A Caixa “é de confiança”, mas a comissão de inquérito anda exaltada
Darth Vader terminou uma querela entre PS e PSD. Pelo meio, um subtil debate sobre a diferença entre “desvio” e “buraco”. "Senhores deputados", advertiu Matos Correia dezenas de vezes. Venham as férias.
Matos Correia, o deputado do PSD que preside à comissão, teve uma missão difícil, durante a audição desta sexta-feira ao ministro das Finanças, Mário Centeno. A comissão de inquérito às necessidade de capital da Caixa Geral de Depósitos está a dar os primeiros passos, mas já regista alguns sinais de que não será fácil, como deseja o presidente, manter o “nível de conflitualidade dentro dos limites”.
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Matos Correia, o deputado do PSD que preside à comissão, teve uma missão difícil, durante a audição desta sexta-feira ao ministro das Finanças, Mário Centeno. A comissão de inquérito às necessidade de capital da Caixa Geral de Depósitos está a dar os primeiros passos, mas já regista alguns sinais de que não será fácil, como deseja o presidente, manter o “nível de conflitualidade dentro dos limites”.
Até que alguém telefonou à deputada Inês Domingos, do PSD. Os acordes da Marcha Imperial, que servem de ilustração musical para o vilão Darth Vader no filme A Guerra das Estrelas irromperam pela sala 6 das comissões, são o som de chamada no telemóvel da deputada, e ouvem-se no preciso momento em que se iniciava mais uma querela entre o PS e o PSD, com o ministro Mário Centeno pelo meio. As caras fechadas, os cenhos franzidos e o sarcasmo deram lugar ao alívio cómico possível. “Senhora deputada não se incomode, há males que vêm por bem”, assegurou Matos Correia, o já desgastado presidente da comissão, que repetiu dezenas de vezes a advertência "senhores deputados", em tom de voz crescente.
O ministro chegou ao Parlamento pouco depois das 16h30. É o terceiro depoente neste novo inquérito parlamentar aos problemas bancários. Ainda esta quinta-feira terminara o do Banif – e não foi pacífico... – e já o da Caixa herda os mesmos tiques daquilo a que os políticos portugueses costumam chamar “chicana”.
Mário Centeno começou por fazer uma intervenção inicial aos deputados. "O Governo não alimentará incertezas e ruídos", garantiu , e "tomará as medidas necessárias”. "A Caixa é uma instituição de confiança", assegurou Centeno.
De seguida, o ministro procurou esclarecer a polémica sobre o “desvio” nas contas da Caixa, explicando que o valor avançado de 3000 milhões de euros não é um “buraco” mas sim a diferença entre uma estimativa e o resultado do exercício. “Por análise da diferença entre o resultado operacional previsto inicialmente e o esperado para o final do plano de restruturação em 2017, a perspectiva é de uma diferença de cerca de 3000 milhões de euros. Foi a este desvio que me referi. É uma diferença entre um plano e a sua execução. E é assim que deve ser entendido e interpretado.”
Aqui, a comissão demorou-se um pouco na subtil distinção entre “desvio” e “buraco”. João Almeida, do CDS, acusou o ministro de ser “irresponsável”. Porque, argumentou o deputado, o desvio de que fala Centeno não é uma diferença entre a previsão e a execução, “é entre a previsão e outra previsão que o senhor faz”. “Um desvio não é um buraco. É a diferença entre uma previsão e a sua execução”, repetiu o ministro. “É falso”, retorquiu o deputado. “Diga qual é o desvio efectivo.” “Estou certo que esta comissão irá chegar à resposta que está a pedir”, assegurou Centeno.
A julgar pela amostra, a comissão terá muitas dificuldades para obter respostas. “Pode assegurar que a Caixa tem condições para assegurar depósitos e rácios de solvabilidade?” Foi com esta pergunta que Hugo Soares do PSD iniciou a sua inquirição. Por três vezes. “Quem tem de fazer essa avaliação é o supervisor”, repetiu o ministro, também por três vezes. À quarta vez, Centeno garantiu: “A Caixa cumpre os rácios de capital.” “Obrigado, senhor ministro. Depois de nos últimos meses se ter comportado como um elefante na loja de porcelana, desculpe a franqueza, acaba agora de dar razão a esta comissão de inquérito”, elogiou, sarcasticamente, o deputado do PSD.
De seguida, mais do mesmo. Hugo Soares repetiu por três vezes a mesma pergunta, e Centeno a mesma resposta. “Quem elaborava as previsões macroeconómicas do Banco de Portugal que estiveram na base do plano de negócios?” “O Banco de Portugal”, respondeu Centeno, acrescentando que não havia “previsões assinadas”, mas antes documentos do Banco de Portugal. A pergunta tinha água no bico: Centeno era, em 2012, director-adjunto do departamento de estudos económicos do Banco de Portugal. A pergunta e a resposta deram origem a novo burburinho. Matos Correia, ríspido, garantiu que não voltaria a advertir os deputados para a necessidade de deixarem ouvir as perguntas e respostas.
