“O sector da construção não foi reformulado. Foi destruído”

António Mota, presidente da Mota Engil, diz que ainda este ano o México vai substituir Angola e passar a ser o país onde o grupo gera maior volume de negócios.

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António Mota, presidente da Mota Engil Fernando Veludo/NFactos

No ano em que assinala o 70º aniversário, a Mota Engil prepara-se para assistir a uma mudança de relevo na geografia dos seus resultados. Com o mercado doméstico a atravessar um “longo e drástico” ciclo negativo e o mercado histórico de Angola, onde o grupo está desde sempre, a enfrentar uma crise de preços das matérias-primas, a América Latina, uma aposta de menos de vinte anos, vai começar a dar resultados expressivos, com o México na linha da frente. Sobre os problemas que o preocupam enquanto presidente de uma empresa que está actualmente em 23 países, e que tem quase 26 mil colaboradores, elege dois: as debilidades do sistema financeiro português e o facto de não poder continuar a dizer aos mais de 1800 colaboradores que costumava convencer a ir trabalhar para fora que depois poderiam regressar dois ou três anos depois a Portugal. “Por aqui continua a não haver obras. O sector da construção não foi reestruturado, como precisava. Foi destruído”, afirma.

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No ano em que assinala o 70º aniversário, a Mota Engil prepara-se para assistir a uma mudança de relevo na geografia dos seus resultados. Com o mercado doméstico a atravessar um “longo e drástico” ciclo negativo e o mercado histórico de Angola, onde o grupo está desde sempre, a enfrentar uma crise de preços das matérias-primas, a América Latina, uma aposta de menos de vinte anos, vai começar a dar resultados expressivos, com o México na linha da frente. Sobre os problemas que o preocupam enquanto presidente de uma empresa que está actualmente em 23 países, e que tem quase 26 mil colaboradores, elege dois: as debilidades do sistema financeiro português e o facto de não poder continuar a dizer aos mais de 1800 colaboradores que costumava convencer a ir trabalhar para fora que depois poderiam regressar dois ou três anos depois a Portugal. “Por aqui continua a não haver obras. O sector da construção não foi reestruturado, como precisava. Foi destruído”, afirma.

Começa a sua mensagem no relatório e contas de 2015 a dizer que foi porventura o ano mais difícil no passado recente do grupo Mota Engil. O que irá dizer de 2016?
Que está a ser ainda mais difícil que 2015. E isso, não poderia adivinhar. Continuamos a ter a crise do preço das commodities [matérias-primas], que afecta drasticamente os países emergentes, onde estamos muito, a que se associa uma instabilidade na Europa e o grande problema que hoje as empresas atravessam, que é a crise do sector financeiro português. O sector financeiro não tem dimensão e capacidade para apoiar uma empresa da nossa dimensão. E nós nem somos um grande player. Somos uma empresa grande em Portugal. Mas ao nível da Europa somos médios, ao nível do mundo somos pequenos. É muito difícil trabalhar a partir de Portugal.

Como combatem essa dificuldade?
Temos tentado antecipar os problemas. A reorganização do grupo por regiões, criando a Mota Engil (ME) Europa, a ME América Latina e a ME África, tem a ver com a necessidade de o apoio financeiro ser obtido nos respectivos locais. E enquanto na América Latina as coisas estão a correr bem, em África ainda há alguns problemas e a Europa tem o problema do sistema financeiro português. Espero que seja só o sistema financeiro português, porque cheira-me que vêm aí mais problemas, e não só em Portugal.

Como está a acompanhar este processo das sanções, a multa zero, a ameaça de suspensão de fundos?
O projecto europeu era um projecto que valia a pena repensar. Mas tem de haver união, de facto. Um projecto a 27 países em que cada um puxa para o seu lado não é solução do futuro. Não quero dizer com isso que os alemães têm de pagar a factura dos portugueses. De duas umas, ou há integração europeia a sério, ou é melhor dar um passo atrás. E voltarmos a ter um acordo comercial. Para uma pessoa da minha idade, isto traz-me alguma admiração. Gosto mais da Europa com um Reino Unido lá dentro, do que fora.

