A Turquia e a democracia
Erdogan vai decidir o caminho da Turquia e a resposta da Europa deve ser inequívoca
As redes sociais estão cheias de teorias da conspiração sobre o golpe falhado da Turquia, o que significa que os dramas só servem para acentuar esta reconhecida singularidade da agitada vida política da turca. Para quem está do lado do regime, a intentona foi orquestrada de fora, mais propriamente por Fetullah Gulen, o arqui-inimigo de Recep Erdogan, há dezenas de anos auto-exilado nos EUA; para os seus opositores este é um “falso golpe” orquestrado pelo poder e cujo objectivo não é outro senão minar a resistência interna às profundas alterações constitucionais há muito ensaiadas por Erdogan, no sentido de um presidencialismo absolutista e distante da separação de poderes, pilares da democracia e garantes da independência do Estado de Direito. O mais provável, no entanto, é que este levantamento tenha sido a tentativa de replicar o golpe de estado militar de 2013 no Egipto, que depôs o presidente Morsi, eleito democraticamente, e suspendeu a Constituição vigente. A “real politik” da União Europeia e dos EUA, hipocritamente condescendente com a ditadura no Cairo em nome da luta contra o terrorismo islâmico, pode ter acalentado a tentação de sectores das Forças Armadas turcas derrubarem Erdogan, convictos de que poderiam contar com igual complacência por parte do Ocidente, caso os seus planos fossem bem-sucedidos. Afinal, a Turquia é um parceiro bem mais importante do que o Egipto, não só devido ao seu poderio económico e militar mas, sobretudo, por uma posição geoestratégica ímpar num contexto da guerra no Médio Oriente e com o impacto que o afluxo de refugiados tem provocado nas políticas internas dos países da União Europeia. Além do mais, o estado-maior dos golpistas não devia ignorar que a antipatia das lideranças ocidentais por Erdogan é directamente proporcional às exigências do seu regime, que crescem à medida que a Europa se torna palco de actos terroristas cada vez mais frequentes e mortíferos, como se já fosse parte do verdadeiro teatro de guerra.
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As redes sociais estão cheias de teorias da conspiração sobre o golpe falhado da Turquia, o que significa que os dramas só servem para acentuar esta reconhecida singularidade da agitada vida política da turca. Para quem está do lado do regime, a intentona foi orquestrada de fora, mais propriamente por Fetullah Gulen, o arqui-inimigo de Recep Erdogan, há dezenas de anos auto-exilado nos EUA; para os seus opositores este é um “falso golpe” orquestrado pelo poder e cujo objectivo não é outro senão minar a resistência interna às profundas alterações constitucionais há muito ensaiadas por Erdogan, no sentido de um presidencialismo absolutista e distante da separação de poderes, pilares da democracia e garantes da independência do Estado de Direito. O mais provável, no entanto, é que este levantamento tenha sido a tentativa de replicar o golpe de estado militar de 2013 no Egipto, que depôs o presidente Morsi, eleito democraticamente, e suspendeu a Constituição vigente. A “real politik” da União Europeia e dos EUA, hipocritamente condescendente com a ditadura no Cairo em nome da luta contra o terrorismo islâmico, pode ter acalentado a tentação de sectores das Forças Armadas turcas derrubarem Erdogan, convictos de que poderiam contar com igual complacência por parte do Ocidente, caso os seus planos fossem bem-sucedidos. Afinal, a Turquia é um parceiro bem mais importante do que o Egipto, não só devido ao seu poderio económico e militar mas, sobretudo, por uma posição geoestratégica ímpar num contexto da guerra no Médio Oriente e com o impacto que o afluxo de refugiados tem provocado nas políticas internas dos países da União Europeia. Além do mais, o estado-maior dos golpistas não devia ignorar que a antipatia das lideranças ocidentais por Erdogan é directamente proporcional às exigências do seu regime, que crescem à medida que a Europa se torna palco de actos terroristas cada vez mais frequentes e mortíferos, como se já fosse parte do verdadeiro teatro de guerra.
Isto talvez explique a inusitada prudência com que foram recebidos os primeiros sinais dos acontecimentos em Ancara e outras cidades da Turquia. Em vez de uma forte e inequívoca condenação, as palavras de muitas chancelarias internacionais preferiram falar na “extrema preocupação” com que iam seguindo as primeiras horas do golpe. A veemência veio depois, de dentro e de fora, quando o apoio popular impôs a derrota dos revoltosos. Erdogan venceu e a sua reacção destemperada, prendendo milhares, prometendo abrir as portas à pena de morte, ignorando os direitos humanos e lançando ameaças e acusações mais ou menos veladas a amigos tradicionais dão razão a todos os que vêem neste golpe a oportunidade para o líder turco mudar, de vez, o perfil constitucional da Turquia. Os próximos dias serão decisivos para se perceber como irá Erdogan sair da encruzilhada, mas seja qual for o caminho, a Europa também deverá ser clara sobre a prevalência da democracia. Na Turquia e em todo o lado, sem equívocos.