Novas da Brexitânia
Na época áurea do imperialismo europeu estavam em voga os romances situados em países ficcionais sempre vagamente balcânicos e decididamente caóticos. Os melhores cultores desse género eram os britânicos e o mais conhecido exemplo é O Prisioneiro de Zenda, de Anthony Hope, que se passa num reino imaginário chamado Ruritânia onde um impostor se faz passar pelo rei para o salvar do primo que o tinha drogado antes da coroação e se apaixona pela princesa, etc. etc.
Passado pouco mais de um século não há império e a política britânica ultrapassa a ficção pela inverosimilhança. Hoje não é sequer certo que haja Reino Unido, mas uma entidade política indeterminada, lançada em roda livre por aqueles que ainda há menos de um mês tiveram uma das maiores vitórias políticas de sempre no referendo de saída da UE. Não se trata bem da Grã-Bretanha, mas também não é exatamente a Inglaterra: chamemos-lhe, para facilitar, a Brexitânia.
Na Brexitânia nunca se sabe como acaba o dia político local. David Cameron prometeu ficar no governo e acionar o artigo 50 que possibilita a saída da UE, caso a saída ganhasse o referendo. Quebrou as duas promessas no primeiro dia.
A segunda coisa notória foi a fuga acelerada de todos aqueles que tinham vencido o referendo. Um após outro debandaram, ou esfaqueados pelos seus parceiros, ou desistindo sem razão aparente. Nenhum queria ficar para garantir que o resultado do referendo fosse verdadeiramente implementado.
O terceiro passo é o mais revelador. Depois de passarem toda uma campanha a dizerem, com certa razão, que não desejam ser governado por burocratas não-eleitos, os britânicos passaram a ser governados por uma primeira-ministra que até na única eleição em que deveria participar (no seu partido) venceu por falta de comparência da adversária. A nova chefe de governo, Theresa May, é o que passa por “moderada” na política brexitânica: no seu currículo apenas constam os painéis publicitários montados em carrinhas dizendo aos imigrantes “vá para casa!” e a vontade sempre reafirmada de sair da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
E isso sem chegarmos ao novo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Brexitânia, conhecido por ter insultado Barack Obama e Hillary Clinton e que já foi vaiado na sua primeira aparição oficial — na embaixada francesa, ao comemorar o Dia da Bastilha.
O pior, contudo, é que do outro lado do Canal da Mancha existe também uma entidade política indeterminada. Chamemos-lhe a Euritânia. Ninguém se entende muito bem sobre o que ela é ou para onde vai, mas ao menos tinha havido um princípio de acordo de que enquanto a Brexitânia não decidisse sair não haveria negociações bilaterais com qualquer dos países da Euritânia.
Pelo menos até ontem, quando a chanceler Merkel decidiu felicitar a sua homóloga brexitânica, o que está muito bem, e convidá-la a ir a Berlim para iniciar conversações — o que é uma facada nos seus outros 26 parceiros euritânicos.
De facto, o melhor é começarmos a referir-nos a isto por nomes imaginários que é para não termos de nos recordar a todo o momento que tudo o que agora se passa neste continente é penosamente verdade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Na época áurea do imperialismo europeu estavam em voga os romances situados em países ficcionais sempre vagamente balcânicos e decididamente caóticos. Os melhores cultores desse género eram os britânicos e o mais conhecido exemplo é O Prisioneiro de Zenda, de Anthony Hope, que se passa num reino imaginário chamado Ruritânia onde um impostor se faz passar pelo rei para o salvar do primo que o tinha drogado antes da coroação e se apaixona pela princesa, etc. etc.
Passado pouco mais de um século não há império e a política britânica ultrapassa a ficção pela inverosimilhança. Hoje não é sequer certo que haja Reino Unido, mas uma entidade política indeterminada, lançada em roda livre por aqueles que ainda há menos de um mês tiveram uma das maiores vitórias políticas de sempre no referendo de saída da UE. Não se trata bem da Grã-Bretanha, mas também não é exatamente a Inglaterra: chamemos-lhe, para facilitar, a Brexitânia.
Na Brexitânia nunca se sabe como acaba o dia político local. David Cameron prometeu ficar no governo e acionar o artigo 50 que possibilita a saída da UE, caso a saída ganhasse o referendo. Quebrou as duas promessas no primeiro dia.
A segunda coisa notória foi a fuga acelerada de todos aqueles que tinham vencido o referendo. Um após outro debandaram, ou esfaqueados pelos seus parceiros, ou desistindo sem razão aparente. Nenhum queria ficar para garantir que o resultado do referendo fosse verdadeiramente implementado.
O terceiro passo é o mais revelador. Depois de passarem toda uma campanha a dizerem, com certa razão, que não desejam ser governado por burocratas não-eleitos, os britânicos passaram a ser governados por uma primeira-ministra que até na única eleição em que deveria participar (no seu partido) venceu por falta de comparência da adversária. A nova chefe de governo, Theresa May, é o que passa por “moderada” na política brexitânica: no seu currículo apenas constam os painéis publicitários montados em carrinhas dizendo aos imigrantes “vá para casa!” e a vontade sempre reafirmada de sair da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
E isso sem chegarmos ao novo Ministro dos Negócios Estrangeiros da Brexitânia, conhecido por ter insultado Barack Obama e Hillary Clinton e que já foi vaiado na sua primeira aparição oficial — na embaixada francesa, ao comemorar o Dia da Bastilha.
O pior, contudo, é que do outro lado do Canal da Mancha existe também uma entidade política indeterminada. Chamemos-lhe a Euritânia. Ninguém se entende muito bem sobre o que ela é ou para onde vai, mas ao menos tinha havido um princípio de acordo de que enquanto a Brexitânia não decidisse sair não haveria negociações bilaterais com qualquer dos países da Euritânia.
Pelo menos até ontem, quando a chanceler Merkel decidiu felicitar a sua homóloga brexitânica, o que está muito bem, e convidá-la a ir a Berlim para iniciar conversações — o que é uma facada nos seus outros 26 parceiros euritânicos.
De facto, o melhor é começarmos a referir-nos a isto por nomes imaginários que é para não termos de nos recordar a todo o momento que tudo o que agora se passa neste continente é penosamente verdade.