A piscina “amiga” dos recordes

A piscina do Rio de Janeiro tem sido apontada como "instrumento" de competição para os nadadores, devido às inovações técnicas e arquitectónicas que optimizam os desempenhos dentro de água.

Foto
Ledecky e Friis protagonizaram uma grande corrida Michael Dalder/Reuters

O conceito de “piscina rápida” pode soar bizarro e diz-se que “água é água” e “uma piscina é uma piscina”. No entanto, alguma imprensa internacional tem mostrado que talvez não seja bem assim. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma "simples" piscina, que de simples não tem nada, pode ser também um poderoso instrumento de competição. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O conceito de “piscina rápida” pode soar bizarro e diz-se que “água é água” e “uma piscina é uma piscina”. No entanto, alguma imprensa internacional tem mostrado que talvez não seja bem assim. Nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma "simples" piscina, que de simples não tem nada, pode ser também um poderoso instrumento de competição. 

Nas provas de natação do Rio 2016, já foram batidos 15 recordes, entre melhores marcas de sempre e melhores marcas em Jogos Olímpicos. E o pecúlio promete não ficar por aqui. Descontando Pequim 2008 – prova com um número anormal de recordes batidos (29), justificados, em parte, pelos polémicos fatos “especiais” de natação, entretanto banidos pela Federação Internacional de Natação (FINA) –, esta edição do Rio 2016 tem trazido um número considerável de recordes, que irá, provavelmente, superar os de Londres 2012 e Atenas 2004.

O conhecido conceito de “pico de forma” explicará, sobremaneira, os recordes batidos. Nomes como Katie Ledecky, Michael Phelps, Katinka Hosszu, Adam Peaty ou Sarah Sjöström apareceram em grande forma no Rio de Janeiro e o mais justo será atribuir o mérito aos atletas. Mas não só. Tem sido avançada a hipótese de a arquitectura da piscina do Estádio Aquático Olímpico, na “Cidade Maravilhosa”, ser “amiga” dos nadadores.

Piscina olímpica: a zona de competição, que também é um instrumento

A profundidade da piscina é apontada como um factor decisivo. Desde Pequim 2008, a FINA recomenda uma profundidade de três metros – maior do que a usada em Atenas 2004 ou Sydney 2000. "Uma piscina rápida tem, pelo menos, três metros de profundidade", aponta Teri McKeever, treinador da equipa de natação feminina da Universidade da Califórnia, que foi o treinador principal dos Estados Unidos em Londres 2012. "Quanto mais profunda é a piscina, melhor. O “splash” e a turbulência levam mais tempo para chegar até o fundo e, dessa forma, não vão fazer ricochete nos nadadores”, detalhou McKeever.

Para além da profundidade adequada a boas marcas, a piscina do Rio está equipada com divisores de pistas que absorvem o choque, com esgotos ou calhas de drenagem mais eficazes e com 15 mil buracos, estrategicamente posicionados, que fazem parte de um sistema de ventilação natural. O próprio número de pistas pode influenciar o desempenho dos atletas. Embora a piscina do Rio tenha dez pistas, apenas as oito do meio são usadas para competição. Isto significa que os nadadores das pistas mais laterais estão menos expostos às ondas que reflectem nas paredes da piscina, dado que, se essas ondas chegarem à borda da piscina, fluem para dentro das calhas de drenagem. Se estas calhas tiverem capacidade suficiente para absorver as ondas, o impacto nos atletas é reduzido.

O "empurrãozinho" dado pelo público

Outro aspecto apontado como fulcral é a proximidade do público. No Estádio Aquático Olímpico, as primeiras filas estão a cerca de dez metros da “zona da verdade”. Juntando esta proximidade à iluminação e à acústica do complexo da piscina, a multidão presente nas bancadas ajuda a criar uma atmosfera “quente”, que influenciará os nadadores pelo lado mental. “Há boa energia no estádio (…) consegue mesmo ouvir-se o barulho envolvente [dentro de água] ”, disse o norte-americano Connor Dwyer, depois de vencer o bronze nos 200 metros livres.

Katie Ledecky, jovem prodígio – mas já figura – da natação mundial não deu grande importância à piscina, preferindo focar-se na preparação: “Todos trabalhámos para este ano e apenas tentamos nadar o mais rápido possível, nas Olimpíadas”. Coincidência ou não, no Rio, a nadadora de 19 anos venceu os 400 metros livres de uma forma avassaladora, “destruindo”, por cerca de dois segundos, o anterior recorde do mundo, que já era seu. No habitual grafismo televisivo, que coloca a linha de recorde no mundo em comparação com a prova actual, a norte-americana tinha mais de um corpo de vantagem para a linha do recorde do mundo.

Mas o mais surpreendente foi a superioridade com que Ledecky venceu. A nadadora tocou na parede, terminou a sua prova, virou-se para trás, começou os festejos, e só depois a segunda classificada terminou a sua prova. Katie Ledecky terminou o percurso cerca de cinco segundos antes da medalhada de prata – uma margem maior do que a das últimas seis finais olímpicas desta prova… somadas.

Com ou sem piscina “amiga”, os recordes de natação podem não ficar por aqui, numa fase em que entre eliminatórias e finais, ainda estão por disputar 28 provas de natação. Ledecky, Hosszu ou Phelps são alguns dos nomes a seguir na recta final da agenda de natação e, para um português, a piscina do Rio foi mesmo "amiga": Alexis Santos bateu os seus recordes pessoais nestes Jogos, sendo que, nos 400 metros estilos, bateu mesmo o recorde nacional. Texto editado por Jorge Miguel Matias