Fim dos brasões no jardim da Praça do Império recebido com críticas

A proposta vencedora do concurso para a renovação do jardim lisboeta não contempla os brasões coloniais

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Rui Gaudêncio

A proposta vencedora do concurso promovido pela Câmara de Lisboa para a “renovação” do Jardim da Praça do Império não prevê a manutenção dos brasões coloniais, contemplando apenas a recuperação do escudo português e do relógio de sol existentes. A decisão está a gerar uma onda de críticas.

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A proposta vencedora do concurso promovido pela Câmara de Lisboa para a “renovação” do Jardim da Praça do Império não prevê a manutenção dos brasões coloniais, contemplando apenas a recuperação do escudo português e do relógio de sol existentes. A decisão está a gerar uma onda de críticas.

Da agenda da reunião camarária desta quarta-feira consta a aprovação do relatório final do júri do concurso, que classificou em primeiro lugar a proposta do atelier ACB Arquitectura Paisagista, dirigido por Cristina Castel-Branco. Em segundo lugar ficou Verónica Ribeiro de Almeida e em terceiro OH! LAND STUDIO, tendo os outros cinco concorrentes sido excluídos do procedimento.

A memória descritiva da proposta vencedora ainda não foi divulgada pela autarquia, mas sabe-se já que não está prevista a manutenção dos brasões em mosaico-cultura das ex-colónias portuguesas que existiam (em melhor ou em pior estado de conservação) no friso exterior da fonte monumental do jardim nem dos brasões das cidades e províncias que marcavam os canteiros laterais da fonte. Em seu lugar vão surgir relvados e, segundo é possível perceber numa imagem do projecto à qual o PÚBLICO teve acesso, um “jardim de plantas dos Jerónimos” [com as plantas que estão representadas nas fachadas do Mosteiro dos Jerónimos] e canteiros de herbáceas.

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Como estava determinado nos termos de referência do concurso, a proposta eleita contempla a preservação do traçado do jardim, localizado na freguesia de Belém, e de elementos como o relógio de sol e o escudo português. Na já mencionada imagem do projecto é também possível perceber que vai haver uma ampliação da área de calçada e uma plantação de árvores (oriundas do Brasil, china, Índia e Japão) nos quatro cantos da praça central na qual está implantada a fonte. 

“É um apagão da história”, critica em declarações ao PÚBLICO o vereador do CDS na Câmara de Lisboa, acusando o vereador da Estrutura Verde de com esta decisão revelar “um enorme preconceito ideológico”.  “O erro está na forma como isto tudo foi conduzido. É uma teimosia do Sá Fernandes”, avalia João Gonçalves Pereira, notando que nos termos de referência do concurso “nunca era referido que tinha que se preservar a questão histórica”.

“Não devemos fingir que os momentos menos bons não aconteceram”, diz o autarca centrista, para quem “a história não pode ser apagada”. João Gonçalves Pereira estende as suas críticas ao presidente do município, Fernando Medina, que acusa de deixar o vereador José Sá Fernandes “à solta”, porque “não vê nada que não sejam obras”.

Também o líder da bancada do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa já se pronunciou sobre este caso. Em comunicado, sérgio de Azevedo lamenta aquilo que considera ser uma “obsessão” do vereador da Estrutura Verde e sublinha que Lisboa é feita “de gente com história e com passado”.

Para o autarca, a decisão de acabar com os brasões demonstra “um preconceito ideológico gritante próprio da pequena dimensão intelectual de Sá Fernandes, para quem construir cidade não é mais do que a construção de ciclovias fantasmagóricas, atribuições pouco esclarecidas da exploração de quiosques e um conjunto de medidas trendy mas que não servem objectivamente ninguém”.

No comunicado, o líder da bancada social-democrata faz um apelo a Fernando Medina para que “ponha cobro a estes devaneios intelectuais e que assuma de uma vez por todas a liderança do município que honrosamente herdou e que defenda a relevância histórica do nosso país em detrimento da irrelevância da personagem de Sá Fernandes”.

Também a Junta de Freguesia de Belém já reagiu, num comunicado em que começa por lamentar o facto de não ter sido “consultada” pela câmara no decurso deste processo. “A Junta de Freguesia de Belém não admite qualquer solução que não inclua a reabilitação dos brasões que ali existiam e que a Câmara Municipal de Lisboa desprezou de tal forma que os desconfigurou e estragou”, diz-se no documento, no qual se fala em “revanchismo ideológico”.

A junta presidida pelo social-democrata Fernando Ribeiro Rosa garante ainda que “utilizará todos os instrumentos legais ao seu dispor para evitar que esta decisão da Câmara Municipal de Lisboa seja efectivada” e mostra-se mais uma vez disponível “para assumir na plenitude a reabilitação, gestão e manutenção” do Jardim da Praça do Império. 

Num anexo do relatório do júri ao qual o PÚBLICO teve acesso destaca-se que a proposta do atelier ACB Arquitectura Paisagista revela “preocupação com a integração dos elementos históricos”, promovendo em simultâneo a “inclusão de novos elementos simbólicos, nomeadamente o jardim das plantas dos Jerónimos e espécies arbóreas dos ‘quatro longínquos cantos do mundo que Portugal trouxe ao conhecimento Europeu’, Brasil, China, Índia e Japão”. Diz-se ainda que o projecto “valoriza os brasões em pedra do lago central” e que ele “amplia a capacidade de uso da praça, com a abertura de uma zona central de fruição mais confortável”.

Segundo o júri, esta proposta “retoma o projecto original de Cottinnelli Telmo”, consubstanciando-se como “uma proposta de restauro”. Mais adiante diz-se que a solução proposta para o espaço verde em Belém “tem um especial cuidado na relação com a envolvente, ligação física ao rio, valoriza as ‘vistas’, realiza uma aproximação à história do lugar e integra o jardim no espaço citadino”.

A polémica em torno dos brasões da Praça do Império estalou pela primeira vez em Agosto de 2014, quando o PÚBLICO noticiou que a câmara ia retirar do local as composições em buxo e flores que reproduziam os brasões coloniais, por considerar que esses elementos estavam “ultrapassados”. Na altura, o vereador Sá Fernandes alegou também que os desenhos dos brasões "há cerca de 20 anos que não eram intervencionados, sendo que alguns já nem existem no local, total ou parcialmente".

A notícia foi mal recebida pela oposição, o que levou a câmara a avançar com um concurso público para decidir qual o futuro deste jardim, que nasceu com a Exposição do Mundo Português, de 1940. De adiamento em adiamento, essa decisão acabou por só se concretizar em Dezembro de 2015. Os resultados foram conhecidos agora e confirmam os receios daqueles que se manifestaram contra o fim dos brasões.