Hospital falhou no socorro a David, que morreu com ruptura de aneurisma
Médico admite que cirurgia precoce teria evitado a morte de jovem que aguardou um fim-de-semana pela cirurgia à ruptura de aneurisma. Bastonário dos médicos culpa ex-responsáveis da Saúde.
Uma cirurgia realizada mais cedo poderia ter evitado a morte de David Duarte, o jovem de 29 anos que não resistiu a uma ruptura de aneurisma cerebral em Dezembro passado, no hospital de São José? O director da área de neurociências deste hospital lisboeta defende de forma clara que sim, numa troca de emails com o director clínico da instituição, após o trágico incidente. “A cirurgia precoce neste caso [até às 48 horas] teria, de facto, evitado a evolução fatal que se veio a verificar”, sustenta o médico na mensagem electrónica que consta de uma deliberação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) divulgada esta quinta-feira e que detectou falhas graves. A unidade de saúde - que está integrada no Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - pode ter que pagar uma multa entre 1500 e 44,9 mil euros.
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Uma cirurgia realizada mais cedo poderia ter evitado a morte de David Duarte, o jovem de 29 anos que não resistiu a uma ruptura de aneurisma cerebral em Dezembro passado, no hospital de São José? O director da área de neurociências deste hospital lisboeta defende de forma clara que sim, numa troca de emails com o director clínico da instituição, após o trágico incidente. “A cirurgia precoce neste caso [até às 48 horas] teria, de facto, evitado a evolução fatal que se veio a verificar”, sustenta o médico na mensagem electrónica que consta de uma deliberação da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) divulgada esta quinta-feira e que detectou falhas graves. A unidade de saúde - que está integrada no Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC) - pode ter que pagar uma multa entre 1500 e 44,9 mil euros.
Transferido do Hospital de Santarém para o de São José ao fim da tarde de sexta-feira de 11 de Dezembro, David Duarte ficou à espera de tratamento, que seria efectuado às 8h da segunda-feira seguinte, nos cuidados intensivos. Acabou por morrer na madrugada de 14 de Dezembro. Na prática, iria aguardar 60 horas pela cirurgia, quando o máximo recomendado a nível internacional são 72 horas.
Na troca de emails, o director da área de neurociências defendia que este era um caso com indicação "operatória para cirurgia precoce para clipagem de aneurisma [colocação de clipes de titânio para impedir nova hemorragia]", intervenção que apenas não foi realizada porque não era possível formar a equipa especializada de prevenção ao fim-de-semana, devido aos cortes nas horas extraordinárias. Um problema que se arrastava desde há anos.
Em sua defesa, o centro hospitalar respondeu à ERS que a expressão "teria evitado" não é rigorosa, pois o que se pretendia afirmar é que a cirurgia "poderia ter evitado" a morte de David. Até porque, argumenta, mesmo que o doente tivesse sido operado, "o desfecho poderia ter sido fatal", como "o provam as taxas de mortalidade nestas circunstâncias e que são de cerca de 45% dos casos".
Face às várias falhas encontradas, a ERS decidiu, porém, encaminhar o caso para a Ordem dos Médicos (OM), pedindo-lhe que afira "da existência ou não de fundamentação clínica para as decisões adoptadas pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central". Sublinhando que desconhecia ainda o relatório, o bastonário da OM, José Manuel Silva, disse ao PÚBLICO disse que as conclusões da ERS divulgadas pela comunicação social "não parecem acrescentar qualquer novidade".
"Se o doente tivesse sido tratado mais cedo, provavelmente não teria morrido", admite José Manuel Silva, que defende que o que aconteceu "não foi por culpa dos médicos mas sim da tutela". O que está em causa, defende o bastonário, é "a responsabilidade política" dos anteriores responsáveis do Ministério da Saúde e da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), que desde há anos "tinham conhecimento do problema da falta de equipas ao fim-de-semana", sustenta.
