Veneno que alimenta

Impuros Fanáticos, dos Fumaça Preta (dia 29, em Sines), é menos imediato que o seu antecessor, mais violentamente eléctrico nas descargas rock. Mas é mais intrigante.

Foto
Shelley Wilson

Alex Figueira exclama “impuros” e repete-o ao sabor de uma salsa em ritmo lento, entre chocalhos a evocar espíritos, sons espaciais e o ruído crescente o vai rodeando. “Patéticos sonâmbulos”, dirá e repetirá mais tarde. Os patéticos sonâmbulos seremos nós, se recursarmos as delícias e os perigos do mundo a que nos transportam. Os “impuros” são eles. Deliciosamente impuros, como já sabíamos desde que a banda do luso-venezuelano radicado na Holanda Alex Figueira se apresentou com Bruxa, versão para The Witch, dos Sonics, e depois com um álbum homónimo em que a crueza do garage caía em cima do tropicalismo brasileiro e regava tudo com funkalhada para ouvir em volume máximo.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Alex Figueira exclama “impuros” e repete-o ao sabor de uma salsa em ritmo lento, entre chocalhos a evocar espíritos, sons espaciais e o ruído crescente o vai rodeando. “Patéticos sonâmbulos”, dirá e repetirá mais tarde. Os patéticos sonâmbulos seremos nós, se recursarmos as delícias e os perigos do mundo a que nos transportam. Os “impuros” são eles. Deliciosamente impuros, como já sabíamos desde que a banda do luso-venezuelano radicado na Holanda Alex Figueira se apresentou com Bruxa, versão para The Witch, dos Sonics, e depois com um álbum homónimo em que a crueza do garage caía em cima do tropicalismo brasileiro e regava tudo com funkalhada para ouvir em volume máximo.

Impuros Fanáticos, o segundo álbum, não altera radicalmente as coordenadas, mas é todo um outro álbum. Mais negro e mais diabólico pela entrada em cena de riffs que Tony Iommi poderia ter criado caso a sua origem estivesse mais a sul e não na industrial e cinzenta Birmingham. Continua a ser música síntese, mas agora que Alex Figueira, baterista, assume em estúdio a posição que também ocupa ao vivo, a de vocalista, é como se a música tivesse sido contagiada pelo lado catártico, voz no limite da possessão, que lhe conhecemos dos concertos (poderão confirmá-lo, dia 29, no Músicas do Mundo de Sines).

O segundo álbum dos Fumaça Preta, obra de Figueira e dois ingleses, o guitarrista e teclista Stuart Carter e o baixista James Porch, mantém o reco-reco e as percussões como luxúria rítmica que acompanha as melodias dos órgãos, que em La trampa nos transportam para um Magrebe devoto do space-rock. Ouvem-se sequências ambientais que são sonoplastia de filme de terror série B e em Migajas, quando damos por nós, já o corpo bamboleia com a guitarra feita acidez, esse corpo que há-se serenar e procurar o descanso do sonho quando se anunciam flautas e clarinete enquanto Figueira sussurra mistérios do outro lado do espelho – tudo se há-de tornar novamente turbulento, porque estes Fumaça Preta não prezam o descanso do corpo e do espírito.

Impuros Fanáticos é exactamente o que anuncia e veste-se com as cores, vermelho e preto, que lhe ilustram a capa. É menos imediato que o seu antecessor, mais violentamente eléctrico nas descargas rock, mais sinuoso na forma como celebra um ambiente de xamanismo tropicalista, chamemos-lhe assim. Mas é também mais intrigante e, nesse sentido, mais recompensador. “A serpente te seduz com as suas duas línguas”, canta-se em Serpente, a despedida do álbum. “Veneno fatal”, diz Figueira no seu sotaque brasileiro. “O que é que vai fazer?

Pode fugir, não pode se esconder”. Fugir não é hipótese. Escondermo-nos é absurdo. Venha o veneno.