Manbij anda a descoberto, fuma, dança e celebra a partida do Estado Islâmico
Muitas mulheres de Manbij queimaram as suas burqas, celebrando o fim de dois anos de domínio jihadista na cidade. Reféns levados pelos extremistas já foram libertados.
Dezenas de pessoas foram decapitadas nos últimos dois anos no chamado Círculo do Navio em Manbij, onde há a estátua de um barco num poço raso de pedra amarela. “Penduravam as cabeças por três dias”, contava este sábado um residente, rodeado de edifícios semi-destruídos por semanas de violentos bombardeamentos. “Por nada, ou sob o pretexto de não se acreditar [em Alá], punham lá alguém e cortavam-lhe a cabeça. É tudo injustiça.”
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Dezenas de pessoas foram decapitadas nos últimos dois anos no chamado Círculo do Navio em Manbij, onde há a estátua de um barco num poço raso de pedra amarela. “Penduravam as cabeças por três dias”, contava este sábado um residente, rodeado de edifícios semi-destruídos por semanas de violentos bombardeamentos. “Por nada, ou sob o pretexto de não se acreditar [em Alá], punham lá alguém e cortavam-lhe a cabeça. É tudo injustiça.”
Nos dois anos em que o grupo Estado Islâmico governou Manbij, onde, como nos seus outros bastiões sírios e iraquianos, forçou uma visão radical do islão, era habitual ser-se preso e torturado por coisas tão inofensivas como fumar, ouvir música ou, no caso das mulheres, não usar a burka ou o niqab, véus que as cobrem parcial ou completamente. Quem ia para os quartéis da polícia religiosa podia esperar ser agredido por correntes ou tubos de canalização.
O domínio dos jihadistas em Manbij terminou oficialmente este sábado, dia em que os seus combatentes saíram escorraçados por uma coligação de curdos e árabes conhecida como Forças Democráticas Sírias. Os seus sucessos recentes faziam antever a derrota dos extremistas, que raptaram duas mil pessoas na sexta-feira, quando os seus últimos homens batiam em retirada para Jarabulus, um dos últimos redutos jihadistas no Norte da Síria.
Chegou a temer-se uma execução em massa, como represália por Manbij, como o Estado Islâmico fez em várias derrotas suas. Mas o grupo libertou as centenas de reféns na tarde deste sábado: queriam-nos apenas como escudo contra a coligação internacional que os bombardeou nos últimos dois meses. Os jihadistas levaram com eles o que se diz ser algumas dezenas de apoiantes e em Manbij celebrou-se a sua partida com tudo o que odeiam.
Mulheres despiram os seus véus e queimaram-nos nas ruas. Idosas e jovens foram fotografadas a fumar, um crime aos olhos do Estado Islâmico, que noutras cidades já amputou dedos a quem era visto com um cigarro. Um homem em êxtase cortava a sua barba e a de outros para as câmaras. “Sinto alegria [parece] um sonho”, gritava uma mulher, filmada pela agência ANHA. “Estou a sonhar, não acredito. As coisas que vi, ninguém viu”, disse, desmaiando.
“Destruíram as nossas casas, mataram-nos”, gritava um dos homens na frente de uma coluna com centenas de veículos que esperava por sair da cidade e receber ajuda humanitária. Os combates, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, fizeram quase 500 mortos apenas entre a população local, quase 300 entre combatentes das Forças Democráticas Sírias e mais de mil entre homens do Estado Islâmico.
Enquanto em Manbij se dança celebrando a sua libertação, outros pensam já no próximo objectivo. As SDF — sigla em inglês da aliança — recebem apoio dos Estados Unidos como nenhum outro grupo armado sírio, principalmente porque têm várias etnias e não combatem outro inimigo que não seja o Estado Islâmico, algo que convenceu até a Turquia a dar-lhes rédea livre, mesmo que cerca de 70% dos seus combatentes sejam curdos.
O sucesso das SDF aumentou com a presença de forças especiais norte-americanas na frente de combate, o que lhes permitiu avançar com uma velocidade impressionante no Norte do país, pressionando a suposta capital do Estado Islâmico, Raqqa, onde vivem entre 250 a 500 mil pessoas. A vitória em Manbij bloqueia um dos últimos e mais importantes canais jihadistas entre Raqqa e a Turquia, de onde os extremistas recebem combatentes e armas.
“O Estado Islâmico está a sentir o perigo em Raqqa, visto que esse pode ser o nosso próximo alvo”, afirmava na sexta-feira Ahmad Hisso Araj, porta-voz das SDF. Apesar das suas declarações, o consenso entre observadores é o de que é mais provável que a aliança patrocinada pelos Estados Unidos avance para Oeste e não ainda para Sul, combatendo os jihadistas em al-Bab e Jarabulus e isolá-los enfim de todo o contacto entre a Síria e a Turquia.