Com os Jogos Olímpicos, o Brasil descobre pela primeira vez o risco do terrorismo

O país não esperava ter de lidar com esta ameaça, mas o recente atentado em Nice fez aumentar a preocupação dos brasileiros.

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As forças de segurança brasileiras foram treinadas por franceses e norte-americanos Reuters

Osvaldo Romano comprou bilhetes para os Jogos Olímpicos quase um ano antes, com uma antecedência que alguns diriam pouco brasileira. E não foi um bilhete ou dois, mas duplos para ver ténis, vólei de praia, pólo aquático, esgrima, ténis de mesa, canoagem. “Nunca vi um duelo de esgrima na minha vida, comprei por causa da minha namorada”, explica o actor de 37 anos, rindo. “Comprei os ingressos antecipadamente achando que eles iam ficar mais caros e muito mais difíceis de serem encontrados.” Mas a frequência de ataques terroristas nos últimos tempos, em particular na França, e a inexperiência do Brasil em lidar com ameaças desse tipo, fizeram Osvaldo pôr os seus bilhetes à venda. “Por mais que a gente tenha violência, não estamos acostumados com essa história de terrorismo. O crime, você tem mais ou menos como se defender, tem como tomar medidas de precaução: não anda com o vidro aberto, não anda à noite sozinho… Mas nos Jogos Olímpicos você está assistindo a uma partida de ténis entre um francês e um inglês e pode simplesmente estourar uma bomba na arquibancada e morrer centenas de inocentes. Eu fiquei um pouco receoso com isso e resolvi, infelizmente, a contragosto, desistir das Olimpíadas.”

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Osvaldo Romano comprou bilhetes para os Jogos Olímpicos quase um ano antes, com uma antecedência que alguns diriam pouco brasileira. E não foi um bilhete ou dois, mas duplos para ver ténis, vólei de praia, pólo aquático, esgrima, ténis de mesa, canoagem. “Nunca vi um duelo de esgrima na minha vida, comprei por causa da minha namorada”, explica o actor de 37 anos, rindo. “Comprei os ingressos antecipadamente achando que eles iam ficar mais caros e muito mais difíceis de serem encontrados.” Mas a frequência de ataques terroristas nos últimos tempos, em particular na França, e a inexperiência do Brasil em lidar com ameaças desse tipo, fizeram Osvaldo pôr os seus bilhetes à venda. “Por mais que a gente tenha violência, não estamos acostumados com essa história de terrorismo. O crime, você tem mais ou menos como se defender, tem como tomar medidas de precaução: não anda com o vidro aberto, não anda à noite sozinho… Mas nos Jogos Olímpicos você está assistindo a uma partida de ténis entre um francês e um inglês e pode simplesmente estourar uma bomba na arquibancada e morrer centenas de inocentes. Eu fiquei um pouco receoso com isso e resolvi, infelizmente, a contragosto, desistir das Olimpíadas.”

O Brasil não esperava ter de lidar com a ameaça terrorista nos Jogos Olímpicos, como se confirma pela breve referência ao assunto no dossier de candidatura do Rio em 2009 - “O Brasil possui um dos mais baixos perfis de risco no mundo, e jamais sofreu um acto de terrorismo internacional”, lê-se. Mas ataques de “lobos solitários”, como o que ocorreu há menos de um mês em Nice, onde um homem avançou com um camião contra uma multidão que festejava o feriado nacional de 14 de Julho, matando 84 pessoas, intensificaram a preocupação dos brasileiros em relação à possibilidade de um ataque no Rio durante as Olimpíadas. “Temos uma cultura reactiva e não preventiva. Então, muitas pessoas acreditam em premissas falsas, do tipo: o Brasil é um país pacifico, o Brasil não está envolvido em nenhuma actividade bélica ou de inteligência nas regiões que estão conflagradas pelo terrorismo internacional, o Brasil está muito longe desse cenário, por isso temos menor chance de sermos alvo de uma acção terrorista. Mas isso é passado. Desde 2012, o terrorismo mudou de táctica, que passou a ser o recrutamento de autóctones em países ocidentais”, diz André Luís Woloszyn, especialista em contraterrorismo e analista de assuntos estratégicos.

Em Novembro do ano passado, logo após os atentados de Paris, o francês Maxime Hauchard, integrante do Estado Islâmico, anunciou no Twitter que o Brasil seria um dos próximos alvos.

A Agência Brasileira de Inteligência revelou há poucos meses que o número de adesões de brasileiros à ideologia do Estado Islâmico” estava a aumentar. Há apenas duas semanas, a polícia deteve dez brasileiros suspeitos de simpatizarem com grupos terroristas, uma acção criticada e ridicularizada por muitos brasileiros, que consideraram a medida exagerada tendo em conta que os homens eram “amadores”, nas palavras do ministro da Justiça brasileiro.

“Todo o grupo é amador até ao momento em que ele pratica um acto”, diz Woloszyn, defendendo a decisão das autoridades brasileiras. “Se estivéssemos numa situação normal, até se poderia considerar exagerado. Mas como estamos numa situação extraordinária, não poderíamos deixar que a ameaça se concretizasse.” A medida, diz, serviu “como um recado das forças de segurança para outros grupos que possam ter algum plano dessa natureza”.

Forças de segurança norte-americanas e francesas estão a trabalhar há meses no treino de forças brasileiras no sentido de identificar possíveis alvos de ações terroristas ou como lidar com ataques químicos ou biológicos. Durante os Jogos, o Rio terá 82 mil polícias e militares nas ruas, o dobro do contingente de segurança em Londres, há quatro anos. Mas o grau de confiança dos brasileiros nas suas instituições sofreu um novo rombo com a crise política que domina o país e o escândalo de corrupção da Lava-Jato. Numa recente sondagem do Instituto Datafolha, 57% defenderam que a segurança durante as Olimpíadas seria mais motivo de vergonha do que orgulho. Muitos brasileiros lembram que as forças de segurança brasileiras estão habituadas a lidar com violência urbana associada ao narcotráfico, mas não têm qualquer experiência em terrorismo. “Isso é verdade”, diz André Luís Woloszyn. “Mas estes atentados terroristas de pequena escala assemelham-se muito a algumas actividades das organizações criminosas no Brasil, como o PCC [Primeiro Comando da Capital] em São Paulo e Comando vermelho no Rio de Janeiro. Então, nesse sentido, nós temos know-how, sim.”