O caso do plágio académico que o autor não consegue explicar
Ensaio publicado online por Pedro Vaz Serra, da Universidade de Coimbra, copiava o conteúdo de um artigo de 2012 de duas investigadoras do ISCTE. O autor do plágio diz não ter explicação para o sucedido.
Chama-se Igualdade de Género e Partidos Políticos: da representação de mulheres nos órgãos de decisão dos cinco maiores partidos políticos, em Portugal e é um ensaio, publicado online, que se tornou polémico nas últimas semanas entre a comunidade académica. O texto é assinado por Pedro Vaz Serra, um antigo gestor, de 50 anos, que está a fazer um mestrado na Universidade de Coimbra, mas que em parte copia o conteúdo de um artigo científico publicado quatro anos antes por Maria Helena Santos e Lígia Amâncio, investigadoras do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). O autor do plágio diz não ter explicação para o sucedido.
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Chama-se Igualdade de Género e Partidos Políticos: da representação de mulheres nos órgãos de decisão dos cinco maiores partidos políticos, em Portugal e é um ensaio, publicado online, que se tornou polémico nas últimas semanas entre a comunidade académica. O texto é assinado por Pedro Vaz Serra, um antigo gestor, de 50 anos, que está a fazer um mestrado na Universidade de Coimbra, mas que em parte copia o conteúdo de um artigo científico publicado quatro anos antes por Maria Helena Santos e Lígia Amâncio, investigadoras do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE). O autor do plágio diz não ter explicação para o sucedido.
Maria Helena Santos, uma das autoras do artigo original, encontrou um pouco por acaso o artigo de Vaz Serra na plataforma Academia.edu — uma rede social onde cientistas de todo o mundo podem partilhar os seus trabalhos. “Ao ler o texto, verifiquei imediatamente que o autor tinha copiado vários parágrafos inteiros de trabalhos meus”, conta a investigadora que, surpreendida com a situação, acabou por denunciá-la nas redes sociais. Também fez chegar a queixa às reitorias do ISCTE, onde está a fazer um pós-doutoramento, e da Universidade de Coimbra (UC), que aparece identificada como a instituição a que pertence o autor do ensaio.
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Não é difícil encontrar exemplos do plágio que Vaz Serra faz de Género e Política: Análise sobre as resistências nos discursos e nas práticas sociais face à Lei da Paridade, um artigo que Maria Helena Santos publicou com Lígia Amâncio — professora do ISCTE e uma das principais figuras da academia portuguesa nas questões de género — na revista Sociologia, Problemas e Práticas, em 2012. Os três primeiros parágrafos do ensaio são em tudo semelhantes à introdução desse artigo.
Pedro Vaz Serra reformula frequentemente a organização das frases, mudando de posição alguns dos elementos, mas mantendo as ideias base. Por exemplo, onde Santos e Amâncio escreviam “nos últimos anos têm sido criadas medidas de acção positiva, como é o caso das quotas baseadas no sexo e da Lei da Paridade”, Vaz Serra escreve “surgem, desde há alguns anos, as medidas de acção positiva, entre as quais as inerentes ao cumprimento de quotas específicas para o sexo sub-representado e a Lei da Paridade”. Este tipo de estratégias é usado ao longo da introdução e enquadramento teórico do ensaio, sendo citados os mesmos exemplos de países onde são encontradas políticas vistas como exemplares e os mesmos relatórios internacionais, por exemplo.
Do clube de empresários à fraude na banca
Contactado pelo PÚBLICO, Pedro Vaz Serra diz “não conseguir justificar o sucedido”, tanto mais que inclui no artigo outras referências aos trabalhos das investigadoras do ISCTE (um artigo conjunto de 2010, a tese de doutoramento de Maria Helena Santos, do mesmo ano, e um livro da mesma autora publicado dois anos depois). “Não há o mínimo argumento plausível, lógico e racional para que eu não o fizesse exactamente da mesma forma.”
Ao contrário do que a identificação que surge no Academia.edu pode sugerir, Pedro Vaz Serra não é professor ou investigador na Universidade de Coimbra. O autor do plágio é, isso sim, estudante no mestrado de Intervenção Social, ministrado conjuntamente pelas faculdades de Economia e de Psicologia daquela instituição de ensino superior. Mas não é um jovem. Vaz Serra licenciou-se em Economia na mesma universidade em 1990 e foi presidente do Clube de Empresários de Coimbra. Foi também gestor do Banco Privado Português, de onde foi afastado em 2011, na sequência de uma burla — apropriou-se de mais de 700 mil euros de clientes — que acabaria por confessar em tribunal, tendo sido condenado a cinco anos de prisão com pena suspensa.
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Outro pormenor desta história é que o ensaio de Pedro Vaz Serra não foi realizado no âmbito de nenhuma das disciplinas daquele mestrado, como confirmou ao PÚBLICO fonte da reitoria da UC. Por esse motivo, os logótipos das duas faculdades que encimavam a folha de rosto do artigo na versão original — entretanto substituída online — foram ali colocadas “de forma abusiva”, refere a mesma fonte. Vaz Serra confirma isso mesmo, garantindo que os artigos que neste momento estão online no seu perfil no Academia.edu com os logótipos das faculdades foram os que elaborou no âmbito de trabalhos curriculares.
Quando o assunto chegou ao conhecimento da reitoria da Universidade de Coimbra, Pedro Vaz Serra foi contactado de forma a retirar os logótipos das faculdades do ensaio polémico e confrontado com as acusações de plágio. Nessa altura, tomou a iniciativa de contactar Maria Helena Santos e Lígia Amâncio para apresentar um “sincero pedido de desculpas”. Foi um “lapso totalmente involuntário e sem qualquer intenção da minha parte”, assegura.
Santos corrobora que houve um pedido de desculpas, mas diz que Vaz Serra “se limitou” a referenciar o artigo de 2012 no final de cada um dos parágrafos copiados “sem, contudo, os colocar entre aspas, como indicam as mais básicas regras de citação”. Depois de uma nova troca de e-mails entre os dois, houve novas alterações, mas Maria Helena Santos continua a conseguir “identificar outras passagens totalmente copiadas de fontes resultantes de trabalhos” seus, bem como de uma entrevista dada à Associação P&D Factor.
“Todo este processo revela que estamos perante uma pessoa que tem um modo de actuar muito pouco ético, copiando, sem nenhuma preocupação, passagens inteiras de trabalhos de outras pessoas sem as citar, fazendo pesquisas cruzadas online e montando uma ‘manta de retalhos’ muito com base noutros trabalhos”, critica a investigadora do ISCTE.