Sem medo de se chamar Prokofiev

Gabriel Prokofiev está esta sexta-feira à Casa da Música para a estreia de um novo concerto seu para gira-discos e orquestra. Fomos conhecer o neto de Prokofiev e saber como se faz scratch com uma orquestra inteira, pondo um DJ a dialogar com a Sinfónica do Porto.

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Gabriel Prokofiev não tem este nome por acaso – ele é neto de Serguei Prokofiev, um dos grandes compositores do século XX. No Ano Rússia da Casa da Música, com vários concertos dedicados à música russa e soviética, esta relação familiar foi pretexto para um concerto que se realiza esta sexta-feira às 21h e que junta música do avô e do neto. Fomos falar com Gabriel, e nem se sente o peso do nome do avô. Ele nasceu em Inglaterra, e à primeira vista é apenas um jovem londrino dos nossos tempos. Este Prokofiev também é compositor de música "clássica", sim, mas cresceu a fazer canções pop e depois a curtir o som dos clubes nocturnos de Londres dos anos 90.

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Gabriel Prokofiev não tem este nome por acaso – ele é neto de Serguei Prokofiev, um dos grandes compositores do século XX. No Ano Rússia da Casa da Música, com vários concertos dedicados à música russa e soviética, esta relação familiar foi pretexto para um concerto que se realiza esta sexta-feira às 21h e que junta música do avô e do neto. Fomos falar com Gabriel, e nem se sente o peso do nome do avô. Ele nasceu em Inglaterra, e à primeira vista é apenas um jovem londrino dos nossos tempos. Este Prokofiev também é compositor de música "clássica", sim, mas cresceu a fazer canções pop e depois a curtir o som dos clubes nocturnos de Londres dos anos 90.

No Porto, num dos primeiros ensaios com a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música, ele está agitado, com o seu computador portátil na mão, a ouvir os músicos e o maestro norueguês Baldur Brönnimann a perscrutar a partitura complexa da Segunda sinfonia do seu avô. Uma obra modernista dos anos 20, sonoramente violenta e feita de "ferro e aço", sobre a qual Serguei Prokofiev terá dito que nem ele próprio a entendia bem. Atenção, que vem aí um crescendo rápido e um pianissimo súbito, daqueles para os quais é preciso coragem. E a orquestra repete até conseguir o pianissimo. Mas o frenesi do neto Prokofiev aumenta quando a orquestra começa a ensaiar as suas obras. Primeiro, dois andamentos do seu Concerto para bombo e orquestra, já interpretado antes integralmente na Casa da Música. 

O bombo pode parecer à primeira vista um instrumento limitado, mas na verdade o compositor procurou mostrar o contrário, revelando-o como "um instrumento com uma gama considerável de possibilidades sonoras – e a partir do momento em que se inicia a experimentação, muitos mais sons vão emergindo", com baquetas diferentes, locais de percussão inesperados (parafusos, estruturas metálicas do bombo) ou abafando o instrumento de diferentes formas. Enquanto o percussionista Nuno Simões e a orquestra ensaiam este invulgar concerto em que o bombo é solista, Prokofiev intervém no ensaio de vez em quando, com indicações dinâmicas ou respondendo a questões do maestro.

Um novo virtuosismo

Mas algo estranho se está a passar ao mesmo tempo. Em cima do palco, ainda durante esta parte do ensaio, já lá está um outro rapaz, de calções e headphones, a experimentar silenciosamente as suas máquinas, para não perder tempo. É Mr Switch, o DJ que interpreta a estreia absoluta do concerto de Gabriel Prokofiev para gira-discos e orquestra.

Uma encomenda surgida na Casa da Música, e começada há dois anos por iniciativa do seu director artístico: "O António Jorge Pacheco, da Casa da Música, tinha ouvido o meu primeiro concerto para gira-discos e sugeriu que eu fizesse um segundo. A princípio duvidei. O primeiro tinha tido muito sucesso junto do público e das orquestras, com 19 orquestras diferentes e sete DJ diferentes a interpretá-la. Foi tocada mais de 30 vezes. O Anthony (Mr Switch) também fez uma tournée com partes do último andamento."

