Lisboa e Londres unidas por dois ossos de dinossauro
No Museu Geológico de Lisboa está há meio século o fóssil do úmero de um dinossauro. No Museu de História Natural de Londres está outro há mais de 140 anos. Agora percebeu-se que serão ambos da mesma espécie.
O Museu Geológico de Lisboa é conhecido pelas suas maravilhas de história natural, muitas delas expostas em salas repletas de exemplares recolhidos por gerações de investigadores e técnicos, ao longo de mais de 150 anos. Trilobites de Canelas (aldeia do concelho de Arouca), com 465 milhões de anos. Mamíferos primitivos da antiga mina da Guimarota (perto de Leiria), com 150 milhões de anos, famosos em todo o mundo. Cobras mais antigas do mundo, também da Guimarota. E entre tantas outras coisas, uma colecção de ossos de dinossauros – um desses ossos, um úmero, foi apanhado há mais de meio século e, desde então, a sua identidade tem andado trocada. Pelo menos é o que defende o paleontólogo português Pedro Mocho e colegas de equipa.
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O Museu Geológico de Lisboa é conhecido pelas suas maravilhas de história natural, muitas delas expostas em salas repletas de exemplares recolhidos por gerações de investigadores e técnicos, ao longo de mais de 150 anos. Trilobites de Canelas (aldeia do concelho de Arouca), com 465 milhões de anos. Mamíferos primitivos da antiga mina da Guimarota (perto de Leiria), com 150 milhões de anos, famosos em todo o mundo. Cobras mais antigas do mundo, também da Guimarota. E entre tantas outras coisas, uma colecção de ossos de dinossauros – um desses ossos, um úmero, foi apanhado há mais de meio século e, desde então, a sua identidade tem andado trocada. Pelo menos é o que defende o paleontólogo português Pedro Mocho e colegas de equipa.
À vista de todos na sala de paleontologia do Museu Geológico, esse osso de uma das patas da frente de um dinossauro que andou na Terra há 150 milhões de anos foi recolhido, em data incerta, na Praia dos Frades, perto de Peniche. “A descoberta deste úmero terá sido antes de 1957, provavelmente na primeira metade do século XX. Contudo, não existe muita informação sobre como, quem e quando [foi exactamente encontrado]”, conta a PÚBLICO Pedro Mocho, investigador da Universidade Nacional de Educação à Distância (UNED), em Madrid, e da Sociedade de História Natural de Torres Vedras.
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O que se sabe é que a existência desse úmero está registada pelo menos desde 1957 – ano em que o russo Georges Zbyszewski (1909-1999), um nome de referência da geologia e paleontologia portuguesas e que fez de Portugal o seu país desde 1935, publicou juntamente com o abade francês Albert Lapparent o livro Os Dinossauros de Portugal. Nesta obra de referência no estudo da presença destes animais no território português, o úmero em questão era mencionado e foi classificado como sendo de um Apatosaurus alenquerensis.
Nas voltas que o conhecimento vai dando à medida que avança, o úmero voltou a ser classificado já no século XXI. E assim, em 2003 – 46 anos depois da classificação por Georges Zbyszewski e Albert Lapparent –, outra equipa de dois paleontólogos portugueses disse que o osso era da mesma espécie de dinossauro mas de um género diferente. Miguel Telles Antunes (da Universidade Nova de Lisboa) e Octávio Mateus (daquela universidade e do Museu da Lourinhã) consideraram então que era de um Lourinhasaurus alenquerensis.
Meses à volta das colecções
O que levou agora Pedro Mocho e colegas a proporem uma outra identidade para esse osso? Numa visita ao Museu de História Natural de Londres em 2014, esta equipa verificou que uma protuberância em forma de crista presente no úmero português também existia no úmero de um dinossauro encontrado no Reino Unido, só que de uma espécie diferente, o Duriatitan humerocristatus.