Equipa de prevenção suspensa desde 2014
A prevenção aos fins-de-semana das equipas altemente especializadas de neurocirurgia vascular estava suspensa no São José desde 2014 e a da neurorradiologia de intervenção desde 2013 . São estas as especialidades que poderiam fazer os dois tratamentos possíveis em caso de ruptura de aneurisma cerebral (cirurgia ou embolização através de cateter).
O que a Entidade Reguladora concluiu foi que que houve uma “grave violação do direito de acesso em tempo útil” por parte do hospital. "O CHLC não acautelou o devido acompanhamento do doente, de modo a que fosse tratado em tempo útil", sintetiza. Além de não ter transferido David para outro hospital, não fez qualquer tentativa para reunir uma equipa para a realização da cirurgia, "nem quando a sua situação começou a deteriorar-se", acentua. Põe ainda em causa o facto de não terem sido "equacionadas outras alternativas", designadamente "a adopção de uma resposta tipo life saving".
Cita, a propósito, a resposta do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, cuja direcção do serviço de neurocirurgia afirma operar este tipo de doentes, após hemorragia, nas primeiras 24 horas.
Recorda ainda a reguladora que, há um ano, em Julho de 2015, tinha recomendado já ao hospital lisboeta que transferisse os doentes com ruptura de aneurisma cerebral para outras unidades com recursos para fazer o tratamento ao fim-de-semana, face à incapacidade da unidade em realizar as cirurgias.
Mas a reguladora, que decidiu averiguar o que se passava no São José na sequência da publicação, em Janeiro de 2015, de uma notícia que dava conta do problema, apesar da recomendar a transfererência neste tipo de situações, decidiu na altura arquivar o inquérito. Porquê? Uma das razões que pesou na decisão foi o facto de o CHLC lhe garantir que os casos de risco imediato de vida eram resolvidos pelas equipas de neurocirurgia de urgência presentes 24 sobre 24 horas, alega.
Este problema apenas acabou, porém, por ser resolvido no início deste ano por ordem dos actuais responsáveis do Ministério da Saúde, depois de terem sido conhecidas as circunstâncias da morte de David Duarte. O bastonário da OM defende, a este propósito, que se o "fracassado inquérito da ERS tivesse sido certeiro, o problema já estaria resolvido" e que apenas demonstrou "a pobreza da regulação em Portugal".
O Centro Hospitalar de Lisboa Central garantiu, entretanto, que desde o final de Dezembro de 2015, ou seja, após a morte do jovem, assegura “de forma ininterrupta” o tratamento de situações como aneurisma roto e sublinha que, desde 1 de Fevereiro deste ano, integra o modelo criado para dar resposta ao fim-de-semana às situações deste tipo e que passa pelo estabelecimento de uma parceria entre as quatro unidades hospitalares da região, que asseguram a resposta alternadamente.
Ministério Público continua a investigar
O caso de David Duarte continua a ser investigado pelo Ministério Público que de imediato abriu um inquérito, ao qual se juntou depois a queixa-crime apresentada pela família do jovem. A investigação está a decorrer, disse ao PÚBLICO Cristina Malhão, advogada da família de David, que diz apenas ter a ideia de que a averiguação interna aberta pelo próprio centro hospitalar está concluída, uma vez que o inquérito da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (que averigua eventuais responsabilidades disciplinares) ainda não é conhecido. O PÚBLICO perguntou à IGAS e ao Ministério da Saúde se o inquérito estava concluído, mas não obteve respostas.
Quanto à Ordem dos Médicos, o bastonário José Manuel Silva disse que não abriu qualquer inquérito a propósito deste caso, porque considera que aqui não está em causa a actuação da equipa médica. Segundo o relatório da Entidade Reguladora da Saúde, foram os enfermeiros que se recusaram a trabalhar ao fim-de-semana, depois de terem sofridos cortes nas horas extraordinárias há alguns anos.
Mas a tutela estava informada do problema e a Entidade Reguladora da Saúde também recomendara ao Centro Hospitalar de Lisboa Central que transferisse os doentes para outras unidades, o que não foi tentado neste caso, por se considerar que a transferência punha em risco a vida do doente e se alegar que os outros hospitais da região também não tinham equipas disponíveis para fazer este tipo de tratamento altamente especializado.
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