Zika: o fim do surto na América latina daqui a dois ou três anos?

As populações irão desenvolver imunidade de grupo, que acabará com a epidemia, segundo estudo na revista Science.

Foto
Mosquito Aedes Aegypti, que transmite o vírus Zika e da febre de dengue LUIS ROBAYO/AFP

A epidemia do vírus Zika que ataca a América latina irá provavelmente desaparecer por si própria nos próximos dois ou três anos devido ao facto de as pessoas desenvolverem imunidade ao vírus depois de uma primeira infecção – concluiu uma equipa internacional de investigadores num estudo publicado esta sexta-feira na revista Science.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A epidemia do vírus Zika que ataca a América latina irá provavelmente desaparecer por si própria nos próximos dois ou três anos devido ao facto de as pessoas desenvolverem imunidade ao vírus depois de uma primeira infecção – concluiu uma equipa internacional de investigadores num estudo publicado esta sexta-feira na revista Science.

A equipa estimou que as infecções transmitidas pelos mosquitos irão disseminar-se tanto nos países afectados pela epidemia que as populações desenvolverão a chamada “imunidade de grupo”, ou “efeito de rebanho”. Isto ocorre quando uma percentagem elevada da população se tornou imune a uma infecção ou porque desenvolveu imunidade natural ou porque foi vacinada, tornando a ocorrência de um grande surto menos provável.

E isto, considera esta equipa, irá impedir mais transmissões do vírus Zika durante pelo menos uma década, existindo apenas surtos pequenos e intermitentes. “Como o vírus é incapaz de infectar a mesma pessoa duas vezes – graças ao facto de o sistema imunitário gerar anticorpos para o matarem –, a epidemia chega a um ponto em que há muito poucas pessoas de sobra para infectar para que a transmissão seja sustentável”, diz, em comunicado, um dos autores da investigação Neil Ferguson, da Escola de Saúde Pública do Imperial College, em Londres.

Não há uma vacina específica para o Zika. O estudo baseou-se em modelos matemáticos sobre o vírus e que várias investigações já demonstraram que causa microcefalia, uma malformação do feto caracterizada por uma cabeça pequena que provoca problemas graves de desenvolvimento.

A ligação entre o Zika e a microcefalia tornou-se evidente no último Outono no Brasil, que até agora já confirmou mais de 1600 casos de microcefalia relacionados com a infecção pelo Zika de mulheres grávidas.

A equipa do estudo na Science comparou dados da transmissão do Zika pela América latina com dados de outros vírus similares, como o da febre de dengue, e criou um modelo para a transmissão esperada do Zika no futuro. Segundo as previsões dos cientistas, a transmissão em grande escala vai terminar daqui a dois ou três anos e não voltará durante uma década.

Padrões semelhantes já foram observados em infecções virais relacionadas, incluindo o vírus chikungunya (palavra da língua maconde, que significa “tornar-se dobrado ou contorcido”, devido à aparência curvada dos doentes provocada pelas dores articulares e musculares, e cujo aportuguesamento é chicungunha).

Segundo Neil Ferguson, não só pode ser tarde de mais para tentar controlar as populações de mosquitos (pelo menos com os métodos actuais) para impedir a disseminação do Zika, como os esforços de redução dos mosquitos podem atrasar e prolongar o surto. Um surto, acrescenta, que acabará por desaparecer naturalmente. “Atrasar a transmissão entre pessoas significa que a população levará mais tempo a atingir a imunidade de grupo necessária para parar a transmissão”, refere o investigador. “Também poderá significar que a janela entre epidemias – que nós prevemos que poderá ser mais de uma década – poderá na verdade ficar mais curta.”

Mas os mosquitos que transmitem o Zika (o Aedes aegypti) também transmitem a febre de dengue. Ao não controlar os mosquitos, não será isso problemático para o combate contra a dengue?

“Infelizmente, as actuais medidas de controlo de mosquitos (nomeadamente com insecticidas) têm muito pouco efeito na redução do risco de infecção das pessoas”, responde ao PÚBLICO Neil Ferguson. “No máximo, abrandam temporariamente a disseminação de vírus como o Zika e a dengue. Mas não impedem as pessoas de ficarem infectadas a longo prazo – em vez disso, no máximo, apenas atrasam ligeiramente, por uns meses ou talvez anos, quando as pessoas ficam infectadas”, acrescenta o investigador.

“Vamos precisar de maneiras muito mais eficazes de limitar permanentemente a disseminação de infecções transmitidas por mosquitos, para que haja um grande impacto do risco da dengue ou do Zika. Estão em curso investigações sobre essas intervenções, mas só daqui a alguns anos saberemos se funcionam”, diz-nos ainda Neil Ferguson.

Virá então uma solução de mosquitos transgénicos? De mosquitos infectados com uma bactéria que os impeça de se reproduzirem? Ou de uma vacina?