Trump fecha-se numa sala de controlo anti-sistema a olhar para além das eleições
Candidato chama director do site da direita anti-sistema Breitbart.com para liderar a sua campanha e recebe conselhos do ex-presidente da Fox News. Uma das teses é que Trump, Bannon e Ailes querem criar um novo império de media nos Estados Unidos.
Há pouco mais de quatro meses, quando as eleições primárias para a Casa Branca se aproximavam daquele momento decisivo em que os favoritos disparam em direcção à vitória, muitos analistas apostavam que a popularidade de Donald Trump entre os eleitores do Partido Republicano não seria suficiente para fazer dele o candidato oficial do partido.
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Há pouco mais de quatro meses, quando as eleições primárias para a Casa Branca se aproximavam daquele momento decisivo em que os favoritos disparam em direcção à vitória, muitos analistas apostavam que a popularidade de Donald Trump entre os eleitores do Partido Republicano não seria suficiente para fazer dele o candidato oficial do partido.
Uma estranha coligação entre republicanos mais moderados e republicanos ultraconservadores, unidos pelo desprezo em relação a um candidato populista e demagógico que estava a prejudicar a imagem do partido, iria travar a nomeação do magnata durante a convenção nacional e empurrar para a linha da frente um nome mais consensual para enfrentar Hillary Clinton nas eleições gerais.
O domínio de Donald Trump durante as primárias, tanto no voto popular entre os eleitores do Partido Republicano como no número de delegados, fazia com que aquele plano fosse mais um delírio dos seus promotores do que uma forte dor de cabeça para o candidato, mas ainda assim o magnata precaveu-se e contratou o experiente consultor político Paul Manafort – o homem que ajudou Gerald Ford e Ronald Reagan a manter em ordem os seus delegados nas décadas de 1970 e 1980, e que voltou em 2016 para travar o movimento anti-Trump.
Apesar de algumas tentativas para dificultar a nomeação de Donald Trump durante a convenção do Partido Republicano, em Julho, Paul Manafort cumpriu os seus objectivos – o motim por que muitos esperavam não aconteceu, e a ala mais tradicional do partido foi obrigada a assistir ao triunfo do Trumpismo.
Devido à sua experiência, a entrada de Paul Manafort na campanha foi também vista como uma última oportunidade para que Donald Trump se focasse mais nos temas políticos do que nas sessões de insultos e ataques pessoais em que se tinham tornado os seus comícios. Já que não conseguiram impedir a vitória de Trump, os nomes mais importantes e tradicionais do Partido Republicano esperavam contentar-se com a transformação do magnata num candidato mais "presidenciável".
Mais uma vez, era difícil não olhar para esse desejo como um delírio. Na prática, o que o establishment do Partido Republicano queria era que o mesmo homem que há poucos anos acusava o Presidente dos Estados Unidos de não ter nascido no país, e que pouco faz para travar as falsas alegações de que Barack Obama é muçulmano, se transformasse no mensageiro de um novo Partido Republicano, mais inclusivo e apostado em alargar a sua base de apoio às minorias que lhe têm escapado nas últimas décadas. Como diria o próprio candidato, "not gonna happen".
Cerrar fileiras
O que tem sido interpretado como um sinal de falta de profissionalismo da sua campanha, com despromoções e promoções em série no topo da hierarquia, pode também ser visto como uma estratégia muito eficaz – mas para isso é preciso suspender durante uns quantos parágrafos a ideia de que o verdadeiro objectivo de Donald Trump é vencer as eleições presidenciais.
Esta tese ganhou força na última semana, depois do anúncio de mais uma mudança na cúpula da campanha. Já sem uso para Paul Manafort, Donald Trump chamou para o seu lugar Steve Bannon, o presidente executivo do site Breitbart.com – o jornal online conservador que começou por ser um bastião anti-sistema, tanto do Partido Democrata como do Partido Republicano, mas que se foi transformando num ponto de encontro para milhões de norte-americanos que adormecem e acordam a pensar em teorias da conspiração, de acérrimos defensores do direito à posse de armas e de supremacistas brancos.