Depois foi a vez de Hugo Soares acusar o ministro de mentir, por antecipação. A pergunta do deputado era sobre quem paga a assessoria que está, alegadamente, a ser prestada à futura administração da Caixa. O ministro garantiu que não é o Estado nem a Caixa. “Isso deixa-me muito preocupado”, afirmou Hugo Soares. “Estão portanto a trabalhar pro bono... Mas vamos querer saber no futuro quem pagou. E se o senhor ministro ou a Caixa pagarem, sem ter sido contratado, o senhor ministro hoje está aqui a mentir nesta comissão de inquérito e nós não vamos deixar passar outra vez essa questão em claro”, acusou o deputado do PSD.
Centeno franziu os olhos e esboçou um sorriso. O deputado do PSD continuou, perguntando qual o valor real de recapitalização necessário para o banco público. “Esse montante não está apurado”, respondeu Centeno, assegurando que será a nova administração a avançar com um valor, após uma auditoria.
Pelo meio, Centeno assegurou que a decisão de substituir a gestão da Caixa deveu-se à necessidade de “implementar um novo plano de negócios”, bem como aos relatórios de supervisão sobre os “maiores problemas identificados na Caixa”.
Em resposta ao deputado do BE, Moisés Ferreira, Mário Centeno garantiu que “o tópico Caixa Geral de Depósitos” não era de especial “prioridade” quando se deu a transição de pastas entre o anterior e o actual Governo. “Havia outras urgências, mais urgentes, passe a redundância”, garantiu o ministro, referindo-se, sem os nomear, aos problemas do Banif e ao impasse sobre a venda do Novo Banco.
“Agora vemos o PSD e o CDS a querer encomendar auditorias à Caixa, mas quando foram Governo e tinham informação privilegiada, afinal parece que não tinham tanto interesse em saber o que se passava...”, criticou o deputado do BE, dando origem aos primeiros apartes dos deputados do PSD e do CDS.
Miguel Tiago, do PCP, também experimentou dificuldades com as suas perguntas. Questionou o ministro sobre o “peso dos resgates de outros bancos” nas contas da Caixa. “Eu não tenho informação de qualidade para lhe transmitir. Enquanto accionista não tenho essa informação”, respondeu Mário Centeno. “Há perdas na Caixa resultantes de compromissos com outros bancos? O Banif devia dinheiro à Caixa? O BES devia dinheiro à Caixa?”, insistiu Miguel Tiago. “Eu não tenho essa informação...”, repetiu o ministro. “Sendo o Ministério das Finanças o garante máximo do sistema financeiro é, no mínimo, preocupante que não saiba”, criticou o deputado do PCP.
Antes o ministro garantira: “Tudo faremos para que a posição da Caixa Geral de Depósitos se reforce, tomando, para isso, as medidas que são necessárias, plenamente cientes da responsabilidade adicional do Governo enquanto accionista.”
Centeno passou então a explicar as alterações ao regime salarial dos gestores do banco público. “Na verdade, até agora, em principio os salários estavam limitados pelo salário do primeiro-ministro. Mas, no entanto, permitia-se que os gestores auferissem um vencimento igual à média dos três anos anteriores. Mas todos os actuais administradores da CGD optaram por esta alternativa. Assim, dificilmente se pode considerar que existia um teto salarial.”
No final da sua intervenção, Mário Centeno assumiu vários compromissos, com os trabalhadores e com a viabilidade do banco, e reforçou a ideia de que o Governo quer “manter a CGD como banco público, 100% do Estado”. E imediatamente antes de começar a responder às perguntas dos deputados, deixou-lhes um aviso: “A CGD é a maior instituição bancária do sistema financeiro português. Ela é depositária de 1/3 das poupanças dos portugueses e presta serviço a mais de 4 milhões de clientes. Estou seguro de que os trabalhos desta comissão terão em conta a importância e credibilidade desta instituição para o sistema financeiro, para a economia e para Portugal.”
Foi por este ponto que pegou João Galamba, do PS, na sua intervenção. “Constatamos que o partido proponente desta comissão”, ou seja o PSD, “está mais interessado em especular com base em notícias de jornal”, começou por criticar o deputado. Nesta altura, quando o o deputado socialista perguntava ao ministro se os “CoCos caem do céu” (o que foneticamente parece verdade, se atendermos à queda dos frutos do coqueiro), tocou o telemóvel da deputada do PSD.