O terrorismo salarial em Portugal
Quem opera e coordena as acções “clandestinas” são, na maioria das vezes, lobos não solitários. A sua arma preferida é o estágio não remunerado, uma técnica lenta e dolorosa que a longo prazo trará consequências nefastas para um país em declínio
Todos os dias, em Portugal, é praticado um tipo de terrorismo, não associado ao que o mundo nos tem acostumado a ver, mas nem por isso menos grave. Quem opera e coordena as acções “clandestinas” são, na maioria das vezes, lobos não solitários. A sua arma preferida é o estágio não remunerado, uma técnica lenta e dolorosa que a longo prazo trará consequências nefastas para um país em declínio.
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Todos os dias, em Portugal, é praticado um tipo de terrorismo, não associado ao que o mundo nos tem acostumado a ver, mas nem por isso menos grave. Quem opera e coordena as acções “clandestinas” são, na maioria das vezes, lobos não solitários. A sua arma preferida é o estágio não remunerado, uma técnica lenta e dolorosa que a longo prazo trará consequências nefastas para um país em declínio.
Estágios não remunerados. Um conceito que se inventou e que eu sempre detestei. Um mês, dois meses, três meses, seis meses à experiência, sem remuneração. Pior é que este processo se sustenta, em muitos casos, na mentira. Uma esperança alimentada ao longo dos meses de trabalho (não pago!) de que haverá, eventualmente, repito, eventualmente, uma remota possibilidade de ficar como efectivo caso a pessoa em questão tenha uma boa performance. Esta é a chave para alimentar a farsa e “obrigar” as pessoas a sujeitarem-se aos meses de trabalho não pago, estabelecidos "a priori".
Sem se aperceberem estes terroristas, estes lobos, estes chefes, assassinam o entusiasmo e o espírito empreendedor. Deixam cair por terra o esforço de anos de trabalho de alguns pais que lutaram para dar uma educação melhor aos seus filhos. Descredibilizam o ensino, os cursos, as universidades. Mais grave, descredibilizam o valor de quem quer tanto vingar que se dispõem a trabalhar sem ser pago. Claro que todo este terror é também ele sustentado pelos próprios estagiários que, com efeito, se sujeitam a estas condições animalescas, a esta exploração, a esta falta de respeito.
Pior do que tudo é pensar que estes lobos têm uma solução pacífica para os seus problemas chamado “estágio IEFP”. Só que para muitos, ainda que o gasto seja pouco, há um gasto. Algo que se pode evitar aproveitando a fragilidade de quem se sujeita, havendo sempre na cartola a frase feita: “Não queres ficar, não fiques. Como tu, há mais 20 mortinhos para entrar.” E é verdade, há mesmo! Por isso é que muitas vezes, quando terminado o estágio se recebe apenas uma palmadinha nas costas e um (às vezes nem) obrigado. É uma espiral recessiva e sem cerimónias.
Não se pode aceitar mais o trabalho não pago! Aceitá-lo é tão vergonhoso como a sua própria existência. Falar com qualquer europeu e dizer-lhe que a maior parte dos jovens portugueses se sujeita ao estágio não remunerado é proporcionar-lhes uma valente gargalhada. Gargalhada essa que pode durar toda a noite se mencionarmos aqueles que ainda pagam para estagiar (Como é possível?).
“E assim se vive em Portugal”: enquanto uns brincam aos políticos e quem vai mandando manda mal, os portugueses esquecem a importância destas “pequenas” coisas como um jovem trabalhar oito horas por dia e não ser compensado como qualquer outro funcionário. De facto ninguém debate este assunto. Onde estão os partidos políticos?
Os estagiários são quem um dia pagará contas, impostos e sustentará Portugal. Se nos esquecermos de lhes transmitir uma boa escola de início, o cenário poderá ser ainda mais desastroso do que aquele em que vivemos.
O estágio não remunerado é uma prática de terrorismo extremamente perigosa. Devagar e silenciosamente vai destruindo o país. É preciso travá-lo, dar-lhe a atenção que merece e, sobretudo, arranjar medidas e soluções para o aniquilar.