A pergunta é inevitável: se as eleições gerais nos Estados Unidos são ganhas por quem conseguir, pelo menos, não ser desprezado por mais do que uma fatia do eleitorado, por que razão Donald Trump nomeou como seu director de campanha o "operacional político mais perigoso da América", como escreveu o jornalista Joshua Green num perfil publicado pela Bloomberg Businessweek em Outubro do ano passado?
Depois de se ter desiludido com o Partido Democrata durante a presidência de Jimmy Carter e com o Partido Republicano quando o Presidente era George W. Bush, Steve Bannon deixou para trás uma carreira na Goldman Sachs e uma incursão por Hollywood e dedicou-se a promover a mensagem da direita radical anti-sistema – entrou nesse meio como realizador de um filme sobre o papel de Ronald Reagan no fim da Guerra Fria, mas foi por causa dos seus elogios em forma de documentário a mulheres como Sarah Palin, Michele Bachmann e Ann Coulter que o fundador do site Breitbart.com, Andrew Breitbart, se referia a ele como "a Leni Riefenstahl do movimento Tea Party", numa referência à realizadora alemã que ficou para sempre ligada à máquina de propaganda nazi.
Donald Trump ainda tentou dizer que a entrada de Steve Bannon pela porta grande da sua campanha era apenas um "alargamento", mas Paul Manafort percebeu que, para ele, a decisão era mais comparável a um "Brexit" – esta sexta-feira, o experiente consultor político apresentou a sua demissão, segundo o jornal The Washington Post.
Novo império a caminho?
O jornalista da CNN Brian Stelter, especialista em media e apresentador do programa "Reliable Sources", foi um dos primeiros a juntar as peças de um dos possíveis puzzles que Donald Trump está a tentar montar com a ajuda formal de Steve Bannon, mas também com os conselhos informais de Roger Ailes, presidente do canal Fox News até ter caído em desgraça em Julho deste ano devido a acusações de assédio sexual.
"Vamos pensar um pouco no período depois das eleições de Novembro", propôs Brian Selter durante o programa "New Day", da CNN. "Se Trump já deu as eleições como perdidas, pode estar a pensar em lançar um novo canal de televisão. Pode estar a pensar em criar uma empresa de media. Se for esse o caso, Roger Ailes e Steve Bannon são os homens ideais para a sua equipa."
Esta tese é agora partilhada por muitos outros analistas, entre os quais John Cassidy, antigo jornalista e actual colunista da revista The New Yorker, que escreveu um artigo com o sugestivo título "O que andam realmente a preparar Donald Trump, Roger Ailes e Steve Bannon?"
"Trump tem um núcleo de apoiantes que se revêem no seu palavreado nativista e anti-sistema e que enchem os seus comícios. Há uma outra parcela do eleitorado que tem reservas em relação a Trump, mas que tem tanto desprezo pelos políticos normais, ou que são tão anti-Clinton, que decidiram apoiar o nomeado do Partido Republicano. É evidente que estes dois grupos representam, no máximo, cerca de 40% do eleitorado. Para vencer Clinton, Trump teria de conquistar o apoio de muitos mais americanos que têm neste momento uma opinião desfavorável sobre ele. Isto não é ser faccioso: é aritmética", escreveu Cassidy.
Por isso, conclui o colunista da New Yorker, Trump e a sua equipa de porta-vozes de uma corrente populista, anti-imigração e contra a intervenção militar dos Estados Unidos no estrangeiro só pode ter uma intenção: "Ao chamar Steve Bannon, presidente executivo do Breitbart News, e ao recrutar como conselheiro Roger Ailes, o antigo líder da Fox News caído em desgraça, Trump está a preparar um plano de negócios: está a dar os primeiros passos para a criação de um novo império de media conservador que vai competir com a Fox."