Almofadas prometidas a Bruxelas exigem aperto nos serviços públicos
Carta enviada a Bruxelas diz que previsão do défice é à prova de um crescimento económico mais lento, graças à existência de cativações e reservas ainda por utilizar.
António Costa e Mário Centeno continuam a garantir que não haverá medidas de austeridade adicionais neste e no próximo ano, mas as promessas de cumprimento das metas orçamentais feitas pelo Governo esta segunda-feira a Bruxelas fazem adivinhar para os serviços públicos um aperto das suas contas durante a segunda metade de 2016.
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António Costa e Mário Centeno continuam a garantir que não haverá medidas de austeridade adicionais neste e no próximo ano, mas as promessas de cumprimento das metas orçamentais feitas pelo Governo esta segunda-feira a Bruxelas fazem adivinhar para os serviços públicos um aperto das suas contas durante a segunda metade de 2016.
Numa tentativa de convencer as autoridades europeias de que irá mesmo atingir, num provável cenário de crescimento mais lento, o objectivo de défice de 2,2% este ano, com uma redução de, pelo menos, 0,2 pontos percentuais no défice estrutural, o Executivo garantiu que tem nas mãos três almofadas orçamentais que lhe permitem fazer face a choques que surjam na economia: a possibilidade de tornar efectivas as cativações de despesa adicionais previstas no Orçamento de Estado (OE), a possibilidade de não usar as reservas orçamentais inscritas e a possibilidade de gastar menos com os salários do que o previsto. Todas estas almofadas exigem um esforço de contenção por parte dos serviços.
Nas cativações, de acordo com o que explica o Governo a Bruxelas na carta enviada esta segunda-feira, estão em causa 346,2 milhões de euros (cerca de 0,2% do PIB) de despesa que, apesar de terem ficado previstos no orçamento, apenas podem ser efectivamente utilizados pelos serviços com a autorização prévia do Ministério das Finanças.
Todos os anos, o orçamento prevê a cativação de despesa, nomeadamente ao nível da aquisição de bens e serviços e de investimento. No OE de 2016, contudo, o Governo optou por assumir um nível adicional de cativações, que se aplicam aos serviços que beneficiam de um acréscimo nos seus orçamentos.
Agora, o que esses serviços ficaram a saber é que, com toda a probabilidade, não vão poder contar com esse reforço do orçamento e terão mesmo de se conformar com um nível de despesa mais baixo. É que é precisamente por via destes 0,2 pontos percentuais do PIB de cativações que o Governo espera compensar os efeitos negativos sobre o défice de um desempenho económico mais fraco.
De acordo com as contas apresentadas pelo Governo a Bruxelas, se o crescimento do PIB for de 1,4% em vez dos 1,8% projectados no OE, a receita fiscal seria inferior num montante equivalente a 03% do PIB, o que faria subir o défice para 2,5%. No entanto, graças às cativações, o défice acabaria por se ficar nos 2,3%, muito perto da meta inicial do Governo.
Depois há a chamada reserva orçamental. Este é um item da despesa, presente em todos os orçamentos do Estado, que se destina a fazer face a despesas não antecipadas que surjam ao longo do ano. Em 2016, está contabilizado no défice num valor de 196,6 milhões de euros, diz o Governo (a UTAO, Unidade Técnica de Apoio Orçamental, tem apontado para um valor de 193,2 milhões de euros). Se acabar por não ser utilizado, o défice pode ser reduzido nesse valor.
No entanto, para que isso aconteça, é preciso que se verifique uma contenção nas contas que em anos anteriores não se verificou. É verdade que, até Maio, de acordo com as informações divulgadas pela UTAO, apenas um valor muito marginal desta reserva tinha sido utilizado, mas, em 2015, nesta altura do ano, também a reserva orçamental estava ainda intacta, o que não impediu que, no final do ano, acabasse por ser toda usada.
Isto significa que, para poder beneficiar desta potencial poupança, os serviços públicos terão de conseguir evitar qualquer despesa não antecipada no orçamento.
Nas despesas com pessoal, aquilo que o Governo transmitiu a Bruxelas foi que a eliminação dos cortes salariais iria representar um acréscimo de despesa inferior em 97 milhões de euros àquilo que estava previsto. No entanto, mais uma vez, a concretização de uma poupança deste tipo depende da capacidade dos serviços públicos para controlarem as admissões de pessoal ao longo do ano.
Tudo isto irá acontecer numa conjuntura que se adivinha difícil. O Governo continua a apostar no défice de 2,2%, mas a Comissão tem dúvidas, apesar de já assumir que o défice possa ficar ligeiramente abaixo dos 3%, o que poderia abrir as portas para uma saída do procedimento por défice excessivo.
Muito dependerá contudo da evolução da economia. O Governo acredita que a situação está controlada mesmo com um crescimento de 1,4%, mas, apesar de a Comissão ter previsto em Maio, um crescimento de 1,5%, já há outras instituições, como a OCDE, a apontarem para valores próximos de 1%, principalmente depois do resultado do referendo no Reino Unido.
Aproveitar flexibilidade em 2017
Se em relação a 2016, o Governo se esforça, na carta enviada a Bruxelas, para mostrar que vai conseguir cumprir as metas, para 2017 não escreveu mais do que um parágrafo. Isto apesar de se estar já a apenas três meses da apresentação do orçamento do Estado.
O parágrafo contudo foi suficiente para gerar algumas dúvidas sobre se o Governo estaria ou não a mudar as suas metas orçamentais. De tal modo que passadas algumas horas após a divulgação da carta, o Ministério das Finanças emitiu um comunicado.
As dúvidas surgiram porque, na carta enviada a Bruxelas, o Governo promete que o OE para 2017 será compatível com o objectivo de cortar o défice estrutural em 0,6 pontos percentuais, o que poderia apontar para que se estivesse a prever agora uma redução superior aos 0,4 pontos percentuais que tinha previsto no Programa de Estabilidade.
No entanto, garantem as Finanças, o Governo mantém mesmo a intenção de reduzir o défice estrutural em 0,4 pontos, contando depois com que as autoridades europeias concedam uma margem de flexibilidade de 0,2 pontos percentuais por conta de reformas estruturais que o Governo venha a realizar.
Nas regras orçamentais europeias está previsto que um país que esteja fora do procedimento por défice excessivo (de que Portugal conta sair este ano) possa beneficiar de uma análise mais benevolente da evolução do seu défice estrutural, não se contabilizando despesas relativas a reformas estruturais, num montante máximo de 0,2% do PIB. E no Programa de Estabilidade, apresentado em Abril, o Governo já tinha demonstrado a intenção de vir a beneficiar dessa flexibilidade.
Para não deixar dúvidas, no final do comunicado enviado às redacções, o Ministério das Finanças deixa uma mensagem que não estava presente na carta enviada por Mário Centeno aos comissários europeus: "Resulta claro que não há compromissos para medidas adicionais de austeridade nem para 2016 nem para 2017".