Foi uma surpresa ter ganho o “Brexit”? A ME tinha planos para o Reino Unido. Vai alterá-los?
Não foi surpresa, porque muita gente amiga, em Londres, me avisava que isto ia acontecer. Os nossos projectos vão avançar na mesma. Nada daquilo que pensávamos em Inglaterra, partindo da Irlanda, deixará de ser feito. Se calhar vai ter mais tempo de maturação, mas o objectivo vai ser o mesmo. Sinceramente estou mais preocupado com os impactos que tem na Europa, do que no Reino Unido

E esta diminuição da importância de África, nomeadamente de Angola, onde estão há 70 anos, não o assusta também?Está muito difícil, mas não nos assusta. Soubemos adaptar-nos a todas as situações, saberemos adaptarmo-nos a esta. Com a vantagem de Angola hoje representar menos de 40% dos nossos negócios em África e não os 80% que já representou. Mas Angola é um país do futuro e a África é um continente com um potencial enorme. É necessário que a Europa não perca a noção de que África é importante. Porque o crescimento vai dar-se ali. É ali que estão as matérias-primas. E é ali que é necessário dar condições às populações locais, para que os ciclos migratórios atenuem e não aumentem. E é necessário que Portugal olhe para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Acho que este Governo vai tentar melhorar esse relacionamento.

Por que diz isso?
Porque acho que houve alguma estagnação no último Governo no relacionamento de Portugal com os PALOP. Não sei por quê, mas houve. As linhas de apoios à internacionalização das empresas foram bloqueadas, esperamos que este Governo reveja esta situação. Há muitos trabalhadores portugueses a trabalhar naqueles países e é preciso conseguir mantê-los lá.

Com as crises na Europa e em África, estão com resultados fortes na América Latina, onde em 2015 cresceram 30%. Com um quarto das empresas que detém na Europa, a ME facturou o dobro, quase dois mil milhões. Quais são as perspectivas para esta região?
Estou convencido de que a América Latina vai ser o maior mercado do grupo, se calhar já no final deste ano. No próximo ano, será com toda a certeza. E já provavelmente este ano de 2016, e seguramente no ano de 2017, o México vai ser o país onde o volume de negócios da ME será maior, ultrapassando Angola.

O México vai substituir Angola?
Vou ser imodesto. Não fomos para a América Latina porque nos lembrámos, foi uma aposta muito ponderada e estudada. E fizemo-lo a tempo, de modo a não termos um decréscimo relevante ao nível da facturação, apesar da crise em África e apesar de não haver retoma na Europa. E no futuro deveremos também conseguir melhorar as taxas de rentabilidade na América Latina. Não são, nem nunca serão, iguais às de África. Mas são melhores do que as da Europa, por isso é possível fazer um equilíbrio razoável.

Quando começou a verdadeira aposta na América Latina?
No Peru estamos já há 18 anos. Mas quando pensámos em apostar a sério na América Latina, fizemos como todos e começámos, naturalmente, pelo Brasil. E demorou muito tempo. É muito difícil entrar no Brasil. Depois apareceram mercados alternativos, na Colômbia e principalmente no México. Ao México chegámos em 2007, na altura da entrada do dr. Jorge Coelho.

Depois de contratar um ex-ministro socialista, foi contratar um ex-ministro do CDS. Contratar Paulo Portas é uma boa estratégia?
O dr. Paulo Portas é um excelente quadro para qualquer empresa. É um homem que conhece o mundo, é muito trabalhador e muito inteligente. Tem uma noção dos problemas que os portugueses enfrentam no estrangeiro e das suas necessidades. Fico admirado com as críticas que nos são endereçadas, porque deveria ser ao contrário, e as pessoas deveriam perguntar-se porque é que não há por parte das empresas um maior aproveitamento destes activos.

Qual é o papel do ex-embaixador Seixas da Costa na ME?
Pertence ao conselho estratégico do grupo e é membro não executivo da ME África. É um homem de uma cultura enorme, conhece bem o sector. África necessita de apoio das instituições multilaterais para se poder financiar. Quem melhor que pessoas como Seixas da Costa e Paulo Portas, que conhecem essas entidades como ninguém, para trabalhar connosco? Eu nunca ando à procura na esquerda ou na direita. Ando à procura dos bons quadros. E até hoje não me enganei em nenhum. 

No México tornaram-se o primeiro operador privado no sector eléctrico, depois de um pouco comum acordo com o sindicato mexicano dos electricistas. Como está a correr?
Não é comum, mas convém lembrar que em 1979 constituímos uma empresa mista com o Estado angolano que, na altura, era ortodoxo comunista. Nós temos essa característica, que é uma vantagem: somos um grupo de origem portuguesa que chegado a cada país se esforça por ser, e por se comportar, como uma empresa nacional.

