De miradouro em miradouro se avista a história de uma cidade
São Pedro de Alcântara, Elevador de Santa Justa e Santa Catarina foram os miradouros escolhidos para um percurso, que além da paisagem do final de tarde, se fez pela história de Lisboa.
“Muitas vezes, olhamos, mas não vemos”. É esta a premissa da historiadora Nazaré Robalo para os passeios que organiza por Lisboa. Não é alfacinha, mas diz ser uma “apaixonada” pela cidade. Já teve uma empresa que organizava visitas pelos bairros históricos e desde há quatro anos que o tem feito pela Green Trekker. O passeio é organizado por três miradouros: São Pedro de Alcântara, Elevador de Santa Justa e Santa Catarina. É a primeira vez que acontece e foi influenciado pela “moda” actual de se observar a cidade de um ponto mais elevado.
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“Muitas vezes, olhamos, mas não vemos”. É esta a premissa da historiadora Nazaré Robalo para os passeios que organiza por Lisboa. Não é alfacinha, mas diz ser uma “apaixonada” pela cidade. Já teve uma empresa que organizava visitas pelos bairros históricos e desde há quatro anos que o tem feito pela Green Trekker. O passeio é organizado por três miradouros: São Pedro de Alcântara, Elevador de Santa Justa e Santa Catarina. É a primeira vez que acontece e foi influenciado pela “moda” actual de se observar a cidade de um ponto mais elevado.
São 19h. O calor que se fez sentir durante o dia está mais ameno e o ponto de encontro para o passeio é por baixo do cedro do Jardim do Príncipe Real. Aos poucos, os 19 inscritos vão chegando. Nazaré Robalo, dá o mote: “O objectivo é vir à descoberta da cidade e conhecer as histórias ligadas aos sítios”.
A história de Lisboa começa a ser contada logo a partir do jardim. “Sabem porque se chama Jardim do Príncipe Real?”, pergunta. “Em honra do príncipe herdeiro, D.Pedro V”. Os terrenos do jardim são aplanados para se construir a patriarcal de Lisboa, destruída em 1755 pelo terramoto. Durou 14 anos no Príncipe Real, pois o sacristão incendiou o edifício. Qual a sentença? Cortaram-lhe as mãos. Em diálogo com o jardim estão os prédios envolventes, desde o Palacete Ribeiro da Cunha aos palacetes de um tipo de arquitectura que se chamava "casa dos brasileiros". A cor é algo que está nas fachadas no Príncipe Real. “Lisboa era a cidade das mil cores”, afirma Nazaré. Era assim o pensamento até ao século XX, altura em que o Estado Novo proíbe a diversidade de cores e se passou para um “português mais suave”.
Ao olhar em volta, também se pode apreciar algumas das fachadas com azulejos. Este é um “fenómeno” que surgiu no século XVI, quando D. Manuel I visita Andaluzia e Toledo. Nesta visita, vê os azulejos deixados pelos mouros. Contudo, apenas no século XVIII são colocados nas fachadas.”Se muitos dos azulejos são azuis e brancos, isso acontece pelo contacto com as porcelanas chinesas da Dinastia Ming”, informa Nazaré. Mas a história conta-se também pelos edifícios que já tiveram outras actividades. O Pavilhão Chinês já foi uma “mercearia fina com especiarias”, agora tem cinco salas de exposição e bar. Relembra-se também o antigo edificio do São Sebastião Bar, sítio onde os jornalistas “comiam o bife” no final do dia.
Varanda com vista para o castelo
Quando o grupo pára no miradouro de São Pedro de Alcântara, o primeiro comentário de Nazaré é: “Quando comecei a fazer os passeios há dez anos, não havia aqui ninguém.” É desta colina que se vê uma cidade que começou no Castelo de São Jorge, em 1147. Mas a fortificação “não era exactamente assim”, avisa a historiadora. Praticamente abandonado no início do século XX, o monumento foi reconstruido, nos anos 40, pelo Estado Novo como comemoração da fundação do reino e da restauração da independência. Nessa altura, foi recomposto como se tratasse de uma fortaleza medieval. Ainda no largo do miradouro há o busto de Eduardo Coelho, fundador do Diário de Notícias, e de um ardina, que faz a passagem para um bairro, que já foi sede de jornais: o Bairro Alto.
Já depois da Rua do Diário de Notícias, Nazaré Robalo manda parar o grupo. “O Bairro Alto era uma quinta enorme”, arranca. Depois da construção do colégio dos jesuítas, famílias nobres começam a construir palacetes.“Já aqui se começou a ter uma preocupação com o urbanismo”, diz a historiadora sobre o facto de no reinado de D. Manuel se fazerem ruas paralelas e perpendiculares. A partir do século XIX, constroem-se casas para o proletariado e o bairro começa a ficar afamado pela prostituição e pelo fado popular. Agora há bares, convívio e um pátio enorme, que está a ser transformado num “grande hotel”.
No Largo Trindade Coelho há uma paragem. E ali, além da história, há polémica. A irmandade de São Roque estava instalada no largo e não queria que os jesuítas aí se fossem instalar. D.João III interfere e os jesuítas aí permanecem, mas invocando São Roque. Antes do Largo do Carmo, passa-se pela Rua da Oliveira: “Aqui havia um grande olival. Eram propriedades privadas de judeus”, indica a historiadora.
É no Largo do Carmo que se relembra D. Nuno Alvares Pereira. Depois do seu percurso militar, decidiu construiu a “sua casa” mesmo em frente ao castelo do rei, o Convento do Carmo. Antes da instalação do edifício, houve duas colisões devido à pedreira aí existente. A dialogar com o convento, sobe-se até ao segundo destino prometido, o miradouro do Elevador de Santa Justa. Inaugurado em 1902, são vendidos 3000 bilhetes só nesse dia. “Mas nunca foi acabado”, diz Nazaré. “Era para ter uma torre no cimo”, acrescenta. É já a avistar as ruas do Chiado, que se segue para o Largo Bordalo Pinheiro, onde, por detrás de uma fachada azulada, se realizaram as conferências do Casino. Ao fundo, há a casa do Ferreira das Tabuletas, edifício do século XIX, com azulejos de Luís Ferreira, também conhecido por Luís das Tabuletas.
Quando se refere o Chiado, fala-se do “bairro dos intelectuais”. Por ali se construíram teatros, como o da Trindade ou o São Luiz. E também uma ópera, no século XVIII, que 18 meses depois de ser inaugurada é destruída pelo terramoto. Mas de novo se volta a erguer com o nome de São Carlos, após seis meses. Também por ali se foram abrindo cafés, como a Brasileira ou a Casa Havaneza, onde Ramalho Ortigão ia de luva branca, fraque, a ler o Le Fígaro. Também ali nasceu Fernando Pessoa, num sítio que tem nome de um poeta popular: Chiado.
“O incêndio de 1988 devasta o Chiado, que esteve dez anos em obras”, diz Nazaré. Mas estas são obras recentes. Maior foi aquela em que se deitou abaixo a muralha fernandina, quando Maria Ana de Áustria chega ao reino. Na Praça de Luís de Camões recorda-se uma manifestação. Em 1891, com os ingleses a dominarem África, Portugal “ajoelha-se” com o ultimato, suscitando a primeira versão do hino português: “Contra os bretões, marchar, marchar”.
Pelo caminho até ao Miradouro de Santa Catarina, ainda se vê a casa onde a pintora Helena Vieira da Silva nasceu. Chegados, Nazaré Robalo relembra José Cardoso Pires e um livro que a inspirou: Lisboa, Livro de Bordo. “De acordo com o autor, era daqui que se viam as naves a passar no rio Tejo”, diz Nazaré. Atrás, a olhar o rio Tejo, está o Adamastor dos poemas de Camões. Mas não só do mar se fala e para terminar, a historiadora pede que se olhe em volta. Há um edifico que era para ter sido o museu do design, a casa da União de Farmácias e a primeira fábrica de perfumes. Sinal dos tempos, agora é um hostel.
“Sou nascida e criada em Lisboa e adoro a minha cidade”, diz Maria Vieira, uma das participantes, que foi passear para aprender a história de sítios onde passa todos os dias. “O que mais gostei de saber foi onde a pintora Vieira da Silva nasceu. Passei lá tantas vezes e não sabia”, assume. Texto editado por Abel Coentrão