O que revela a música que Obama leva para as férias
Continua sem ouvir country e inclui Caetano Veloso, Courtney Barnett, Manu Chao, Janet Jackson, Aretha ou Prince. A relação do Presidente dos EUA com a cultura pop em análise.
Grande parte da vida pessoal do Presidente Barack Obama está envolta em mistério. Quem foi convidado para a festa do seu 55.º aniversário na semana passada na Casa Branca? A Administração Obama não revela. Passaram quase dois mandatos presidenciais, foram jogadas mais de 300 partidas de golfe e só agora Obama divulgou o seu handicap (um 13 “honesto”). O secretismo em torno do seu golfe é tão extremo que os assistentes da Casa Branca já penduraram toalhas de mesa nas janelas para evitar que os jornalistas o vissem a dar tacadas.
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Grande parte da vida pessoal do Presidente Barack Obama está envolta em mistério. Quem foi convidado para a festa do seu 55.º aniversário na semana passada na Casa Branca? A Administração Obama não revela. Passaram quase dois mandatos presidenciais, foram jogadas mais de 300 partidas de golfe e só agora Obama divulgou o seu handicap (um 13 “honesto”). O secretismo em torno do seu golfe é tão extremo que os assistentes da Casa Branca já penduraram toalhas de mesa nas janelas para evitar que os jornalistas o vissem a dar tacadas.
Mas quinta-feira, a Casa Branca permitiu um olhar mais próximo sobre a vida interior de Obama, enviando uma curta mensagem das suas férias de Verão na ilha idílica de Martha's Vineyard. É o segundo ano consecutivo em que o Presidente dos EUA revela uma lista de 39 músicas – 19 para o dia, 20 para a noite – que está a ouvir este Verão.
Este tipo de partilha tornou-se um elemento regular da Casa Branca de Obama. O Presidente não guarda segredo das suas séries de televisão preferidas, que tendem a pender para os dramas arriscados (Breaking Bad e A Guerra dos Tronos) e a novela sofisticada (o elenco de Downton Abbey fez uma visita à Casa Branca em 2015).
Bill Clinton falava muitas vezes do seu apreço por romances de mistério. Os gostos de Obama, com base em sete anos de listas de leituras de férias, recaem claramente na ficção literária mais intelectual e na não-ficção.
Os responsáveis da Casa Branca dizem que as listas reflectem as paixões de Obama e a sua curiosidade. Numa era dominada pelo digital que tende a diminuir, a isolar, a caricaturar e a esvaziar, estas listas têm a finalidade de dar uma imagem mais completa de um Presidente jovem que cresceu e amadureceu enquanto cumpria os seus dois mandatos. “Como é que se chega até pessoas que estão desgastadas pelo cinismo, pelo tédio e pelo desinteresse?”, diz um alto responsável da Casa Branca que o Washington Post mantém sob anonimato para que possa falar com franqueza. “Basicamente é esse o problema que enfrentamos”.
Juntando as listas – especialmente as listas de Verão do Spotify –, elas perfazem uma marca de lifestyle Obama sempre em evolução, cool e influenciadora dos gostos. Ajudaram a tornar o Presidente num árbitro da cultura e do cool, mesmo que cimentem a sua reputação de ser um elitista dos estados democratas.
No seu último discurso do Estado da União, Obama confessou que um dos “poucos arrependimentos” da sua presidência foi que o “rancor e a suspeita entre os partidos tivesse piorado em vez de melhorar”. Nesta era de polarização política cada vez mais profunda, Obama podia tentar usar a sua fluência em cultura popular para chegar às zonas mais conservadoras da América, onde é visto com suspeita e mesmo hostilidade. Mas a sua playlist mais recente segue um padrão estabelecido em incursões prévias: não faz favores a ninguém.
Nas várias playlists, que incluem 94 canções, Obama continua sem escolher uma única música country. Os fãs do Presidente ficarão encantados com a sua selecção de nomes como a lenda do jazz Nina Simone ou de artistas mais ou menos conhecidos como Floetry, Caetano Veloso, Acid Rain e Gin Wigmore. Aqueles que não gostam dele provavelmente lembrar-se-ão do estratega republicano Karl Rove quando descreveu Obama em 2008: “Ele é o tipo que está no clube de campo com a sua mulher bonita, de Martini e cigarro na mão, está encostado à parede e a fazer comentários sarcásticos sobre toda a gente que passa”.
Os politólogos dizem que o uso que o Presidente dos EUA faz da cultura pop é um reflexo de uma questão mais ampla - a da forma como os americanos gravitam em torno dos partidos políticos, muito mais organizada à volta da ideologia, valores e cultura. A consequência disso é que se tornou muito mais difícil para qualquer político convencer os cépticos, num mundo mais dividido. “A taxa de aprovação de Obama tem sido notavelmente estável”, diz John Sides, professor de Ciência Política na Universidade George Washington. “Em parte, isso é por seu turno um reflexo da ausência de grandes guerras, recessões ou escândalos. Mas também é indicador da forma como funcionamos politicamente”.
