O arco-íris contínuo dos Avalanches
Demoraram dezasseis anos a encontrar o itinerário preciso e a alcançar o seu propósito. Mas nunca estiveram perdidos.
Há dezasseis anos The Avalanches surpreendiam o mundo da música com o álbum Since I Left You. Havia sido composto a partir de fragmentos de centenas de discos e era uma viagem contagiante com espírito de dança, sensibilidade pop e técnicas de colagem do hip-hop, o sentido lúdico da aventura sempre presente, num paraíso assumidamente artificial feito a partir de lego consistente.
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Há dezasseis anos The Avalanches surpreendiam o mundo da música com o álbum Since I Left You. Havia sido composto a partir de fragmentos de centenas de discos e era uma viagem contagiante com espírito de dança, sensibilidade pop e técnicas de colagem do hip-hop, o sentido lúdico da aventura sempre presente, num paraíso assumidamente artificial feito a partir de lego consistente.
Ao longo dos anos foram-se sucedendo as ameaças de novo disco, mas nada. Até agora. Wildflower é o segundo álbum dos australianos, agora reduzidos a trio, e a surpresa é que começam onde acabaram. A coisa funciona na perfeição o que não deixa de ser estranho. É como se fosse quase uma extensão da obra inaugural. A técnica é a mesma: fazer um álbum a partir de milhares de fragmentos de outros discos, adicionando-lhe instrumentação convencional e um vozes convidadas (dos rappers Danny Brown, Biz Markie e MF Doom a Jonathan Donahue dos Mercury Rev, de Jennifer Herrema dos Royal Trux a Father John Misty ou a Toro Y Moi) que na verdade não têm o protagonismo que talvez alguns possam suspeitar.
E isso não acontece porque o álbum, como o primeiro, é construído por canções e interlúdios, produzidos com ruídos, orquestrações ou diálogos de filmes, que funcionam como um todo, graças a uma tapeçaria psicadélica que liberta uma frescura revigorante. É uma celebração do Verão. Uma afirmação de vida. Férias com soul. Um arco-íris contínuo
Em 2001, diziam-nos que todas as canções possuíam um fio ambiental, reivindicando a influência de gente tão diferente como Marvin Gaye ou My Bloody Valentine, na forma como as suas canções vão mudando de forma imperceptível, apesar de terem um motivo central reconhecível. Mas na verdade o que nos ocorre como referência é Three Feet High and Rising, a obra-prima dos De La Soul, um álbum de hip-hop radioso de 1989. Dir-se-ia que, no álbum inaugural, os The Avalanches eram para a pop psicadélica dançante o que os De La Soul haviam sido para o hip-hop. E agora repetem o feito. Há um pouco de tudo por aqui: vozes infantis e Beach Boys, técnicas de hip-hop e soul, cenas urbanas e rústicas, música “disco” e bandas-sonoras de filmes esquecidos. Mas no final existe apenas uma só narrativa pop que reconfigura tudo, expondo canções fatais. Em 2001 diziam-nos, com humor, que a ideia inicial era contarem uma história de amor através de postais ilustrados enviados a partir de todo o mundo e que saiu outra coisa porque se haviam perdido na odisseia global. Uma viagem também é isso. Estar disponível para que a surpresa aconteça. Dir-se-ia que demoraram dezasseis anos a encontrar o itinerário preciso e a alcançar o seu propósito. Mas na verdade nunca estiveram perdidos.