era federalista (no seu horizonte) o discurso de Robert Schuman que lançou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mas a diferença estava sobretudo no método. A estratégia de Schuman, que é a que foi seguida até à UE de hoje, consistia em dar pequenos passos de âmbito económico que se esperava que criassem “solidariedade de facto” entre os europeus. A estratégia dos jovens de Ventotene começava pela democracia: através da formação de assembleias constituintes em todo o continente, da criação de um Parlamento Europeu democraticamente eleito (demorou mais de trinta anos a chegar), de uma Carta de Direitos real e efetiva para os europeus. Se tivesse sido seguida, talvez a incompreensão que existe hoje entre os cidadãos e o projeto europeu fosse menor.
A diferença que mais impressiona, porém, está nas circunstâncias. Quando Robert Schuman lançou a sua proposta era Ministro dos Negócios Estrangeiros da França; Jean Monnet, que o aconselhava, tinha a melhor rede de contactos em Londres, Washington e Bona. Mas os três jovens de Ventotene — Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e Eugenio Colorni — não tinham nada: nem poder, nem dinheiro, nem liberdade. Estavam desterrados naquela ilha por ordem do governo fascista, depois de anos de prisão. Eram comunistas, socialistas e outros proscritos de esquerda. A companheira de um deles, Ursula Hirschman, judia alemã, arriscou a vida para levar o manifesto para o continente. E vivia-se então o pior dos momentos, com uma Europa em guerra e a dominação nazi na sua máxima extensão territorial. Não havia maneira de a utopia deles parecer ainda mais utópica. E, no entanto, uma parte daquilo com que sonharam foi cumprido.
A explicação para o poder das ideias é simples. As ideias são poderosas quando atraem gente para aquilo a que poderíamos chamar “objetos de desejo político”. Coisas que as pessoas querem conquistar em comum. A democracia europeia, objeto do Manifesto de Ventotene, continua por cumprir. Voltemos a propô-la, como a Europa Social, uma segurança social europeia, impostos às multinacionais para apoio reforçado aos hospitais, às universidades e à investigação — tudo o que possa apaixonar as pessoas e fazê-las querer ter um futuro comum.
A diferença em relação a Renzi, Merkel e Hollande é impressionante. Os líderes dos três maiores países fundadores da UE são poderosos, mas não têm qualquer ideia de futuro. Receiam a democracia em casa, e temem a democracia no continente. Não comunicam paixão, não têm sonhos, não partilham com os seus concidadãos objetos de desejo político. É, no fundo, essa a explicação para a impotência dos poderosos: como de costume, está tudo na cabeça.
Costuma dizer-se que o Manifesto de Ventotente, como também é conhecido, é um dos mais importantes documentos federalistas europeus. Isso é dizer pouco. Também era federalista (no seu horizonte) o discurso de Robert Schuman que lançou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mas a diferença estava sobretudo no método. A estratégia de Schuman, que é a que foi seguida até à UE de hoje, consistia em dar pequenos passos de âmbito económico que se esperava que criassem “solidariedade de facto” entre os europeus. A estratégia dos jovens de Ventotene começava pela democracia: através da formação de assembleias constituintes em todo o continente, da criação de um Parlamento Europeu democraticamente eleito (demorou mais de trinta anos a chegar), de uma Carta de Direitos real e efetiva para os europeus. Se tivesse sido seguida, talvez a incompreensão que existe hoje entre os cidadãos e o projeto europeu fosse menor.
A diferença que mais impressiona, porém, está nas circunstâncias. Quando Robert Schuman lançou a sua proposta era Ministro dos Negócios Estrangeiros da França; Jean Monnet, que o aconselhava, tinha a melhor rede de contactos em Londres, Washington e Bona. Mas os três jovens de Ventotene — Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e Eugenio Colorni — não tinham nada: nem poder, nem dinheiro, nem liberdade. Estavam desterrados naquela ilha por ordem do governo fascista, depois de anos de prisão. Eram comunistas, socialistas e outros proscritos de esquerda. A companheira de um deles, Ursula Hirschman, judia alemã, arriscou a vida para levar o manifesto para o continente. E vivia-se então o pior dos momentos, com uma Europa em guerra e a dominação nazi na sua máxima extensão territorial. Não havia maneira de a utopia deles parecer ainda mais utópica. E, no entanto, uma parte daquilo com que sonharam foi cumprido.
A explicação para o poder das ideias é simples. As ideias são poderosas quando atraem gente para aquilo a que poderíamos chamar “objetos de desejo político”. Coisas que as pessoas querem conquistar em comum. A democracia europeia, objeto do Manifesto de Ventotene, continua por cumprir. Voltemos a propô-la, como a Europa Social, uma segurança social europeia, impostos às multinacionais para apoio reforçado aos hospitais, às universidades e à investigação — tudo o que possa apaixonar as pessoas e fazê-las querer ter um futuro comum.
A diferença em relação a Renzi, Merkel e Hollande é impressionante. Os líderes dos três maiores países fundadores da UE são poderosos, mas não têm qualquer ideia de futuro. Receiam a democracia em casa, e temem a democracia no continente. Não comunicam paixão, não têm sonhos, não partilham com os seus concidadãos objetos de desejo político. É, no fundo, essa a explicação para a impotência dos poderosos: como de costume, está tudo na cabeça.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A impotência dos poderosos
A ilha onde se encontraram anteontem Matteo Renzi, Angela Merkel e François Hollande não tem mais do que oitocentos metros de largo por três ou quatro quilómetros de comprido. O seu nome é Ventotene e está na história porque foi aí que três jovens italianos escreveram durante a IIª Guerra Mundial o Manifesto por uma Europa Livre e Unida.
