Separar o lixo é um transtorno para restaurantes e moradores do Cais do Sodré
No Cais do Sodré nem tudo se resume à diversão nocturna. Os restaurantes têm dificuldades em coordenar os seus horários com a recolha de lixo e os moradores queixam-se que se têm de deslocar vários quarteirões para fazer reciclagem.
Com a ida dos noctívagos para a cama, sobra um rasto de lixo no Cais do Sodré. As entidades públicas tentam fazer face à avalanche mas a tarefa é colossal. Para agravar a situação, faltam ecopontos. “Há uma pressão gigante por causa do turismo e a câmara não está preparada”. Esta é a primeira crítica de Isabel Sá da Bandeira, da associação de moradores Aqui mora gente, que diz que às 8h o Cais do Sodré está um “nojo”. “Está tudo coberto de lixo”, reforça.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Com a ida dos noctívagos para a cama, sobra um rasto de lixo no Cais do Sodré. As entidades públicas tentam fazer face à avalanche mas a tarefa é colossal. Para agravar a situação, faltam ecopontos. “Há uma pressão gigante por causa do turismo e a câmara não está preparada”. Esta é a primeira crítica de Isabel Sá da Bandeira, da associação de moradores Aqui mora gente, que diz que às 8h o Cais do Sodré está um “nojo”. “Está tudo coberto de lixo”, reforça.
Isabel é "obrigada" a colocar o lixo reciclado no carro ao sábado e a deslocar-se a três quarteirões de casa, até à rua da Moeda, onde se situa o único ecoponto da zona. Também aponta o dedo à situação na rua das Flores, onde os resíduos dos restaurantes ficam acumulados durante várias horas. “Depois há ratos, baratas e a calçada está preta”, diz indignada.
Luís Paisana, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto (AMBA), até compreende o esforço da Junta de Freguesia da Misericórdia e da Câmara de Lisboa na recolha do lixo, mas reforça a ideia de Isabel Sá da Bandeira: as entidades não estão preparadas para a vaga de turismo que assolou a cidade. “É um sítio de diversão nocturna e tem uma acumulação enorme de lixo”, afirma, dizendo que no fim-de-semana a freguesia recebe entre 150.000 e 200.000 pessoas.
O presidente da AMBA revela que têm sido ouvidos moradores e comerciantes e que as conclusões têm sido enviados para a câmara. “Mas não temos sido muito ouvidos”, lamenta. O que deve ser feito de acordo com a AMBA? Descentralizar os locais de diversão nocturna na cidade. Carlos Pinha, secretário da direcção da AMBA, acrescenta que um dos problemas é o lixo deixado pelo alojamento local. “Os horários de limpeza dos Airbnb não são compatíveis com o da recolha”, afirma, defendendo uma maior fiscalização.
Separar e colocar onde?
Mas nem só os moradores têm queixas, os restaurantes também estão descontentes. Num dos que existem na rua das Flores, tem existido algum “descontentamento” relativamente a este assunto. O combinado com a Câmara de Lisboa é que a recolha de lixo indiferenciado seja feita das 19h às 2h. No entanto, nos dias em que fecha de manhã não tem onde colocar o lixo. Um problema agravado quando lhe roubaram o caixote do lixo e teve de aguardar três semanas por um novo. "Tive de pedir a outros restaurantes para utilizar o contentor, porque não posso guardar o lixo tanto tempo", contesta.
Quando se fala da reciclagem, a expressão da proprietária muda: “Houve semanas e semanas em que o papel não era recolhido”. Este resíduo deve ser depositado entre as 10h e as 14h, mas a viatura costuma atrasar-se e muitas vezes não tem a “mão mecânica” para apanhar o lixo. Depois há a situação do vidrão, que deve ser apenas usado pelo restaurante. Contudo, há muitos transeuntes que depositam lixo nesse contentor. “O vidrão deixa de ser recolhido porque não está lá apenas vidro, mas isso não é um problema meu", afirma, indignada.
Júlio Fernandes, vice-presidente da Associação de Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), não relaciona os restaurantes com a acumulação de lixo que se sente na zona e faz questão de sublinhar que estes cumprem os horários de recolha. “Os nossos empresários têm noção dos regulamentos e não colocam lixo fora das horas normais”, diz, admitindo que outros estabelecimentos o possam fazer, nomeadamente as lojas de conveniência. O maior problema para Júlio Fernandes é com a reciclagem. “Os ecopontos existentes são insuficientes”. E sobre isso, a AHRESP já enviou o seu protesto à autarquia. “Cabe à câmara cuidar da cidade”, esclarece.
Contudo, Júlio Fernandes faz questão de salientar que o maior causador de lixo na cidade nem são os restaurantes, mas sim as estações de serviço - que não existem no Cais do Sodré - e os supermercados, que vendem grandes quantidades da grande protagonista do filme dos resíduos: a cerveja. Como tal, a associação está a estudar com a câmara a possibilidade de acabar com os copos de plástico para usar recipientes recicláveis. Até ao momento, estão a considerar colocar a ideia em prática em Santos, São Pedro de Alcântara e Arco do Cego. E no Cais do Sodré? “É óbvio que entre a Praça do Comércio e Belém, todos os locais estão em estudo.”
15 toneladas de lixo por dia
“A informação que tinha há uns meses é que a Junta de Freguesia da Misericórdia produzia 15 toneladas de lixo por dia. Actualmente, o valor é maior e ainda estamos a tentar contabilizar”, adianta Carla Madeira, presidente da junta da Misericórdia.
Como forma de enfrentar o problema, têm sido distribuídas papeleiras de maior dimensão em vários sítios da freguesia e irão ser colocadas mais. Os camiões de lixo reforçaram a sua passagem. “Esta é a freguesia de Lisboa que tem o maior número de recolhas”, destaca. Mas apesar de estas serem diárias e em horas fixas, há estabelecimentos que ignoram as normas, acusa.É o caso de alguns hostels e alojamentos locais. “A câmara e os funcionários da junta queixam-se que quando acabam de passar, há pessoas que deitam outra vez sacos no lixo." Como resolver? "Tem de se começar a aplicar mais coimas.”
Contactada pelo PÚBLICO, a Câmara Municipal de Lisboa prevê a instalação de novos ecopontos subterrâneos a "breve prazo" na zona do Cais do Sodré, nomeadamente onde estão a ser efectuadas intervenções urbanísticas. Até agora, tem sido feita na zona recolha selectiva porta-a-porta de papelão, envolvendo 82 entidades (estabelecimentos comerciais, hotelaria e restauração). Os comerciantes e moradores que ainda não estejam contemplados pela recolha selectiva, podem solicitar o serviço através do mail: dmhu.dhu.dlu@cm-lisboa.pt.
À Lusa, o director do departamento de Higiene Urbana, Vítor Vieira, disse que, entretanto, na Rua das Moedas já foi entregue um cartão magnético aos comerciantes que lhes permite abrir a porta de trás dos ecopontos subterrâneos, mais larga do que à frente. A mesma medida está prevista para outras zonas de comércio e num total de 220 localizações, mas, para já, esta é a única rua a ser comtemplada na zona do Cais do Sodré. A câmara informou ainda que tem em curso investimentos de cerca de 30 milhões de euros na área da higiene urbana, dos quais 15 milhões destinam-se à aquisição de viaturas de remoção. As medidas inserem-se no âmbito do Plano Municipal de Gestão de Resíduos 2015-2020, que tem entra as suas metas a redução de resíduos urbanos em 10% até 2020 e o aumento da taxa de reciclagem para 42% até 2020.
Texto editado por Ana Fernandes