Por que não se usam aviões e helicópteros para combater fogos na Madeira?
Especialista que coordenou a proposta do Plano Estratégico para o Dispositivo de Socorro da Madeira diz que meios aéreos não são eficazes na região. Mas a opinião não é consensual.
O uso dos meios aéreos no combate aos fogos florestais na Madeira não é eficaz e, por isso, face à escassez de recursos não se justifica o investimento avultado. Esta é, em resumo, a opinião de Luciano Lourenço, director do Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, que sustenta que a orografia da região, com vales fechados e desníveis grandes, e os ventos que se fazem sentir com frequência em situações de condições atmosféricas extremas, quase sempre associadas aos grandes incêndios, condicionam a actuação dos meios aéreos.
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O uso dos meios aéreos no combate aos fogos florestais na Madeira não é eficaz e, por isso, face à escassez de recursos não se justifica o investimento avultado. Esta é, em resumo, a opinião de Luciano Lourenço, director do Núcleo de Investigação Científica de Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, que sustenta que a orografia da região, com vales fechados e desníveis grandes, e os ventos que se fazem sentir com frequência em situações de condições atmosféricas extremas, quase sempre associadas aos grandes incêndios, condicionam a actuação dos meios aéreos.
Foi essa a posição que o especialista defendeu em Setembro de 2010 num parecer pedido por um serviço regional e repetiu ontem ao PÚBLICO. O coordenador da proposta técnica do Plano Estratégico para o Dispositivo de Socorro e Emergência da Madeira, lembra, por exemplo, que os grandes desníveis existentes na ilha e o facto dos meios aéreos serem obrigados a abastecer no mar ou junto dele compromete a sua eficácia. “Os meios aéreos têm que abastecer no mar ou em quotas baixas e depois subir até às partes altas, o que atrasa as operações”, precisa.
Mas o problema crucial, sustenta Luciano Lourenço, é o vento. “Com os ventos que vimos ontem não havia nenhum meio aéreo que conseguisse operar com segurança de forma a se aproximar o suficiente das chamas”, afirma o professor universitário, que lembra que o próprio aeroporto do Funchal esteve fechado várias vezes nos últimos dias. O investigador recorda que ao problema dos ventos, muitas vezes cruzados, se associam grandes quantidades de fumo, que retiram a visibilidade aos pilotos.
Governo pede parecer
A polémica sobre o uso dos meios aéreos reacendeu com o fogo do Funchal, uma situação que se repete cada vez que há grandes incêndios na região. Desta vez foi o presidente do PS-Madeira, Victor Freitas, a insistir na necessidade de meios aéreos na região para combater os incêndios, defendendo que o fogo "não tinha atingido estas proporções" se se "tivesse atacado o problema desde o início com meios aéreos". Confrontado com a questão, o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel Albuquerque, desvalorizou a crítica. Albuquerque disse que dos dois relatórios que leu, um apontava que a actuação dos meios aéreos seria "muito condicionada, devido à natureza dos ventos e dos vales" na ilha, enquanto outro "desaconselhava" este recurso, dada a "relação custo/benefício ser completamente desproporcionada". Ao fim da tarde, no entanto, anunciou que vai solicitar um parecer técnico sobre a viabilidade de utilizar meios aéreos no combate aos incêndios da região.
A questão, contudo, não é consensual. Tanto Hélder Spínola, professor de Educação Ambiental na Universidade da Madeira, como Fernando Curto, presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais, defendem que a região autónoma devia ter pelo menos um helicóptero polivalente que combatesse incêndios e pudesse igualmente transportar doentes ou fazer busca e salvamento. “A orografia da região não permite combater incêndios a determinadas altitudes com meio terrestres”, nota Fernando Curto, que defende o uso deste meio na primeira intervenção, na fase inicial do fogo.
Hélder Spínola concorda, mas tem a consciência que o meio aéreo “não é uma varinha mágica”. Mesmo assim acredita que podia fazer a diferença. “O problema maior no combate é a primeira intervenção devido às dificuldades de acesso”, diz. No entanto, entende que a chave do problema está na prevenção: “Não podemos ter zonas de habitação com grandes cargas de vegetação ao lado”.
Por um pacto de regime
Raimundo Quintal, investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e ex-vereador do Ambiente na câmara do Funchal, recusa-se a discutir esta questão “a quente” e insiste em colocar a tónica na prevenção. Acredita que só se quebrará o ciclo das violentas cheias no Inverno e dos grandes incêndios no Verão se se acabar com o matagal desordenado de eucaliptos, acácias e pinheiros na zona alta do Funchal, entra a quota dos 400 aos 800 metros de altitude. “Esta área deveria ser ocupada por prados verdejantes com zonas de pastoreio ordenadas e núcleos de árvores menos propícias aos fogos”, sugere. Diz, no entanto, que tal exige um pacto de regime, já que vai demorar tempo a concretizar.
Luciano Lourenço também insiste na importância de canalizar os recursos para a prevenção, lamentando que “roçar mato no meio da serra seja um trabalho invisível e pouco mediático”. O professor da Universidade de Coimbra alerta que os incêndios florestais não se resolvem com soluções tecnológicas, que apenas ajudam, lembrando que mais de 90% das ignições tem origem humana. “Resolve-se através da educação das pessoas e da prevenção. Mas isso exige um trabalho continuado e persistente, que também é invisível”. E é uma educação que não se fica pelo conhecimento, mas implica uma mudança de comportamentos, acrescenta Hélder Spínola.