Entre Alfama e a Mouraria cabem artistas de todo o mundo

Até este domingo, as ruas do coração de Lisboa enchem-se de obras de artistas nacionais e internacionais numa exposição gratuita que se propõe democratizar a arte.

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Os trabalhos ainda decorrem e o objectivo é que quem visita a Paratissima Lisboa possa conhecer os artistas possa conhecer os artistas que criam os projectos espalhados pelas ruas de Alfama, do Castelo e Mouraria num festival de arte contemporânea que decorre até domingo.

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Os trabalhos ainda decorrem e o objectivo é que quem visita a Paratissima Lisboa possa conhecer os artistas possa conhecer os artistas que criam os projectos espalhados pelas ruas de Alfama, do Castelo e Mouraria num festival de arte contemporânea que decorre até domingo.

São mais de mil peças assinadas por mais de três centenas de artistas e espalhadas por cerca de 2,5 quilómetros entre o Largo do Chafariz de Dentro e a Praça Martim Moniz, em Lisboa. O festival é gratuito e acontece nas paredes, estátuas, praças e abre as portas de alguns edifícios que nestes dias recebem algumas das obras do festival Paratissima Lisboa.

Os primeiros passos são dados no Largo do Chafariz de Dentro, em frente ao Museu do Fado, em Alfama, onde o cheiro a sardinhas assadas chega dos restaurantes e tascas envolve as primeiras obras, com fadistas pintados a grafite.

Junto ao miradouro das Portas do Sol, um arco relata-nos a história de Lisboa. A vida dos bairros é contada através de retratos dos que nasceram e cresceram no coração da capital, impressos em paredes de prédios que resistem ao abandono e transformação da cidade. Crise, turismo e tensões sociais vividas no centro histórico de Lisboa são algumas das reflexões que a exposição pretende estimular. Neste diálogo entre artistas e moradores, assume um papel fundamental o acampamento improvisado que ocupa o Largo da Achada, na Mouraria. No centro da praça, erguem-se tendas onde se pede a devolução do centro de Lisboa aos lisboetas e se reclama contra o sentimento de expulsão sentido por vários moradores do coração da capital, que se dizem empurrados para fora da cidade por força do crescimento do alojamento turístico.

Os artistas vêm de Espanha, Itália, França, Reino Unido e de vários países da América Central e da América do Sul e trazem currículos tão variados quanto as obras que se podem encontrar. Ser artista profissional não é um critério e abre espaço à diversidade.

A inspiração para o projecto chega de Turim, que há 12 anos quis romper com a musealização e elitização da arte e propôs uma exposição colectiva de artistas, fotógrafos, ilustradores, designers e estilistas cujos nomes não tinham ainda entrado no “circuito oficial da arte”, mas cuja qualidade dos trabalhos urgia fazer chegar a uma ampla audiência. Hoje, o festival é o evento de arte contemporânea mais visitado em Itália.

E é com essa responsabilidade que chega pela primeira vez a Portugal, ainda que registe algumas diferenças em relação ao evento italiano que o inspira. Na capital portuguesa, a exposição rompe as paredes dos museus e vem para a rua, uma particularidade destacada por Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, a autarquia que recebe e promove o evento em colaboração com a Ebano Collective. “A Paratissima Lisboa é mais democrática do que a original em Turim porque está nas ruas da cidade, pode ser vista por qualquer pessoa e é totalmente gratuita”, sublinhou o autarca socialista, entre largos elogios à iniciativa durante a sua inauguração, que decorreu na quarta-feira ao final do dia. “Nisso, já ultrapassámos um bocadinho a organização da Paratissima em Turim”, acrescentou Miguel Coelho confiante, um comentário recebido com sorrisos pelos membros da organização italiana.

A marcar presença esteve também Damiano Aliprandi, que desde 2009 é um dos organizadores da Paratissima em Turim, Itália. Aliprandi não poupou os elogios à iniciativa. Para o italiano, o resultado conseguido nesta primeira edição da capital portuguesa “é uma das coisas bonitas” do universo do Paratissima. “É com uma enorme satisfação que vejo todo este trabalho excepcional. Estou orgulhoso”, resumiu Aliprandi, que espera assistir a mais edições, confirmadas pelo gabinete de comunicação da autarquia.

A democracia artística foi também sublinhada pela artista Maite Granados Lopez. Natural de Madrid, Maite inspirou-se na população urbana de uma qualquer cidade, que representa em tons cinza, personificada em homens com fatos que se copiam, gravatas que se repetem e altos chapéus de côco. “Marionetas”, descreve, enquanto olha para a sua pintura. Para a artista espanhola, esta forma de exposição é a sua favorita, uma vez que chega “às pessoas comuns” e a uma população que não tem por hábito frequentar museus, conquistando maior visibilidade e diversidade de público que não consegue em galerias e museus.

A arte invade a cidade, mas existe uma preocupação de que aconteça de “forma integrada e adaptada ao espaço e aos seus moradores”, sublinha a organização. Por isso, Lisboa não foi percepcionada como uma “tela em branco”, mas como um espaço onde já estão impressas memórias e histórias, envoltas em dinâmicas sociais especéficas que não deveriam ser descuradas.

Não, não é uma "instalação". É "só" lixo

A certa altura, a realidade chega mesmo a confundir-se com as intervenções. É o caso de uma das obras, junto à Costa do Castelo, onde dezenas de sacos de lixo e mobília velha enchem o passeio por vários metros. O episódio é caricato e não deixa de ser irónico. “Faz parte da exposição?”, pergunta hesitante um dos participantes no passeio. “Faz, faz”, assegura uma outra voz, e relembra a história da empregada de limpeza de um museu italiano que deitou fora por engano uma instalação de arte por achar que era lixo. A linha que distingue o que é arte pode ser ténue e há quem possa querer olhar como de uma instalação se tratasse, mas quem mora na zona não se deixa enganar: o lixo acumulado é isso mesmo, lixo cuja recolha é responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa e que de resto é uma das “intervenções” mais presentes nas ruas lisboetas.

O percurso desce até ao Largo da Rosa e percorre a Rua Marquês Ponte de Lima até ao Largo da Severa e acaba por terminar no antigo Colégio dos Meninos Órfãos, na Rua da Mouraria, na Fundação Inatel, onde, até domingo, decorrem workshops das 16h30 às 19h abertos e gratuitos. A programação continua em diversos pontos do percurso: Largo da Rosa, Pátio Dom Fradique, Calçadinha da Figueira e o Largo de São Miguel recebem desfiles e concertos a partir das 20h.