No início do seu segundo mandato, Obama tentou conquistar cépticos dos estados republicanos, e que são defensores do direito do porte de armas, divulgando imagens suas a disparar uma espingarda em Camp David. Hoje em dia, ele brinca mais com o tiro do que o pratica. “Isso é impressionante”, disse Obama em Julho enquanto lhe falavam da precisão de uma arma de calibre .54 num barco da Marinha que visitava em Espanha. “Isso é melhor do que eu consigo fazer no tiro ao prato”.
Uma pessoa real
De facto, a lista mais recente da música de Obama sugere que no que toca à cultura e ao gosto, ele já não se importa muito com quem pode ofender. Já nesta fase final do seu mandato, o Presidente dos EUA e a primeira dama foram criticados por convidar o rapper Common para uma noite de poesia na Casa Branca. Os conservadores insistiram que o seu antigo tema Burn a Bush, endereçado ao antecessor de Obama e contra a guerra por ele movida, o tornava um convidado indigno para a Casa Branca.
O porta-voz da Casa Branca sentiu-se na obrigação de explicar que o convite a Common não significava que Obama apoiava as suas letras mas sim o seu “trabalho com as crianças”. Este ano, Forever Begins, de Common, está na lista musical.
Responsáveis da Casa Branca dizem que as incursões do Presidente na cultura pop muitas vezes pretendem chegar a um grupo de americanos em particular. “Temos de ser muito estratégicos em termos demográficos”, disse um desses responsáveis. “As pessoas recolhem-se nos seus pequenos aquartelamentos e por isso temos de os visitar a todos”.
Por vezes, uma presença presidencial num novo espaço destina-se a reenquadrar um tema. Numa viagem ao Alasca sob o tema do aquecimento global, Obama visitou o programa de televisão de Bear Grylls. O objectivo era encorajar as pessoas a ver as mudanças climáticas como uma ameaça à beleza natural do país e não apenas como um tema político ou económico, explicam.
As aparições de cultura popular do Presidente não se afastam, contudo, da sua marca mais geral. Obama podia ter escolhido um programa de caça ou pesca que apelasse mais aos americanos brancos da classe trabalhadora, disse Charles Murray, politólogo no American Enterprise Institute (conservador) e autor do livro Coming Apart: The State of White America 1960-2000. "Bear Grylls é o extremo de elite daquele género televisivo”, disse. E sugeriu que se Obama quisesse mesmo apelar aos brancos da classe trabalhadora teria ido a uma corrida automóvel do NASCAR ou “deixar-se fotografar a beber uma cerveja Coors Lite directamente da lata".
Em última análise, as escolhas de Obama nas suas vontades solitárias de leitura e audição musical podem ter mais a ver com o seu gosto pessoal do que com política. No Verão passado, depois de ter escolhido Boozophilia, dos Low Cut Connie para a sua playlist de Verão, a banda, pouco conhecida, mostrou o seu espanto no Facebook. “Estamos sem palavras e honrados e excitadíssimos e confusos”, escreveram.
Então, afinal, que mensagem é que Obama estava a tentar mandar quando escolheu uma banda rock obscura de Filadélfia? James Miller, que foi crítico de rock da revista Newsweek e que é professor de Ciência Política na New School, sugeriu uma resposta: “Parece-me que é a playlist de uma pessoa real”.
Exclusivo PÚBLICO/ The Washington Post
Eis as listas de Obama para o dia:
- LoveHate Thing - Wale
- Smooth Sailin' - Leon Bridges
- Elevator Operator - Courtney Barnett
- Home - Edward Sharpe and the Magnetic Zeros
- Many the Miles - Sara Bareilles
- Tightrope - Janelle Monáe
- Classic Man - Jidenna
- So Ambitious - Jay Z feat. Pharrell
- Me Gustas Tu - Manu Chao
- Forever Begins - Common
- The Man - Aloe Blacc
- As We Enter - Nas & Damian "Jr. Gong" Marley
- Sinnerman - Nina Simone
- U Got the Look - Prince
- Rock Steady - Aretha Franklin
- Good Vibrations - Beach Boys
- Don't Owe You A Thang - Gary Clark Jr.
- Man Like That - Gin Wigmore
- II B.S. (edit) - Charles Mingus
E para a noite:
- If I Have My Way - Chrisette Michele
- Espera - Esperanza Spalding
- Tell It Like It Is - Aaron Neville
- Alright - Ledisi
- Trapped By A Thing Called Love - Denise LaSalle
- Lady - D'Angelo
- So Very Hard to Go - Tower of Power
- Midnight Sun - Carmen McCrae
- Cucurrucucú ?Paloma - Caetano Veloso
- Green Aphrodisiac - Corinne Bailey Rae
- I'll Be There for You / You're All I Need - Mary J. Blige / Method Man
- Lover Man - Billie Holiday
- Criminal - Fiona Apple
- Acid Rain - Chance the Rapper
- My Funny Valentine - Miles Davis
- Do You Feel Me - Anthony Hamilton
- I Get Lonely - Janet Jackson
- Lean In - Lizz Wright
- All Day Music - War
- Say Yes - Floetry