Costuma dizer-se que o Manifesto de Ventotente, como também é conhecido, é um dos mais importantes documentos federalistas europeus. Isso é dizer pouco. Também era federalista (no seu horizonte) o discurso de Robert Schuman que lançou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mas a diferença estava sobretudo no método. A estratégia de Schuman, que é a que foi seguida até à UE de hoje, consistia em dar pequenos passos de âmbito económico que se esperava que criassem “solidariedade de facto” entre os europeus. A estratégia dos jovens de Ventotene começava pela democracia: através da formação de assembleias constituintes em todo o continente, da criação de um Parlamento Europeu democraticamente eleito (demorou mais de trinta anos a chegar), de uma Carta de Direitos real e efetiva para os europeus. Se tivesse sido seguida, talvez a incompreensão que existe hoje entre os cidadãos e o projeto europeu fosse menor.
A diferença que mais impressiona, porém, está nas circunstâncias. Quando Robert Schuman lançou a sua proposta era Ministro dos Negócios Estrangeiros da França; Jean Monnet, que o aconselhava, tinha a melhor rede de contactos em Londres, Washington e Bona. Mas os três jovens de Ventotene — Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e Eugenio Colorni — não tinham nada: nem poder, nem dinheiro, nem liberdade. Estavam desterrados naquela ilha por ordem do governo fascista, depois de anos de prisão. Eram comunistas, socialistas e outros proscritos de esquerda. A companheira de um deles, Ursula Hirschman, judia alemã, arriscou a vida para levar o manifesto para o continente. E vivia-se então o pior dos momentos, com uma Europa em guerra e a dominação nazi na sua máxima extensão territorial. Não havia maneira de a utopia deles parecer ainda mais utópica. E, no entanto, uma parte daquilo com que sonharam foi cumprido.
A explicação para o poder das ideias é simples. As ideias são poderosas quando atraem gente para aquilo a que poderíamos chamar “objetos de desejo político”. Coisas que as pessoas querem conquistar em comum. A democracia europeia, objeto do Manifesto de Ventotene, continua por cumprir. Voltemos a propô-la, como a Europa Social, uma segurança social europeia, impostos às multinacionais para apoio reforçado aos hospitais, às universidades e à investigação — tudo o que possa apaixonar as pessoas e fazê-las querer ter um futuro comum.
A diferença em relação a Renzi, Merkel e Hollande é impressionante. Os líderes dos três maiores países fundadores da UE são poderosos, mas não têm qualquer ideia de futuro. Receiam a democracia em casa, e temem a democracia no continente. Não comunicam paixão, não têm sonhos, não partilham com os seus concidadãos objetos de desejo político. É, no fundo, essa a explicação para a impotência dos poderosos: como de costume, está tudo na cabeça.
Costuma dizer-se que o Manifesto de Ventotente, como também é conhecido, é um dos mais importantes documentos federalistas europeus. Isso é dizer pouco. Também era federalista (no seu horizonte) o discurso de Robert Schuman que lançou a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Mas a diferença estava sobretudo no método. A estratégia de Schuman, que é a que foi seguida até à UE de hoje, consistia em dar pequenos passos de âmbito económico que se esperava que criassem “solidariedade de facto” entre os europeus. A estratégia dos jovens de Ventotene começava pela democracia: através da formação de assembleias constituintes em todo o continente, da criação de um Parlamento Europeu democraticamente eleito (demorou mais de trinta anos a chegar), de uma Carta de Direitos real e efetiva para os europeus. Se tivesse sido seguida, talvez a incompreensão que existe hoje entre os cidadãos e o projeto europeu fosse menor.
A diferença que mais impressiona, porém, está nas circunstâncias. Quando Robert Schuman lançou a sua proposta era Ministro dos Negócios Estrangeiros da França; Jean Monnet, que o aconselhava, tinha a melhor rede de contactos em Londres, Washington e Bona. Mas os três jovens de Ventotene — Altiero Spinelli, Ernesto Rossi e Eugenio Colorni — não tinham nada: nem poder, nem dinheiro, nem liberdade. Estavam desterrados naquela ilha por ordem do governo fascista, depois de anos de prisão. Eram comunistas, socialistas e outros proscritos de esquerda. A companheira de um deles, Ursula Hirschman, judia alemã, arriscou a vida para levar o manifesto para o continente. E vivia-se então o pior dos momentos, com uma Europa em guerra e a dominação nazi na sua máxima extensão territorial. Não havia maneira de a utopia deles parecer ainda mais utópica. E, no entanto, uma parte daquilo com que sonharam foi cumprido.
A explicação para o poder das ideias é simples. As ideias são poderosas quando atraem gente para aquilo a que poderíamos chamar “objetos de desejo político”. Coisas que as pessoas querem conquistar em comum. A democracia europeia, objeto do Manifesto de Ventotene, continua por cumprir. Voltemos a propô-la, como a Europa Social, uma segurança social europeia, impostos às multinacionais para apoio reforçado aos hospitais, às universidades e à investigação — tudo o que possa apaixonar as pessoas e fazê-las querer ter um futuro comum.
A diferença em relação a Renzi, Merkel e Hollande é impressionante. Os líderes dos três maiores países fundadores da UE são poderosos, mas não têm qualquer ideia de futuro. Receiam a democracia em casa, e temem a democracia no continente. Não comunicam paixão, não têm sonhos, não partilham com os seus concidadãos objetos de desejo político. É, no fundo, essa a explicação para a impotência dos poderosos: como de costume, está tudo na cabeça.