Há um curso na água que é um "seguro de vida" para as crianças

Nos últimos quatro anos morreram 35 crianças vítimas de afogamento. A prevenção pode passar por um curso de sobrevivência aquática que já se fazia em Lisboa e em Faro e que chegou este Verão ao Porto.

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Mais vale prevenir do que remediar. O ditado é antigo e é a pensar nele que dezenas de pais estão a oferecer aos filhos um curso intensivo de sobrevivência aquática. O Infant Swiming Resource (ISR) chegou a Portugal em 2010 e permite dar às crianças aqueles "30 segundos" que separam a vida da morte. 

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Mais vale prevenir do que remediar. O ditado é antigo e é a pensar nele que dezenas de pais estão a oferecer aos filhos um curso intensivo de sobrevivência aquática. O Infant Swiming Resource (ISR) chegou a Portugal em 2010 e permite dar às crianças aqueles "30 segundos" que separam a vida da morte. 

Foi depois de um "susto" que Estela Florindo se interessou por esta técnica de sobrevivência aquática que previne afogamentos. "O meu filho caiu à piscina todo vestido à frente do meu marido", conta ao PÚBLICO. Felizmente acabou tudo em bem mas o receio de que uma situação semelhante se repetisse manteve-se. "É a tal morte silenciosa. As crianças vão para baixo e por mais que esperneiem ninguém ouve nada. Felizmente ele [o marido] estava atrás e foi buscá-lo", refere. 

Do susto a ir tirar o curso de ISR aos EUA foi um pequeno passo para a, na altura, directora comercial de uma empresa de construção. "Nessa altura recebi um vídeo da ISR e fui pesquisar sobre esta técnica em que as crianças aprendem a salvar-se sozinhas". Foi a primeira da Europa a ensinar crianças dos 6 meses aos 6 anos a dar a volta, a flutuar e a respirar para que, em caso de queda, se consigam salvar sozinhas. 

Nos EUA, há cerca de 450 instrutores certificados, 8 milhões de aulas dadas, desde que, em 1966, Harvey Barnett criou a técnica. Na Europa a ISR era ainda uma miragem quando Estela decidiu tirar o curso. Havia apenas uma instrutora alemã que nunca chegou a dar aulas. Entretanto, ainda que timidamente, a técnica já se disseminou pelos países do Sul da Europa. 

Ao fim de cinco semanas de curso, o "Gu" está como peixe na água. Com 2 anos e três meses, Gustavo faz já todos os exercícios exigidos pela professora sob o olhar atento da mãe. Joana Coutinho não quis arriscar e quando soube que Estela ia dar estas aulas no Porto não hesitou. "Foi principalmente porque temos uma piscina em casa e quando o Gustavo nasceu fomo-nos apercebendo de que havia muitos perigos para um bebé tão pequeno", conta Joana. 

Depois de uma passagem por aulas de natação convencionais, os pais não notaram grandes resultados e depois de uma pesquisa na Internet perceberam que a técnica de sobrevivência aquática tinha já muitos anos de experiência e de resultados. "Ele está muito bem adaptado. No início custou um bocadinho mas agora já conseguimos notar muitas diferenças na forma como ele está dentro da piscina em casa", refere Joana.

Nos últimos quatro anos, morreram em Portugal 35 crianças e 129 foram internadas, vítimas de afogamento, segundo dados da Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI). "Sabemos que quando existem acidentes de crianças pequenas a caírem em piscinas, muitas ficam com consequências graves e nós não conseguíamos pensar que isso poderia acontecer ao nosso filho", explica Joana Coutinho. 

Junho, Julho e Agosto são os meses onde se registam mais casos o que se reflecte também na procura pelo curso. "Em Lisboa, perto do Verão há muita adesão mas as pessoas esquecem-se que os acidentes acontecem durante todo o ano", avisa Estela Florindo. E é esta preocupação que faz com que Márcia e Pedro façam cerca de 80 quilómetros diários para que a filha faça as aulas de ISR. "Era impensável não colocar a Constança nestas aulas", diz Márcia. "É como um seguro de vida. Nós nunca pensamos que vamos utilizar, é mesmo só uma prevenção", acrescenta. 

