Hélder Amaral e a diferença entre cortesia e vénia
Sermos “países irmãos” não pode ser sinónimo de subserviência.
Para além do embaraço nacional, as palavras do deputado do CDS-PP Hélder Amaral em Angola revelam, a um nível mais profundo, a forma estranha com que os portugueses se relacionam com o poder nas antigas colónias portuguesas.
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Para além do embaraço nacional, as palavras do deputado do CDS-PP Hélder Amaral em Angola revelam, a um nível mais profundo, a forma estranha com que os portugueses se relacionam com o poder nas antigas colónias portuguesas.
Sermos “países irmãos”, com tudo o que de complexo isso implica — o peso histórico, a memória, o trauma, o paternalismo, a proximidade, os interesses de parte a parte — não pode ser sinónimo de subserviência.
Hélder Amaral confundiu a cortesia que se impõe no trato com um anfitrião — qualquer anfitrião —, com o esforço de agradar próprio da vénia que as sociedades pouco democráticas fazem perante quem tem poder.
Não era preciso chegar a Luanda com cartazes a pedir “Liberdade de imprensa!” (Angola está na triste 156ª posição no ranking internacional da Freedom House — e a Coreia do Norte em 199º e último lugar), nem “37 anos no poder, basta!”.
Mas em Angola, a regra é a lealdade ou o silêncio. Quando alguém fala, sabe que será ouvido com atenção. Sabemos o que disseram os 17 activistas mantidos durante meses na prisão, sabemos o que diz Rafael Marques, ou o que disse agora sobre o MPLA o antigo ministro Ambrósio Lukoki ou o antigo primeiro-ministro Marcolino Moco.
Usando da salutar cerimónia devida a um anfitrião, bastaria a Hélder Amaral reconhecer que há vozes críticas ao Presidente José Eduardo dos Santos e que é desse modo que a democracia se vai tornando mais sólida. É claro que o ambiente de listas únicas e votações de 99,6% não dão grande consistência a essa leitura política. Mas pelo menos não era nem mentira nem má-educação.
Fora as brincadeiras sobre se entre as “muitas coisas em comum” que o CDS e a MPLA têm está o marxismo ou a coreografia da farda dos delegados ao VII Congresso do MPLA (que num dia foram todos de branco e a seguir todos de vermelho), Angola continua a ter “muitas coisas em comum” não com o CDS mas com países como o Congo ou o Zimbabwe.
A diplomacia portuguesa é há muito elogiada por ser capaz de falar com ricos e pobres, com impérios e ilhas minúsculas, ter laços históricos em todos os continentes e conseguir assim construir pontes improváveis. Neste processo, não resultou nunca pormo-nos de cócoras.