Ora o exemplar britânico não só foi descoberto muito antes do úmero português como já estava classificado há muito tempo. Tinha entrado nas colecções do Museu de História Natural de Londres em 1873 e foi publicado como uma nova espécie em 1874, então como Ceteosaurus humerocristatus. Mais tarde, em 2010, foi reclassificado como Duriatitan humerocristatus (a mesma espécie mas dentro de um género novo).
Dos tempos do Jurássico Superior, com 150 milhões de euros, tanto o exemplar português como o britânico são de saurópodes, grandes dinossauros herbívoros, de pescoço e cauda compridos e que andavam sobre as quatro patas. Podiam atingir mais de 20 metros de comprimento.
“O úmero de Lourinhasaurus e o da Praia dos Frades são substancialmente diferentes, e a descoberta desta crista permitiu-nos relacionar este úmero com a espécie britânica Duriatitan humerocristatus”, resume Pedro Mocho.
Todos os ossos conhecidos deste dinossauro resumem-se assim, até agora, unicamente aos dois úmeros, um no Reino Unido e o outro em Portugal. Se o osso em Lisboa corresponder mesmo à espécie Duriatitan humerocristatus, Pedro Mocho diz que é a primeira vez que se encontra uma espécie de dinossauros saurópodes comum aos dois territórios durante o Jurássico Superior. Esta descoberta vem acrescentar mais “informação sobre as relações e a distribuição dos dinossauros europeus durante o Jurássico Superior”, frisa ainda a equipa em comunicado.
O resultado está num artigo científico sobre os dinossauros saurópodes do Jurássico Superior de Portugal, publicado este mês na revista Journal of Iberian Geology por Pedro Mocho, Elisabete Malafaia (do Instituto Dom Luiz da Universidade de Lisboa e da Sociedade de História Natural de Torres Vedras), Rafael Royo-Torres (da Fundação Conjunto Paleontológico Teruel-Dinópolis) e Fernando Escaso e Francisco Ortega (ambos do Grupo de Biologia Evolutiva da UNED).
Além da surpresa trazida pelo úmero, a equipa luso-espanhola passou a pente fino as colecções de dinossauros do Museu Geológico de Lisboa, tanto o material em exposição como o depositado nas reservas. “Foram necessários vários meses para encontrar, identificar e estudar todo o material atribuível a dinossáuros saurópodes”, refere o comunicado. “Algumas das peças estudadas encontram-se expostas nas salas do museu, mas uma grande parte, nunca antes estudada, estava depositada nas reservas do museu.”
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O artigo científico actualiza o conhecimento sobre a colecção clássica de saurópodes do museu português – que, segundo frisa o próprio artigo, representa uma das mais importantes da Península Ibérica, citada desde o final do século XIX. Encontram-se lá representantes de quase todos os grupos de saurópodes conhecidos no Jurássico Superior português – o tema da tese de doutoramento de Pedro Mocho, concluída há pouco tempo em Espanha –, como os camarassauros, os turiassauros e os braquiossauros.
“Ao estudarmos estas colecções, verificámos que a maioria das identificações não era suportada pelo actual estado de conhecimento”, diz-nos o paleontólogo português de 29 anos. “Esta actualização permitiu-nos compor um cenário sobre as faunas do Jurássico Superior português mais adequado à realidade do registo fóssil que dispomos.”
Por exemplo, só um exemplar de Lourinhasaurus alenquerensis resistiu ao novo olhar dos cientistas e é agora atribuído a esta espécie, cuja existência é conhecida apenas no concelho de Alenquer. “Este exemplar corresponde ao esqueleto de saurópode mais completo encontrado no Jurássico Superior português, com vários elementos vertebrais, da cintura escapular e pélvica, e membros anterior e posterior”, acrescenta Pedro Mocho.
E agora a identificação do úmero da Praia dos Frades irá mudar no museu? “Sim, deverá ser identificado como Duriatitan humerocristatus, até novas descobertas”, responde o paleontólogo. Entre classificações e reclassificações dos fósseis de dinossauros ao longo dos anos, a ciência vai-se assim também mostrando tal qual como se faz.