O choro e o desconforto são quase inevitáveis mas a bebé de 13 meses vai fazendo os exercícios. Já na quinta semana de curso, começa a fase em que as crianças fazem aulas completamente vestidas (como estariam numa eventual queda). Uma aula com roupa de Verão e uma aula com roupa de Inverno, com fralda normal, chupeta, sapatos, tudo como se estivessem a passear na rua. Nessas aulas, Estela Florindo simula todo o tipo de quedas (de costas, de frente, de pé) para avaliar a capacidade de reacção da criança, e para que possam adaptar a técnica ao peso do corpo com a roupa encharcada. "Eu espero nunca dizer que o curso foi muito útil, na óptica de ela cair a uma piscina. Mas, caso aconteça, tem mais uma ferramenta para conseguir esperar por ajuda", remata Márcia.

As crianças entre os 6 meses e 1 ano aprendem a ficar só a flutuar. Daí para a frente, fazem já uma sequência nadar, flutuar, nadar até chegarem a um ponto de segurança. "Uma criança de dois anos não tem a confiança para estar no meio de uma piscina e vir para a borda. No entanto, se nós estivermos a um metro dela, ela vira-se e agarra-nos. E isso é fundamental porque lhe pode salvar a vida", adverte Estela. 

"Há muitos cursos, acho que todos ajudam mas esta técnica é brutal. Não somos nós que os salvamos, são eles que se salvam a si próprios", refere Filipa Jensen, mãe de uma das crianças. A técnica ainda não é muito conhecida em Portugal. É praticada em Lisboa, Faro e agora no Porto, nas piscinas do Clube Fluvial Portuense, num curso onde estão inscritas 37 crianças. O curso intensivo é individual, tem a duração de 6 a 8 semanas, 5 dias por semana, 10 minutos por dia e um custo que varia entre os 500 e os 600 euros. A "resposta da criança" é determinante na duração do curso. 

Para as crianças, nem sempre é fácil a adaptação ao barulho, ao calor, às luzes e aos cheiros das piscinas do Fluvial. Não é o caso de Martim, de 10 meses, que é o exemplo do ditado "filho de peixe sabe nadar". "Ele sempre teve um contacto muito próximo com a água e com o ambiente da piscina e sente-se muito bem aqui", refere Nuno Guerra. O também nadador federado conheceu o curso no ano passado e achou uma necessidade "tão básica" que considera que deveria ser obrigatório. "É fazer com que a água seja familiar para eles. Só temos de ultrapassar a situação da posição desconfortável que é eles estarem sem apoio deitados de barriga para cima", explica Nuno Guerra.

"Não tem nada a ver com o ensino da natação", remata. Mas assim que as crianças ganham essa confiança, começa o trabalho na sobrevivência delas. Na água, com a instrutora, Martim já começou a fazer as viragens e a submersão. E já tem a noção de que quando está na posição dorsal tem de descontrair as pernas e que "não pode estar a brincar com os pés porque senão vira", explica o pai. 

Esta não está a ser uma aula fácil para Sebastião. Com 8 meses já flutua sozinho mas o barulho e as luzes ainda o deixam desconfortável. "Ele chora, quando a Estela o vira chora muito, engole muita água mas tem evoluído lindamente. Nota-se mesmo diferença", conta Filipa Jensen. "Connosco, na água, também não ficou com medo nem com nenhum tipo de trauma", acrescenta. Também a piscina em casa e a quinta com tanques motivaram Filipa a inscrever Sebastião nas aulas. 

Há relatos de crianças que caíram à água e conseguiram flutuar até serem encontradas. "Uma das crianças estava na piscina ao pé de outros meninos numa festa e caiu à água. Veio sozinha a nadar até à parede", conta Estela Florindo.

Por muitos olhos que se tenham a vigiar uma criança, um momento de desleixo pode dar origem ao pior. "Isto é uma técnica de auto-salvamento, que me pode dar aqueles segundos", remata Filipa Jensen. "Se ele tiver esta técnica bem assente nos instintos deles pode ser o suficiente para o salvar", conclui. 

Editado por Lurdes Ferreira