Retoma das exportações em Portugal teve pouco que ver com a troika
Exame encomendado pelo FMI conclui que o sucesso do programa da troika em Portugal “está fortemente em dúvida”, alertando para falta de atenção à banca e lamentando ausência de reestruturação da dívida.
O ritmo forte de crescimento das exportações em Portugal registado nos últimos anos, que muitas vezes foi apresentado como um dos resultados da aplicação das reformas estruturais previstas no programa de ajustamento da troika no país, não foi afinal mais do que um regresso à tendência de longo prazo deste indicador e poderia ter ocorrido mesmo sem a aplicação dessas políticas, defende uma avaliação independente encomendada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) às intervenções realizadas durante a crise do euro.
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O ritmo forte de crescimento das exportações em Portugal registado nos últimos anos, que muitas vezes foi apresentado como um dos resultados da aplicação das reformas estruturais previstas no programa de ajustamento da troika no país, não foi afinal mais do que um regresso à tendência de longo prazo deste indicador e poderia ter ocorrido mesmo sem a aplicação dessas políticas, defende uma avaliação independente encomendada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) às intervenções realizadas durante a crise do euro.
O exame à acção do FMI no âmbito dos programa da troika na Grécia, Irlanda e Portugal foi realizado pelo Gabinete Independente de Avaliação da instituição e tornado público nesta quinta-feira. Na secção dedicada especificamente a Portugal – preparada pelos economistas Martin Eichenbaum, Sérgio Rebelo e Carlos de Resende – os autores colocam sérias dúvidas sobre o sucesso do programa da troika no país.
Um dos motivos principais para estas dúvidas está no facto de os autores concluírem que a sustentabilidade das contas externas e públicas em Portugal mantém-se, após a aplicação do programa, numa situação de grande fragilidade, encontrando-se motivos para pensar que a melhoria registada na balança externa do país possa não ser duradoura.
Ao analisar as exportações, os autores questionam-se se a recuperação registada a partir de 2011 se deveu às reformas estruturais verificadas ou se, por outro lado, decorreu da resposta das empresas à quebra da procura interna e foi um simples regresso à tendência de longo prazo após a queda abrupta que se tinha registado em 2009, no auge da crise financeira internacional.
O relatório observa que a redução dos custos unitários de trabalho (que poderia resultar em mais competitividade) foi bastante modesta, pelo que “parece mais provável que a força nas exportações reflectia a resposta das empresas à queda da procura interna, em vez de corresponder a efeitos de curto prazo das reformas estruturais”. E conclui ainda que “a maior parte do aumento pós-2010 nas exportações reflecte um regresso à tendência”.
Este é um dos factos determinantes para que os autores apontem para a existência de fragilidades na sustentabilidade das contas externas do país, preocupações que se estendem também às finanças públicas, dois problemas que são vistos como os mais importantes para medir o sucesso do programa da troika em Portugal.
“Defendemos que a sustentabilidade da dívida pública e da balança líquida face ao exterior é muito frágil, deixando o sucesso do programa fortemente em dúvida”, afirma o relatório.
Noutros três critérios usados para avaliar o sucesso do programa, as notas dadas variam. O resultado mais positivo identificado foi a capacidade do país para recuperar o acesso aos mercados. “Aqui o programa foi claramente um sucesso”, dizem os autores, embora assumindo que “não é evidente” até que ponto este resultado não foi principalmente uma consequência do programa ou antes da política do BCE.
Depois, há uma outra avaliação positiva, embora com reticências, na capacidade de execução do programa. As reticências devem-se à não aplicação da redução da TSU, ao não cumprimento de diversas metas orçamentais e à aplicação “incompleta” das reformas estruturais. Os autores referem que o plano de reformas era tão vasto e os meios da administração pública reduzidos, o que pode ter resultado numa aplicação de reformas mais no papel do que no terreno.
No último critério, o da fiabilidade das previsões económicas feitas, a avaliação é claramente negativa. Os erros na projecção dos efeitos recessivos das medidas de austeridade foram, aliás, reconhecidos pelo FMI ainda durante a aplicação do programa. Nesta avaliação, explica-se que o multiplicador orçamental (o efeito que uma variação no défice tem no PIB) usado inicialmente foi de 0,5 pontos, tendo depois sido corrigido para 0,8 pontos. Os autores consideram que um valor ainda mais elevado deveria ter sido usado.
Os autores são igualmente da opinião, também já assumida em parte pelo próprio FMI, que uma reestruturação da dívida logo no arranque do programa teria sido a única forma de evitar uma recessão prolongada no país.
Noutro documento incluído na avaliação independente agora realizada, faz-se a análise aos resultados do programa no sector financeiro. O autor é o economista Nicolas Veron e são diversas as críticas que são feitas à forma como não foram atacadas muitas fragilidades do sector bancário em Portugal.
O documento diz que a troika deu muito mais atenção aos problemas orçamentais do que aos financeiros, classifica as acções de regulação empreendidas como insuficientes e tardias e defende que a melhor opção teria sido entregar a uma entidade independente a tarefa de auditar os bancos.
O governador do Banco de Portugal, numa carta que foi incluída no relatório, manifestou a sua insatisfação com a avaliação feita, dizendo que contém “erros factuais sérios” e “alegações graves tendenciosas”, motivadas pelo facto de o autor ter recorrido na sua análise a artigos de jornais.