Arles também se mostra em português

Uma exposição na secção oficial, uma exposição no coração da programação paralela e lançamento de novos fotolivros. Os portugueses em Arles.

Foto
João Pina, da série Julgamentos. Antigos militares escondem a cara do fotógrafo durante uma sessão do seu julgamento, no qual o estado argentino os acusa de crimes contra a Humanidade durante a última ditadura, de 1976 a 1983. Bahia Blanca, Argentina, Fevereiro de 2012 Cortesia do artista

Não foi uma embaixada organizada, nem sequer uma orquestra ensaiada. Certo é que a presença de fotógrafos e editores portugueses nos Encontros de Arles conseguiu chegar aos lugares de maior relevo e tocar vários instrumentos ao mesmo tempo. Se Arles é um festival à escala de uma cidade, as quatro propostas de criadores nacionais conseguiram cobrir um território vasto (estiveram nos quatro cantos) e diversificado.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Não foi uma embaixada organizada, nem sequer uma orquestra ensaiada. Certo é que a presença de fotógrafos e editores portugueses nos Encontros de Arles conseguiu chegar aos lugares de maior relevo e tocar vários instrumentos ao mesmo tempo. Se Arles é um festival à escala de uma cidade, as quatro propostas de criadores nacionais conseguiram cobrir um território vasto (estiveram nos quatro cantos) e diversificado.

Naquela que é a primeira apresentação na Europa, depois de paragens em vários países da América do Sul, Operação Condor, de João Pina, é um trabalho de investigação de grande envergadura que descasca, camada por camada, o plano militar secreto iniciado em 1975 por seis países da América Latina: Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Uruguai e Paraguai. Incluída na programação oficial no grupo As Plataformas do Visível – Novas Abordagens do Documental, a exposição de Pina, como o fotolivro que a acompanha (Éditions du Sous-Sol), não descansa nas imagens de rememoração historiográfica nem se abriga no resgate da memória – antes questiona o presente e a nossa relação com um episódio terrível e dramático da história contemporânea que muitos tentaram apagar. “Todas as fotografias aqui reunidas representam um grito que se prolonga no tempo (…) Diante delas, estamos perante a nossa própria história. E não podemos escapar à questão de saber que tipo de justiça queremos agora”, escreve o comissário brasileiro Diógenes Moura, uma afirmação que tem tanto de certeira como actual: em Maio deste ano, a justiça argentina condenou 15 antigos militares, entre os quais um ex-ditador, Reynaldo Bignone (20 anos de prisão), pela sua participação na Operação Condor. Na Argentina, outros militares já foram condenados e talvez outros, noutros países cúmplices, ainda vivam o tempo suficiente para serem chamados à justiça. Estima-se que a Operação Condor tenha feito entre a oposição esquerdista cerca de 60 mil vítimas, com recurso ao assassinato, à prisão, à tortura e à desaparição.

Na Galeria Voies Off, casa-mãe do festival Off, programação paralela aos Encontros, Tito Mouraz apresentou a exposição Casa das Sete Senhoras, ocasião que, para além de uma desculpa para se ouvir fado e comer bacalhau em Arles, serviu para o fotógrafo apresentar o fotolivro com o mesmo título e com ele colocar um ponto final nesta série. Casa das Sete Senhoras lida com os afectos e um “ferimento” relacionado com a “magia” e o “medo” que pairaram (ainda pairam?) sobre o lugar onde o fotógrafo nasceu. O livro (Dewi Lewis publishing), com um ensaio de Nuno Crespo, tem uma sequenciação exemplar e revela imagens nunca mostradas em exposição.

Também no campo dos livros, Sandra Rocha apresentou uma nova monografia, Le silence des sirènes (Loco), durante a Summertime, iniciativa da associação Regards & Mémoires, que pelo segundo ano juntou seis editoras independentes de fotolivros. Com um ensaio de Michel Poivert (Os Engolidos), professor de história contemporânea e de fotografia da Sorbonne, Paris, e concepção gráfica de José Albergaria (um dos mais conceituados designers da capital francesa), Le silence… reúne fotografias de várias origens geográficas dos últimos anos de trabalho e que nos dão conta de um mundo que parece cansado das imagens, e que mostra cada vez mais dificuldade em sentir-se seduzido por elas. São imagens “que falam do desejo sem seduzirem” e que nos enredam num jogo de incertezas e falsos destinos cantados por sereias invisíveis ou de imagem debotada: “Estas imagens não são feitas para serem amadas, elas conjugam-se umas com as outras na aspereza líquida e convertem os olhos numa pasta mole”.

Por último, no antigo colégio Mistral, o catálogo da editora Pierre von Kleist ombreou com dezenas de chancelas de renome internacional durante a Cosmos – Arles Books, inicitiva que celebra o fotolivro e todas as formas de nele experimentar o suporte fotográfico. Depois, de André Cepeda, e Família Aeminium, de Pedro Costa e Rui Chafes são os títulos mais recentes da editora e que estiveram em destaque na Cosmos. De Arles, a Pierre trouxe três menções nas shortlist para os prémios de edição: One’s Own Arena, de José Pedro Cortes e This Business of Living, de Daniel Blaufuks, no Author Book Award; e Lisboa, Cidade Triste e Alegre, de Victor Palla e Costa Martins, no Historical Book Award.