Trabalho temporário contra bloqueio no envio de pessoal para o estrangeiro
Fundamentação utilizada pela Segurança Social para recusar autorizações foi chumbada por um tribunal, mas autoridades continuam a aplicá-la.
Há dezenas de portugueses a trabalhar no estrangeiro de forma considerada ilegal e a situação pode pôr em risco empregos e recebimento de valores contratados com empresas nacionais com entidades estrangeiras, apurou o PÚBLICO junto de várias fontes ligadas a esta situação. Na origem do problema está a decisão da Segurança Social (SS) de apreciar os pedidos de destacamento de trabalhadores, por parte de empresas de trabalho temporário, à luz de regulamentação comunitária, e não com base na legislação portuguesa.
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Há dezenas de portugueses a trabalhar no estrangeiro de forma considerada ilegal e a situação pode pôr em risco empregos e recebimento de valores contratados com empresas nacionais com entidades estrangeiras, apurou o PÚBLICO junto de várias fontes ligadas a esta situação. Na origem do problema está a decisão da Segurança Social (SS) de apreciar os pedidos de destacamento de trabalhadores, por parte de empresas de trabalho temporário, à luz de regulamentação comunitária, e não com base na legislação portuguesa.
O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, no âmbito de uma acção apresentada pela empresa de trabalho temporário TBS, anulou um recentemente despacho da SS (através do qual esta indeferiu 32 pedidos de destacamento), condenando-a “a proceder à apreciação dos requerimentos de sujeição à legislação nacional portuguesa de segurança social” apresentados pela empresa a cada um dos trabalhadores, de acordo com a sentença, a que o PÚBLICO teve acesso.
Na contestação da acção, a SS sustentou as decisões com base em regulamentação comunitária (regulamento nº 883/2004 e nº 987/2009) que visa sujeitar as pessoas que se deslocam no interior da Comunidade a um regime de segurança social de um único Estado-membro, “de modo a evitar a sobreposição das legislações nacionais aplicáveis e as compilações que daí possam resultar”. Alegou ainda a SS que a legislação nacional não se aplica nos casos em as empresas "estão a colocar trabalhadores em áreas distintas para a qual destaca trabalhadores”. Um argumento que o tribunal não acolheu.
Apesar da sentença, de 9 de Março, a SS continuava em Junho a indeferir pedidos de deslocação de trabalhadores com base no mesmo fundamento, o “não se verificar o exercício de actividade substancial em território nacional (25% do volume de negócios)” por parte das empresas colocadoras. O PÚBLICO teve acesso a despachos, com data de 20 de Junho, a comunicar o indeferimento por não se verificar o exercício de actividade relevante em território nacional.
Contactada pelo PÚBLICO, sobre os indeferimentos que se estão a verificar e sobre a sentença, fonte oficial da SS adiantou que os serviços, "depois da decisão do tribunal, estão a reapreciar os pedidos”, não ficando claro se apenas os relativos à TBS, já sem actividade, ou se a todos os que têm sido indeferidos com a mesma fundamentação. “Neste momento é tudo o que podemos tornar público, em função disso mesmo [da reapreciação] ”, acrescentou a fonte.
A exigência da SS dos 25% de actividade em Portugal terá começado nos últimos dois anos e abrange muitas empresas porque a falta de investimento no mercado interno levou-as a apostar na colocação de trabalhadores no estrangeiro, diminuindo o peso da actividade nacional, explicaram ao PÚBLICO responsáveis da Epalmo e da Globaltemp, duas empresas de trabalho temporário, com actividade na colocação de trabalhadores especializados, como montagens metalomecânicas, construção civil, e manutenção de grandes infra-estruturas.
Empresa avança com providência cautelar
O solicitação da SS para comprovação do peso da actividade nacional está a ser feita para cada pedido, o que significa que as empresas têm de fornecer valores contabilísticos mensais. No caso da Epalmo, até 2015 conseguiu cumprir aquela meta, mas este ano, tendo em conta a facturação dos primeiros quatro meses, deixou de preencher os requisitos.
A manutenção dos indeferimentos por parte da SS já levou uma empresa, a Epalmo, que era dona da TBS, a avançar com uma providência cautelar, que deve ser julgada nos próximos dias a pedir a suspensão das decisões de indeferimento de que tem sido alvo. Em declarações ao PÚBLICO, Rogério Santos, administrador da Epalmo, garante que “há empresas a encerrar, como foi o caso da TBS, há trabalhadores no estrangeiro em actividade sem a respectiva autorização e há recebimentos em risco”.
No caso da sua empresa, esta tem mais de 300 trabalhadores em França, alguns dos quais estão neste país há mais de 15 anos. Mais de uma dezena de trabalhadores estão neste momento sem autorização para continuarem a trabalhar, correndo o risco de terem de regressar, situação que é do conhecimento da inspecção de trabalho francesa.
A Epalmo tem mais de três milhões de euros para receber e teme dificuldades em garantir o cumprimento desses contratos e os respectivos recebimentos.
Em desespero, adianta Rogério Santos, há empresas a entregar em mão pedidos de destacamento de funcionários, para ficaram com um comprovativo de entrega, e com isso tentar ganhar algum tempo, mas isso não regulariza a situação dos trabalhadores.
Contactada pelo PÚBLICO, Vânia Palminha, directora-geral do grupo Globaltemp, confirmou os pedidos da SS para comprovação da actividade da empresa em Portugal. E, apesar do peso dos negócios no mercado nacional preencher os requisitos, diz temer que no futuro isso não venha a acontecer, prejudicando a actividade da empresa.
Destacando que a aposta no estrangeiro foi uma necessidade, esta responsável diz ter conhecimento de empresas do sector, para além da Epalmo, com pedidos indeferidos, o que as está a deixar apreensivas.
O PÚBLICO apurou que algumas empresas já pediram à Associação Portuguesa de Empresas de Trabalho Temporário para tentar, junto do Ministério da Segurança Social, alterar a situação. O PÚBLICO tentou contactar a direcção da associação, mas sem sucesso.