O despertador não funcionou
Nunca como hoje o idealismo europeu foi tão útil quanto necessário.
Todos pensavam que o “Brexit” funcionaria como um toque a rebate para os líderes europeus (ainda os há?) se juntarem e encontrarem soluções para a ingovernabilidade e inconsistência democrática das instituições europeias. Wishfull thinking. Afinal, o resultado do referendo nada mais foi do que motivo para alguns debates e opiniões na espuma dos media, uma reunião ao mais alto nível dos founding fathers da UE – qual atitude paternalista e ainda mais divisionista ilustrativa de uma Europa de castas – e, claro, prime time ao nosso inefável Jean-Claude sempre atento, perspicaz e oportuno nos seus comentários, análises e bitaites. Sabe a pouco, muito pouco mesmo.
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Todos pensavam que o “Brexit” funcionaria como um toque a rebate para os líderes europeus (ainda os há?) se juntarem e encontrarem soluções para a ingovernabilidade e inconsistência democrática das instituições europeias. Wishfull thinking. Afinal, o resultado do referendo nada mais foi do que motivo para alguns debates e opiniões na espuma dos media, uma reunião ao mais alto nível dos founding fathers da UE – qual atitude paternalista e ainda mais divisionista ilustrativa de uma Europa de castas – e, claro, prime time ao nosso inefável Jean-Claude sempre atento, perspicaz e oportuno nos seus comentários, análises e bitaites. Sabe a pouco, muito pouco mesmo.
A semana passada assisti a um debate sobre a Europa com Rui Tavares, líder do Livre e colunista deste jornal. Eu e o Rui estamos em galáxias políticas diferentes mas, na prática, concordamos sobre que modelo de governo deve ser adoptado na nossa Europa. Isto quer dizer que não estamos a falar de divergências ideológicas ou clivagens partidárias insanáveis. Estamos sim a discutir questões do género: Como nos devemos organizar? Como nos devemos relacionar? Como devemos tomar as nossas decisões? Ou seja: como nos devemos governar? Para encontrar respostas a estas perguntas não precisamos de vasculhar os nossos baús em busca de dogmas ideológicos, doutrinas partidárias ou alianças anacrónicas. Nada disso vai resolver os nossos problemas. O que temos de saber é se queremos ou não uma Europa tipo caixa negra, sem uma responsabilização democrática clara, onde os eurocratas não respondem perante os eleitores ou onde a Comissão pode apresentar um qualquer plano estratégico que muda a vida de milhões de cidadãos sem que antes tenha existido um debate europeu profundo. Esta Europa não, obrigado. Mas o facto de não a querermos não pode, pura e simplesmente, ser acompanhado pelo conformismo perante a degradação europeia e pela complacência com a história. Há alternativa.
Como político nascido e criado na Europa que sinto como minha, quero fazer tudo para a defender. Por isso quero um orçamento europeu reforçado; uma Comissão e um programa sufragados democraticamente; quero mais liberdade para os orçamentos dos países; uma verdadeira união bancária e financeira; um projecto comum de defesa capaz de responder colectivamente pelos nossos valores democráticos e civilizacionais; um sistema de resposta conjunta a questões humanitárias que seja rápido e eficaz. Porque acredito que o projecto que construímos nos últimos 60 anos é a mais espantosa criação política da humanidade, defendo um Estado Social capaz de combater as desigualdades. Quero, enfim, mais Europa e melhor Europa. Alguns dirão que a minha lista de desejos custa tanto dinheiro, mas tanto dinheiro que não é sustentável nem tão pouco exequível. Bem sei que o caminho é difícil. Mas cabe aos Políticos sonharem de forma ambiciosa e descomplexada e fazerem tudo o que estiver ao seu alcance para construírem esse sonho de sociedade.
A prova de que é exequível é a União que já temos hoje, um exemplo de sociedade muito mais solidária, coesa e democrática do que qualquer outra no mundo. Há 60 anos ninguém acreditava que era possível. Temos agora a obrigação de provar que conseguimos ir ainda mais longe e de garantir a perenidade do modelo civilizacional que construímos. As projecções macroeconómicas até 2050 não são famosas para o nosso espaço geográfico. Nessa altura a maior economia europeia, a Alemanha, será somente a décima do mundo. A China, a India e os EUA liderarão o pelotão. Por outro lado, sabemos que 40% das despesas de Estado social no mundo pertencem aos 28. Ora se acreditamos que este é o caminho e que é este modelo civilizacional que queremos, não nos resta outra solução senão unirmo-nos mais, encontrarmos uma verdadeira estratégia de crescimento e desenvolvimento, capaz de financiar o sonho que queremos ver concretizado. A Europa unida de facto será maior do que a simples soma das partes. Essa Europa funcionará de forma sinérgica, coesa e solidária defendendo em primeira instância os interesses colectivos do seu espaço geoestratégico.
Hoje temos alguns estados membros que lucram objectivamente com as ineficiências de outros. Mas no futuro, antes pelo contrário, temos de saber potenciar as vantagens de cada um na persecução de objectivos estratégicos comuns. É aqui que reside a enorme vantagem competitiva desta Europa em comparação com o bloco asiático ou os nossos aliados atlânticos. Uma Europa mais unida e com objectivos comuns saberá potenciar as vantagens de Espanha na América Latina, de França no Norte de Africa, da Holanda na sua capacidade de estabelecer plataformas comerciais, ou de Portugal como porta para a lusofonia. É na diferença e na história de cada Estado-membro que encontraremos a chave para o sucesso de nosso projecto Europeu, mais próximo de uma visão de cidadania europeia. Nunca como hoje o idealismo europeu foi tão útil quanto necessário.
Gestor, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais