Cientista português descobre "João Pestana" no controlo do sono
Diogo Pimentel é um dos principais autores de trabalho publicado na revista Nature, no qual se descreve uma experiência com moscas da fruta que serviu para esclarecer uma parte do mistério do sono.
A verdade é que ninguém sabe por que é que precisamos de dormir. Se a resposta imediata for, simplesmente, porque estamos cansados, saiba desde já que isso não chega para perceber o funcionamento do nosso cérebro nessa parte das nossas vidas que nos “rouba” 1/3 do tempo. O cansaço não é uma explicação, pelo menos para qualquer neurocientista. Uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford, em Inglaterra, já conseguiu perceber o mecanismo que actua no grupo de neurónios que controla o sono das moscas da fruta e que é capaz de as acordar. Se ele estiver desligado, as moscas dormem muito mais tempo. Por isso, os cientistas chamaram-lhe "João Pestana" (ou "Sandman", na versão inglesa).
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A verdade é que ninguém sabe por que é que precisamos de dormir. Se a resposta imediata for, simplesmente, porque estamos cansados, saiba desde já que isso não chega para perceber o funcionamento do nosso cérebro nessa parte das nossas vidas que nos “rouba” 1/3 do tempo. O cansaço não é uma explicação, pelo menos para qualquer neurocientista. Uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford, em Inglaterra, já conseguiu perceber o mecanismo que actua no grupo de neurónios que controla o sono das moscas da fruta e que é capaz de as acordar. Se ele estiver desligado, as moscas dormem muito mais tempo. Por isso, os cientistas chamaram-lhe "João Pestana" (ou "Sandman", na versão inglesa).
Diogo Pimentel é investigador de pós-doutoramento na Universidade de Oxford, onde está há cerca de seis anos. “Há três ou quatro anos que trabalho no sono”, explica o bioquímico, que se especializou em neurociências. “Estamos interessados no sono porque todos temos de passar uma parte substancial da nossa vida a dormir, mas ainda não sabemos por que é que temos de dormir. E acho que do ponto de vista das neurociências é um dos grandes enigmas que estão por resolver”, referiu ao PÚBLICO.
Nem sabemos o que significa estar cansado do “ponto vista neurológico”, se essa for a explicação para a necessidade de dormir, adianta. “O que é que o cérebro precisa de fazer durante o sono que justifique o risco e a perda de produtividade que temos quando dormimos? É um terço da nossa vida em que não podemos fazer nada e que, do ponto de vista evolutivo, nos coloca numa posição de desvantagem. Alguma coisa vital e muito importante tem de compensar o investimento de tanto tempo a dormir”, argumenta Diogo Pimentel. O trabalho que agora foi publicado na revista científica Nature ainda não esclarece o enigma, mas representa mais um passo nesse sentido.
“Se compreendermos como é que o sono é regulado, ficamos a um passo mais perto de perceber por que é que precisamos de dormir”, defende o investigador, que esteve a observar um conjunto de cerca de duas dúzias de neurónios no cérebro das moscas da fruta (os cientistas acreditam que algo semelhante se passa no cérebro dos humanos) que já tinham sido associados ao controlo do sono em estudos anteriores.
Estes cerca de 24 neurónios são uma espécie de termostato no nosso cérebro para o sono, a que os investigadores chamam “homeostato do sono”. “O que esse homeostato faz é detectar quando estamos acordados há tempo de mais, para então ligar o programa do sono e vamos dormir. O que esclarecemos neste estudo é que o mecanismo que desliga estes neurónios nos faz acordar quando estamos a dormir.”
O reverso deste circuito – ou seja, o mecanismo que “liga” estes neurónios para nos fazer dormir – ainda não foi esclarecido e será o próximo passo da investigação da equipa da Universidade de Oxford.
A explicação do nome
“Para já, sabemos que o que desliga os neurónios é o neurotransmissor da dopamina, que inicia um processo intracelular que depende de um canal iónico [uma molécula de membrana celular] a que chamámos 'Sandman' e que em português seria o' João Pestana'”, explica Diogo Pimentel.
O nome dado a este canal que viabiliza a transmissão de impulsos eléctricos entre os neurónios parece contraditório com o seu efeito, uma vez que nos acorda. Mas, segundo esclarece o cientista, esta é a tradição em estudos de genética com moscas da fruta. “Quando se descobre uma mutação [genética], normalmente nomeia-se a proteína de acordo com o efeito da mutação – ou seja, neste caso, se tirarmos o 'Sandman' destes neurónios, o que acontece é que as moscas dormem praticamente o dia todo.”
Essa foi uma experiência que a equipa fez. O canal iónico "João Pestana", que funciona como um interruptor neste conjunto de neurónios, foi retirado destas células e as moscas ficaram a dormir entre 20 a 22 horas por dia, quando normalmente o seu sono fica pelas 12 e as 14 horas.
Com um mecanismo completamente diferente, a dopamina pode também ser capaz de acordar as moscas durante um curto período de tempo. Porém, quando se fala em acordar depois de dormir o suficiente para então começar a funcionar de novo, “o 'Sandman' tem um papel decisivo porque, a partir do momento em que ele entra para a membrana, aqueles neurónios já não conseguem funcionar normalmente e a mosca fica acordada por um período prolongado”.
Tiago Pimentel acredita que a descoberta pode vir, um dia, a ser útil para os humanos e, mais do que isso, a investigação sobre este termostato do sono – peça por peça – pode levar-nos a esclarecer um dos muitos mistérios das neurociências. “Se conseguirmos perceber que existe um mecanismo semelhante a este nos humanos e noutras espécies, julgo que o 'Sandman' poderia ser um alvo interessante para a indústria farmacêutica para formular melhor medicação para dormir. Por outro lado, acho que agora que começámos a abrir esta caixinha, que é o homeostato do sono, estamos a desmontar as peças e a perceber como isto tudo funciona. No dia em que compreendermos esta regulação, estaremos a um passo de saber por que é que precisamos de dormir e esse motivo é universal. As moscas precisam de dormir pelos mesmos motivos que os humanos.”