Mas as dúvidas dissiparam-se quando ouviu a orquestra da Casa da Música, e Gabriel decidiu mesmo compor um segundo concerto, aceitando o desafio: "Gosto muito de gira-discos, um instrumento muito expressivo da cultura moderna, e decidi agarrar a oportunidade e escrever um segundo." O maestro residente da norueguesa Filarmónica de Bergen também gostou da ideia e o projecto passou a ser uma co-encomenda, agora pronta a estrear-se.

Mas ainda há muitos detalhes a acertar. O ensaio prossegue com o jovem Mr Switch, aliás, Anthony Culverwell, saltitando em torno dos seus pratos, e interagindo com a orquestra. Ele é um dos DJ mais bem sucedidos do Reino Unido – reconhecido pela sua versatilidade e capacidade de animar a pista de dança com a sua habilidade no scratch.

Mr Switch tem apenas 27 anos, mas construiu já uma grande reputação no circuito mundial de DJ, ganhando o título de DMC World Champion em 2014, a competição de DJ mais longa do mundo. Recebeu o quarto título mundial, seguido da vitória na Battle for World Supremacy durante três anos consecutivos.

Sob o nome anterior de DJ Switch, Anthony tocou a solo o Concerto para turntables de Gabriel Prokofiev com a National Youth Orchestra em 2011, tornando-se no primeiro DJ da história a tocar nos Proms da BBC, o maior festival de música clássica do Reino Unido. Gabriel Prokofiev considera-o um virtuoso dos tempos modernos: "Ele consegue ser virtuoso de um modo que a electrónica muitas vezes não tem no espectáculo ao vivo." Para o compositor, o gira-discos tem a vantagem de manter a "vivacidade da performance", pois vemos as mãos do músico e as suas habilidades como num concerto para piano de um virtuoso. Gabriel Prokofiev explica-nos que concebeu o concerto de certa forma ainda ligado a uma ideia clássica de concerto para solista e orquestra: "O modelo é o do concerto clássico, mas tem qualidades que o fazem diferentes. De certa forma é uma descontrução do conceito de concerto clássico." Como no concerto clássico, solista e orquestra confrontam-se "em pé de igualdade". Prokofiev crê que a melhor comparação é com o  concerto para piano e orquestra, "pela força e variedade expressiva do piano". Fala-nos de Chopin, de Liszt e daqueles que estavam a transformar o piano à medida que o tocavam e para ele compunham no século XIX.

A diferença é que, enquanto no concerto clássico o piano e a orquestra partilhavam temas e desenvolviam-nos, aqui, com um gira-discos, "o DJ pode tirar o tema da orquestra e manipulá-lo. Pode invertê-lo, filtrá-lo, quebrá-lo ritmicamente ou fazer scratch. Pode dissecar os elementos da orquestra e tirar e usar todos os sons dela, ou seja, há uma ligação sónica e temática". Ao mesmo tempo, interessa particularmente a Gabriel Prokofiev "ligar os dois mundos", o da tradição clássica e o da cultura contemporânea com os seus novos instrumentos.

Um concerto para gira-discos

Prokofiev entusiasma-se a conversar connosco, depois do ensaio, sobre as possibilidades técnicas e expressivas do turntablism, uma actividade muito codificada mas em constante evolução, que seria arriscado traduzir por "gira-disquismo". Para o compositor, "o gira-discos tem uma natureza rebelde na sua raiz", e ele quer pegar também por essa ponta. "Os gira-discos evoluíram através do erro", explica-nos Prokofiev, referindo alguns dos precursores destas técnicas de manipulação de discos e agulhas.

