Lá vamos nós
A haver anúncio de sanções poderia ao menos retirar-se como boa conclusão desta história o recurso do governo ao Tribunal de Justiça da UE.
No sábado, praticamente toda a imprensa portuguesa deu como certo que um papel da Comissão Europeia considerava suspender o acesso de Portugal a dezasseis fundos estruturais. Lá para o fim do dia alguém percebeu que a notícia era mentira. O papel em causa não passava de uma informação tão banal quanto inevitável: numa resposta ao Parlamento Europeu, a Comissão tinha enviado uma lista dos fundos estruturais cobertos pelos regulamentos relativos à consolidação orçamental.
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No sábado, praticamente toda a imprensa portuguesa deu como certo que um papel da Comissão Europeia considerava suspender o acesso de Portugal a dezasseis fundos estruturais. Lá para o fim do dia alguém percebeu que a notícia era mentira. O papel em causa não passava de uma informação tão banal quanto inevitável: numa resposta ao Parlamento Europeu, a Comissão tinha enviado uma lista dos fundos estruturais cobertos pelos regulamentos relativos à consolidação orçamental.
Justiça seja feita, desta vez foi a própria comunidade jornalística (se não me engano, a TSF) a apanhar o erro e a corrigi-lo. Não sem antes, é claro, os títulos que lançaram o pânico terem tido muitos mais cliques do que aqueles que o vieram corrigir. Mas é preciso notar que isto provavelmente não sucederia sem uma confluência de interesses com os atores políticos e partidários. Para esta confluência de interesses, Portugal já teria sido sancionado meia-dúzia de vezes.
O problema é que isto tem consequências. Meses de especulação e exageros em torno das sanções acabaram por expor aos nossos adversários políticos na Europa os mais eficazes pontos de pressão contra Portugal e revelar-lhes toda a importância que a questão tinha ganho entre nós. A diferença com a Espanha, onde (com uma violação do défice maior) as sanções foram minimizadas pela política e pela imprensa, é instrutiva. No nosso caso, passou-se de uma questão técnica que mal aparecia nas reuniões da Comissão para uma questão política na qual ministros de outros governos europeus, como Schäuble e Djisselbloem, se poderiam apoiar para exigir (primeiro) e exibir (depois) concessões políticas à deusa da austeridade.
Na direita nacional e europeia interessa criar a narrativa de um governo de esquerda que não acertasse nas contas, para disfarçar o facto de que as contas que estamos a falar são as de um governo de direita assessorado pela troika. Entre alguma esquerda nacional depositam-se esperanças na ideia de que “a Europa não deixará” a esquerda governar Portugal, o que desresponsabilizaria certos partidos de continuarem a contribuir para a governação (o que ainda lhes causa um desconforto que tentam esconder tão bem quanto possível). As profecias do “embate com Bruxelas” eram bem mais apocalípticas há uns meses (passando, segundo alguns, por um cenário em que o BCE cortaria a liquidez aos nossos bancos) mas agora é preciso “esticar a corda” em torno de umas eventuais sanções com mais relevância simbólica do que orçamental.
E assim chegamos ao ponto em que a batata quente já foi passada demasiadas vezes entre Comissão e Conselho. De qualquer das formas, o mal já está feito, em mais uma vitória para os irresponsáveis políticos na Europa. A haver anúncio de sanções poderia ao menos retirar-se como boa conclusão desta história o recurso do governo ao Tribunal de Justiça da UE. Não apenas contra as sanções, mas como ocasião de expor (como defendo aqui há anos) a fundamental incompatibilidade das políticas da troika com os tratados europeus. Algum governo teria um dia coragem de o fazer. Que seja o português, agora.