Queixas de deficientes por discriminação sobem. Há mais do que uma por dia
Instituto Nacional para a Reabilitação faz balanço de 2015. Queixas sobem. Mas “apenas há registo de terem sido instaurados quatro processos contra-ordenacionais”.
Há “um aumento significativo no número de queixas apresentadas” por alegada discriminação de pessoas com deficiência. Em 2014 tinham sido 353. Em 2015 foram 502. São mais 42%. Os dados constam do novo relatório do Instituto Nacional para a Reabilitação (INR).
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Há “um aumento significativo no número de queixas apresentadas” por alegada discriminação de pessoas com deficiência. Em 2014 tinham sido 353. Em 2015 foram 502. São mais 42%. Os dados constam do novo relatório do Instituto Nacional para a Reabilitação (INR).
Mas se é verdade que há mais queixas — à média de 1,4 por dia —, também é um facto que continuam a ser quase inexistentes as situações em que alguém ou uma entidade é multada por discriminação de uma pessoa deficiente. A lei prevê multas que, nos casos de entidades colectivas, privadas ou públicas, podem ir até perto dos 16 mil euros.
Todos os anos, o INR, um instituto tutelado pelo Ministério da Segurança Social, avalia as denúncias de violação da lei 46/2006, que expressamente “proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde”. O balanço de 2015 mostra que “apenas há registo de terem sido instaurados quatro processos contra-ordenacionais”.
O INR justifica que sejam poucos da seguinte forma: algumas das entidades com competência para instruir processos e sancionar — e que são, por exemplo, as inspecções-gerais da Educação, das Actividades Económicas e da Segurança Social, as entidades reguladores da Comunicação Social e da Saúde, ou a ASAE, entre outras — optam por analisar as situações objecto de queixa “no âmbito de procedimentos de outra natureza” que não contra-ordenacionais. Analisam, por exemplo, como se fossem reclamações.
Os próprios queixosos, continua o INR, apresentam muitas vezes a sua queixa no livro amarelo (o livro de reclamações da Administração Pública), em vez de apresentarem “uma queixa por discriminação, nos termos da Lei 46/2006”.
Por fim, também “há entidades que têm questionado a sua competência para a instrução de procedimentos contra-ordenacionais ao abrigo da citada lei”.
O INR reconhece ainda, tal como tem feito em relatórios anteriores, que continua a haver “dificuldade na definição concreta de discriminação com base na deficiência ou risco agravado de saúde e, sobretudo, na sua prova”.
Uma lei “mal feita”
“A lei está mal feita”, diz ao PÚBLICO Paula Campos Pinto, do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos. É ambígua em relação ao que é discriminação, “coloca o ónus da prova sobre o queixoso” e não é clara sobre quem tem competência para sancionar.
Paula Pinto admite que as pessoas ainda não estarão suficientemente bem informadas e, nalguns casos, apresentarão queixas relacionadas com situações que não configuram discriminação à luz da lei. Mas acha que o relatório mostra também “alguma falta de sensibilidade” das entidades. Exemplifica: “O Instituto dos Registos e Notariado referiu a apresentação de 16 queixas motivadas, na sua maioria, pela falta de acessibilidade. Essas queixas foram encaminhadas para o Departamento Patrimonial daquele instituto, ‘com vista à adopção das necessárias providências’. Não houve qualquer processo contra-ordenacional. Foram todas arquivadas. Ou seja, manda-se as queixas para o departamento que, um dia, quem sabe, eventualmente, fará alguma coisa.”
Assim, dificilmente algo muda, continua. “Não havendo sanções, quem não cumpre a lei não se sente verdadeiramente compelido a cumpri-la.”
A boa notícia é que há mais queixas, o que mostra que as pessoas estão mais informadas de que existe uma lei que as protege. “E quanto mais as pessoas conhecem, mas queixas apresentam”, diz também Jorge Silva, da direcção nacional da Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes.
No seu relatório, o INR dá como exemplo do trabalho de divulgação e sensibilização que tem feito “a disponibilização de um formulário de queixa online”.
O que suscita queixa?
Recusa ou limitação de acesso a escolas (ou a apoios adequados às necessidades específicas de alunos com deficiência), problemas no acesso a edifícios ou a locais abertos ao público, discriminação de trabalhadores deficientes por parte de empregadores, penalização (ou até recusa) na celebração de contratos de seguros, são apenas alguns exemplos do teor das queixas que chegaram a 37 entidades distintas.
A Entidade Reguladora da Saúde, por exemplo, reportou a existência de 46 relativas a potenciais violações do artigo da lei que proíbe a “recusa ou limitação de acesso aos cuidados de saúde prestados em estabelecimentos de saúde públicos ou privados”. Destes, 33 processos encontram-se ainda em análise pelos serviços e 13 foram concluídos depois de, diz o INR, se ter verificado que “as dificuldades sentidas pelos queixosos/reclamantes não estavam relacionadas com qualquer tipo de discriminação, mas com constrangimentos transversais a todo o sistema de saúde”.
A Inspecção-Geral da Educação, outro exemplo, reportou cinco queixas: uma deu origem a processo de contra-ordenação, que está em curso, as outras foram arquivadas por não se ter comprovado discriminação.
Mas a entidade a quem os cidadãos mais recorrem para se queixar é mesmo a Provedoria de Justiça (que tem uma Linha do Cidadão com Deficiência — 800 20 84 62). Em 2015, foram-lhe apresentadas 357 queixas (acessibilidades, segurança social, prémios desportivos, estacionamento de veículos, habitação, banca, fiscalidade, consumo, educação, saúde...). “Destas, 235 foram arquivadas por diversas razões, como por exemplo o seu encaminhamento [para outras entidades], a improcedência do pedido, a resolução da situação objecto de queixa ou a desistência do queixoso.”
Numa análise global, a violação da alínea “j” do artigo 4 da lei — que proíbe que “qualquer empresa, entidade, órgão, serviço, funcionário ou agente da administração directa ou indirecta do Estado [...] condicione ou limite a prática do exercício de qualquer direito” — é, tal como em anos anteriores, a que leva mais deficientes a reclamar junto das diferentes entidades: 55% das queixas estão relacionadas com isso. Por outro lado, prossegue o INR, registou-se “um aumento nas queixas relacionadas com a matéria da educação e da saúde” — 69 e 46, respectivamente.
Relativamente aos processos de anos anteriores a 2015, mas concluídos no decurso desse ano, as entidades competentes comunicaram a finalização de 55. Não há informação de que algum tenha resultado em multa.