John Cage escreveu em 1939 Imaginary Landscape n.º 1 em que usa dois gira-discos. Mais tarde, em Cartridge Music (1960), Cage desenvolveu técnicas usando agulhas de gira-discos. Depois veio Christian Marclay fazer loucuras como partir três discos e voltar a colá-los "às fatias" para criar colagens sonoras, uma figura que Prokofiev admira como criador de sound art com gira-discos.

Nos anos 70 banalizou-se o uso do gira-discos como instrumento musical, quando os DJ (Grand Wizard Theodore, Grand Master Flash, entre outros) inventaram o scratching no Bronx, em Nova Iorque, e deram início ao movimento do turntablism. No concerto de Gabriel Prokofiev, o DJ faz, por exemplo, needle percussion (literalmente, "percussão de agulha"), que consiste em bater na agulha do gira-discos e usá-la como uma percussão – uma das muitas técnicas que foram desenvolvidas entre as pistas de dança, o hip-hop e os combates e concursos de turntablism.

Quebrando as regras, portanto, mas, ao mesmo tempo, integrando-se nas narrativas e nas formas do concerto clássico. Prokofiev, neto, assume e desafia os cânones da tradição clássica ocidental. Contradição? Talvez não haja contradição em ser neo-clássico e adepto do "moderno"... Neste aspecto, não está tão longe afinal do seu avô...

A night continua

Prokofiev não vai descansar na noite de hoje. Depois do concerto, no bar da Casa da Música, Prokofiev muda de nome para DJ Prokofiev e faz uma sessão que inclui o seu duo para violinos, seguido de um DJ set com o compositor a abrir o som da pista e, depois, com DJ Switch em freestyle. Gabriel Prokofiev, nascido em 1975, cruza a sua cultura "erudita" com o caldo cultural em que cresceu, da pop e da música de dança dos anos 90. Em 2003 criou uma editora discográfica, a Nonclassical (o nome diz muito) e um clube nocturno em Inglaterra. Pelo meio foi escrevendo quartetos de cordas, concertos para violoncelo... "Não gosto de ver concertos vazios, para públicos muito seleccionados, e a música contemporânea é muitas vezes apenas para um nicho." Interessa-lhe portanto "um público mais vasto": "Muitos aceitam que é assim e que os concertos são para poucos, mas não acho que seja uma boa atitude." Para Gabriel Prokofiev, "os clássicos não podem ficar no académico e distanciados disso. A música clássica não é para depois da morte. Tem de fazer parte da sociedade para maturar e florescer". "Para além de que isso não seria justo para com o público." Gabriel cresceu musicalmente nos anos 90, uma altura em que diz ter percebido que "muita gente tem ouvidos mais sofisticados do que julgamos". Foi desta ideia que nasceu o projecto da Nonclassical e do seu night club londrino: "A música deve ser relevante para os jovens, mesmo aqueles que não têm hábito de ir a concertos. No século XX criaram-se artificialmente barreiras em relação à cultura popular para proteger a 'alta cultura', mas eu estou mais de acordo com o Duke Ellington, que dizia que há música boa e música má, e pouco importa se é alta ou baixa. Interessa-me o diálogo e não a separação. O gira-discos e o deejaying é um modo de ligar a cultura contemporânea. Mais do que fazer hip-hop, ou integrar o hip-hop nas minhas composições, interessam-me ligações orgânicas com os meios da cultura popular. E o gira-discos é um fenómeno que permitia a expressão de quem não tinha muito dinheiro – uma evolução cultural poderosa." Sobre o programa ser feito a meias com a música do seu avô Gabriel diz: "Não é a primeira vez que se junta a minha música com a do meu avô, mas felizmente nunca tentaram comparar. Eu nasci 80 anos depois – há um grande gap entre ele e eu." E confessa: "[Quando era novo,] tinha medo de me dedicar à música clássica, mas depois venci isto e posso simplesmente esquecer quem sou." Resolveu a questão compondo música clássica que quer dialogar com a cultura popular e com o grande público. Agora já não separa as suas facetas, nem tem medo de se chamar Prokofiev.