A guitarra de Jimi Hendrix se tivesse nascido no meio do Sara
Numa rápida ascensão desde que o mundo o descobriu em 2011, Bombino apresenta em Braga o mais recente capítulo da sua electricidade aplicada à música tuaregue.
“Embora ele fale tamasheq, árabe e francês, raramente fala. Em vez disso, toca guitarra.” É assim Bombino na descrição sumária de David Longstreth, homem dos nova-iorquinos Dirty Projectors a quem coube a produção do terceiro álbum oficial do músico do Níger. Omara Octar, mais conhecido como Bombino – deturpação da palavra italiana bambino, alcunha dos tempos em que tocou com Haja Bebe –, leva atrás de si a fama de “Jimi Hendrix do deserto”, sendo um dos mais destacados intérpretes da electrificação da música tuaregue, que antes dele popularizou os malianos Tinariwen, em primeiro lugar, e depois os Terakaft, Tamikrest e Etran Finatawa. Em Braga, no Theatro Circo, Bombino apresentará esta sexta-feira Azel, o tal álbum com o dedo de Longstreth, lançado este ano; regressa em breve, ao Festival Vilar de Mouros, onde actua a 27 de Agosto.
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“Embora ele fale tamasheq, árabe e francês, raramente fala. Em vez disso, toca guitarra.” É assim Bombino na descrição sumária de David Longstreth, homem dos nova-iorquinos Dirty Projectors a quem coube a produção do terceiro álbum oficial do músico do Níger. Omara Octar, mais conhecido como Bombino – deturpação da palavra italiana bambino, alcunha dos tempos em que tocou com Haja Bebe –, leva atrás de si a fama de “Jimi Hendrix do deserto”, sendo um dos mais destacados intérpretes da electrificação da música tuaregue, que antes dele popularizou os malianos Tinariwen, em primeiro lugar, e depois os Terakaft, Tamikrest e Etran Finatawa. Em Braga, no Theatro Circo, Bombino apresentará esta sexta-feira Azel, o tal álbum com o dedo de Longstreth, lançado este ano; regressa em breve, ao Festival Vilar de Mouros, onde actua a 27 de Agosto.
A sua história é pouco original naquilo que tem de mais trágico: aos dez anos, devido ao conflito armado durante a Revolução Tuaregue, fugiu com os pais para a Argélia e para a Líbia, fixando-se num campo de refugiados onde acabou por se cruzar com uma guitarra deixada por um primo e que aprendeu a tocar sozinho. O contacto com uma série de referências ocidentais através de vídeos que espreitava com os amigos na Internet, de gente como Jimi Hendrix, Dire Straits, Carlos Santana e Led Zeppelin, ajudou a criar um referencial de música eléctrica que Bombino associou à espinha dorsal da sua sonoridade – a música de Ali Farka Touré. Tudo junto, numa técnica frenética, livre e pouco obediente a formatos, deu forma ao som hipnotizante de Bombino sempre que pega na guitarra eléctrica.
Na América
Foi no regresso a Agadez, em 1997, que Bombino começou a construir um mito à sua volta. Tocando em várias cerimónias locais (casamentos incluídos) à frente do Group Bombino, a sua música acabaria por ser documentada com a ajuda de uma equipa de filmagem espanhola, que ajudou a registar Guitars from Agadez Vol. 2, lançado pela Sublime Frequencies em 2009. Pouco depois, um outro realizador, Ron Wyman, passaria as três semanas de pesquisa de campo para a preparação de um filme sobre a identidade tuaregue a ouvir uma cassete com a guitarra de Bombino no carro do seu guia.
No final dessa curta viagem, Wyman encarregou o guia de descobrir o paradeiro de Bombino, interessado em que o seu filme tivesse aquela música a sobrevoar as imagens. O guia acabaria por descobri-lo em Ouagadougou, no Burkina Faso, exilado depois da eclosão de um novo conflito e de dois dos membros da sua banda terem sido mortos em mais um período de rebelião e de guerra civil entre os tuaregues e o governo do Níger, com as guitarras a serem identificadas como símbolos de insurreição e a suscitarem os mais drásticos castigos em quem fosse apanhado na sua posse. Em 2010, quando Wyman regressou para filmar a sua longa-metragem, o fascínio pela guitarra e pela figura do músico faria dele o grande protagonista de Agadez, the Music and the Rebellion.
Com o restabelecimento da paz, Wyman provar-se-ia fundamental para que a guitarra sobre brasas de Bombino não continuasse confinada ao Sara e a um mito regional. Foi graças ao realizador que o guitarrista gravou Agadez, o álbum que, em 2011, o celebrizou para lá do continente africano. Nesse mesmo ano, prova de uma ascensão meteórica, era já possível encontrá-lo em palco nos Estados Unidos com a lenda soul-funk Stevie Wonder. E faria a sua estreia portuguesa, actuando nos concertos de Verão do Centro Comercial de Belém.
O virtuosismo e a originalidade do discurso da guitarra de Bombino, aliados a um cancioneiro que dá voz sobretudo à necessidade de paz e à manutenção da identidade do povo tuaregue, mas também à necessidade da sua auto-determinação, à vida no exílio e, ocasionalmente, à solidão da vida de pastor a que em tempos se dedicou, rapidamente exerceram o seu magnetismo junto das franjas do rock dito indie. E assim acabaria, em 2013, a gravar Nomad com produção de Dan Auerbach, homem forte dos Black Keys, que o levaria até Nashville para aplicar uma dosagem de blues-rock norte-americanos à sua sonoridade desértica.
Agora, com Longstreth, Bombino parece ter-se dedicado à criação de um novo género, que baptizou como tuareggae, improvável ponto de encontro entre o Níger e a Jamaica. Mais uma vez na estrada, Bombino dedica-se agora ao típico nomadismo tuaregue, mas com o objectivo de propagar uma música que, também ela, é do Sara e de todo o lado, sem habitação permanente.