Um Lance no escuro

Vencer a Qualquer Preço é o contrário daquelas etapas montanhosas em que Lance Armstrong deixava toda a gente para trás: é uma linha recta, uma daquelas etapas chatas para roladores. Um bocadinho de doping não lhe fazia mal nenhum.

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É inaceitável que se faça de Lance Armstrong um vilão qualquer...

Lance Armstrong, outra vez. Não deve haver, em toda a história do desporto-espectáculo, encarnação mais perfeita do anti-herói, nem melhor equivalência na vida real a um Darth Vader atraído pelo lado negro da “cultura do sucesso” (a qualquer preço, como diz o título português do filme de Frears). Aceita-se que se o pinte como um vilão; é inaceitável que se faça dele um vilão qualquer. Mas é o que faz Stephen Frears naquele que deve ser o mais desinteressado filme da sua longa e muito irregular obra.

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Lance Armstrong, outra vez. Não deve haver, em toda a história do desporto-espectáculo, encarnação mais perfeita do anti-herói, nem melhor equivalência na vida real a um Darth Vader atraído pelo lado negro da “cultura do sucesso” (a qualquer preço, como diz o título português do filme de Frears). Aceita-se que se o pinte como um vilão; é inaceitável que se faça dele um vilão qualquer. Mas é o que faz Stephen Frears naquele que deve ser o mais desinteressado filme da sua longa e muito irregular obra.

A base é o livro do jornalista desportivo David Walsh, pioneiro na exposição das suspeitas sobre a súbita transformação de Lance de bom ciclista em ciclista imbatível – o que parece explicar alguns conflitos de lealdade no argumento, indeciso sobre se há-de se centrar no jornalista (interpretado com apagada dignidade por Chris O’Dowd) se no ciclista, que Ben Foster encarna com modos de fuinha psicopata. Este Lance assim reduzido a vilão superficial é um enorme desperdício de personagem, mas o desinteresse de Frears atravessa o filme todo, que avança, ao sprint, da chegada do ciclista à Europa ao momento da sua confissão no programa de Oprah Winfrey, sem nunca parar em momento algum, sem nunca encontrar uma situação narrativa que se dê ao trabalho de desenvolver dramaticamente – parece um longo prólogo, um longo pré-genérico, para um filme que nunca chega bem a começar (e é por isso que, embora tenha decorrido mais de hora e meia de filme, o final nos surpreende: “já? Era só isto?”).

O olhar superficial de Frears estende-se às outras personagens, do médico por trás do “programa” (o infame Michele Ferrari) que Guillaume Canet interpreta com todos os estereótipos do italiano oleoso, ao jovem delfim de Armstrong, Floyd Landis, que quase pedia um filme só para si próprio. E a utilização de footage televisiva das verdadeiras corridas ganhas por Lance é feita com semelhante indiferença, como se fossem apenas separadores musicados (por “clássicos” da pop dos anos 90, que nem por serem cronologicamente ajustados deixam de parecer despropositados).

Vencer a Qualquer Preço é o contrário daquelas etapas montanhosas em que Lance deixava toda a gente para trás graças, à estratégia e à endurance (e ao EPO, claro): é uma linha recta, uma daquelas etapas chatas para roladores, feita de sprints curtinhos. Um bocadinho de doping não lhe fazia mal nenhum.