Enquanto dão os primeiros passos numa área, vão abandonando outras? Porque venderam a Tertir?
Dormi mal durante vários dias. Nunca tinha vendido nada na vida. O negócio era de tal maneira atractivo, que era impossível dizer não. Mas custou-me muito. Só passou quando me mentalizei que não estava a vender, mas sim a trocar: vendo a logística porque estou a comprar os resíduos. Se fiz bom negócio ou não, o tempo o dirá. Por agora, o que posso fazer é olhar para a América Latina e pensar que não há tantos portos quanto isso para construir e que nós poderíamos ser um operador portuário relevante em Portugal, mas não éramos a nível mundial. Já no sector dos resíduos, e agora que sou accionista maioritário de uma empresa como a Valorsul, se pensar nas necessidades que tem o México na gestão de resíduos, já vejo grande potencial. E nós, no México, até já temos licença de operação no sector energético.

A venda da Tertir foi só uma questão de oportunidade? Não foi uma necessidade por causa da exposição ao Novo Banco?
Não, neste caso. Foram os turcos que nos apareceram com uma proposta, praticamente irrecusável. Não solicitámos nada. Nas concessões, isso é mais verdade. Por um lado,  sempre achámos que na altura em que as concessões atingissem maturidade poderíamos pensar em alienar uma parte importante, porque a nossa vocação não é explorar a concessão. Segundo, o Novo Banco é nosso parceiro e tinha de fazer a alienação. Terceiro, conhecendo as condicionantes financeiras impostas à banca nacional e internacional, e que impedem que continuem os níveis de dívida sem recurso naquele sector, tivemos de avançar. Vamos concretizar a alienação da Ascendi até ao final do ano.

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Fernando Veludo/NFactos

Como se resolve este problema da fragilidade do sistema financeiro?
Tem de haver bancos que tenham como primeira prioridade apoiar as empresas portuguesas, quer as pequenas e médias, que têm muita razão de queixa, quer as grandes. Se a banca portuguesa não se reforçar, se não houver uma simbiose entre a banca pública, a banca espanhola e a banca de outras origens, vamos continuar a ter tudo muito complicado.

Porque está a meter a banca espanhola ao barulho?
Não nos dizem que a banca espanhola é excelente? A verdade é que a prioridade deles tem sido apoiar as empresas espanholas e não as portuguesas Eles também tiveram problemas, mas pelo menos parecem ter sido tratados a tempo. Já em Portugal, e se me perguntar quais são as duas maiores dificuldades que enfrento, tenho de pôr a fragilidade do sistema financeiro logo à cabeça.

Qual é a segunda?
São os meus colaboradores. Penso nos quase 1800 portugueses que trabalham na ME, mas fora de Portugal. E a quem normalmente prometi que iriam, por exemplo, três anos para Angola e depois poderiam regressar a Portugal. Agora tenho de lhes dizer, “vais três anos e depois logo se vê”. Aqui não há nada.

Não estava a contar com um ciclo de crise tão longo?
Nem tão longo, nem tão drástico. Costumamos dizer, com bom humor, que há uma coisa boa nesta crise: já não há atrasos nos pagamentos. Porque não pode haver atrasos onde não há facturas. Agora a sério: o sector da construção precisava de ser reformulado. Mas o que fizeram foi destrui-lo. Nós somos muito competitivos nos sapatos, nos têxteis. Mas também éramos na construção e destruíram-nos. É difícil, mas ainda há muito para fazer. É preciso avançar.

Para onde?
Para a ferrovia, para a reabilitação. Há muita falta de trabalho para as empresas todas e uma empresa com a estrutura da ME tem alguma dificuldade em ser competitiva no mercado da reabilitação. Vamos organizar-nos para sermos mais exigentes.

Hoje todos os sectores têm um programa 2020, metas para daqui a quatro anos. Qual é o vosso?
Temos a obrigação de continuar a crescer, de ser mais rentáveis e eficientes. Queremos aproveitar as oportunidades que África nos vai dar oura vez, consolidar a América Latina e continuar a promover a passagem para a terceira geração da família Mota dentro do grupo. Sem que eu me vá embora, porque sou muito novo para me ir embora.

Quando é essa passagem?
Já se está a passar. O Gonçalo Moura Martins é o presidente e, na comissão executiva de sete elementos, há três que pertencem à família. Eu gostaria que a ME continuasse familiar. Mas tem de se adaptar ao mercado em que está. Se for preciso fazer aumentos de capital no futuro estamos disponíveis para isso. Não é preciso ter 63% para controlar uma empresa. O meu 2020 é continuar a crescer, a ganhar dinheiro e manter um grupo coeso e com orientação familiar. O 2020 da empresa é começar a pensar já no horizonte de 2025. E é isso que já está a fazer. O novo plano estratégico será apresentado em breve.