Maduro põe Forças Armadas a controlar produção e distribuição de alimentos

Presidente multiplica-se em iniciativas e medidas extraordinárias para conter a crise de abastecimento do país. Mas as más notícias não param, e até já a Igreja veio exprimir preocupação com a crescente militarização da vida política venezuelana

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Milhares d evenezuelanos aproveitaram a abertura temporária da fronteira para abastecer na Colômbia AFP PHOTO / GEORGE CASTELLANOS

Uma série de medidas extraordinárias e urgentes, que vão desde a reabertura temporária das fronteiras à ocupação de unidades fabris estrangeiras ou à militarização dos principais portos do país, dão conta do estado desesperado do Governo da Venezuela para assegurar o abastecimento da população com os produtos mais básicos. Agora, num sinal de maior aprofundamento da crise, o Presidente Nicolás Maduro pôs as Forças Armadas a combater a escassez alimentar, criando uma espécie de superministério para vigiar a produção e distribuição de bens essenciais.

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Uma série de medidas extraordinárias e urgentes, que vão desde a reabertura temporária das fronteiras à ocupação de unidades fabris estrangeiras ou à militarização dos principais portos do país, dão conta do estado desesperado do Governo da Venezuela para assegurar o abastecimento da população com os produtos mais básicos. Agora, num sinal de maior aprofundamento da crise, o Presidente Nicolás Maduro pôs as Forças Armadas a combater a escassez alimentar, criando uma espécie de superministério para vigiar a produção e distribuição de bens essenciais.

O general Vladimir Padrino, que é ministro da Defesa, ficou com a missão de conduzir esse nova estrutura, a “Grande Missão do Abastecimento Soberano”, que passará a agregar todas as competências das agências governamentais responsáveis pela regulação da produção, distribuição, compra e venda de alimentos, medicamentos, produtos de higiene pessoal e de limpeza. “Todos os ministérios, todos os ministros e todas as instituições do Estado estão ao serviço e em absoluta subordinação à Grande Missão”, informou o Presidente, ao anunciar a nova iniciativa.

Como explicou Maduro, trata-se do estabelecimento de um novo sistema de abastecimento, que “garante o fornecimento de produtos estratégicos em todo o território nacional e o direito de todos os venezuelanos à nutrição e à saúde”. Para que possa funcionar, a “Grande Missão” recorrerá à “actividade das Forças Armadas em todo o país”. O general Vladimir Padrino terá a autoridade para monitorizar a actividade de todas as unidades que fabricam produtos alimentares e determinar o seu escoamento, podendo por exemplo decidir que toda a produção deverá ser entregue às entidades estatais. E também se certificará que a distribuição de cabazes essenciais não é posta em causa pelos protestos, os roubos e as pilhagens e saques que se banalizaram com o recrudescimento da crise.

Ao mesmo tempo, o Presidente encarregou um outro general, Efrain Velasco, de dirigir os cinco maiores portos da Venezuela (Guanta, La Guaira, Puerto Cabello, Maracaibo e Guamache), que passarão a estar sobre domínio militar. O objectivo é controlar toda a circulação de mercadorias, e “secar” o mercado negro e o negócio de pequenos contrabandistas, que as autoridades acusam de açambarcar e manipular os preços.

Para muitos analistas, esta nova vaga de nomeações militares é prova do desgaste político de Maduro e de como o seu poder está dependente do aparelho das Forças Armadas. Dez dos 30 ministérios são agora dirigidos por militares no activo. “Este é um Governo completamente militarizado. O Exército é a única fonte de autoridade de Maduro”, comentou Luis Manuel Esculpi, analista de segurança, ao Wall Street Journal. A Conferência de Bispos da Venezuela já exprimiu a sua preocupação com a ocupação de cargos civis pelas hierarquias do Exército, considerando a promoção dos militares como uma “ameaça à paz e tranquilidade” do país.

Vladimir Padrino rejeitou as críticas e desmentiu que as últimas medidas para conter a crise alimentar impliquem uma militarização da vida política venezuelana. “Também não gosto de ver intervenção militar em áreas que não têm natureza militar, mas esta é uma questão de segurança nacional e defesa da pátria”, justificou.

Maduro ainda pode reclamar o apoio dos militares, mas já não consegue disfarçar a existência de brechas nessa base que suporta o seu Governo. Esta semana, numa entrevista à BBC Mundo, o antigo general Cliver Alcalá, um dos homens mais próximos de Hugo Chávez e principal aliado do “oficialismo”, arrasou a presidência de Nicolás Maduro e causou sensação ao manifestar-se favorável à revogação do seu mandato, num referendo exigido pela oposição.

Apesar de considerar que o chavismo não é um projecto fracassado, o ex-militar admite que a filosofia revolucionária do socialismo bolivariano atravessa um “momento difícil” e necessita de um reajuste. A responsabilidade, na sua opinião, é clara: o sectarismo, a corrupção e a insegurança que o Governo promoveu nos últimos três anos. “Isto não é chavismo, é anarquia”, distinguiu.

Boicote financeiro

As más notícias para o Governo – e, principalmente, para a população – nunca páram de chegar, prenunciando tempos mais duros e de maior dificuldade. No início da semana, a unidade da multinacional norte-americana Kimberly-Clark em Maracay juntou-se ao rol de fábricas a encerrar operações, alegando uma “carência de divisas” que inviabiliza a produção – segundo a associação comercial Fedecámaras, 85% da indústria do país estava parada por falta de matéria-prima. O Governo reagiu de imediato, assumindo o controlo da fábrica e ordenando a retoma da laboração. “Empresa fechada é empresa ocupada, e aberta pelos trabalhadores e o Governo revolucionário”, lembrou o ministro do Trabalho, Oswaldo Vera.

O Governo sabe que o problema que justificou a decisão da Kimberly-Clark vai agudizar-se muito em breve. Segundo anunciou o próprio Maduro, numa declaração televisiva, a conta que é utilizada pelo Banco Central da Venezuela para os seus pagamentos internacionais vai ser fechada no próximo mês. “O [banco norte-americano] Citibank, sem aviso, disse que dentro de 30 dias encerrará a conta do Banco Central e do Banco da Venezuela. Isto tem um nome: boicote financeiro”, atacou o Presidente, que tem atirado as culpas pela deterioração da crise no país ao sector privado, à oposição política interna, ao Governo dos Estados Unidos e aos aliados da direita na América Latina . “A Venezuela não será detida por ninguém. Com ou sem Citibank, vamos seguir adiante. Com ou sem Kimberly, a Venezuela vai”, garantiu.

Numa nota, o Citigroup confirmou a sua decisão de “descontinuar” uma série de contas associadas à Venezuela, após uma revisão dos riscos. Com o estabelecimento de um complexo sistema de controlo cambial, em 2003, o Governo de Caracas passou a depender do Citibank para todas as suas transacções em moeda estrangeira.

No passado fim-de-semana, pela primeira vez desde Agosto de 2015, os venezuelanos puderam cruzar as pontes Símon Bolívar e José António Páez, e chegar ao município de Arauca e à cidade de Cúcuta, na Colômbia: o Governo de Maduro aceitou abrir a fronteira durante doze horas e suspender as restrições alfandegárias, permitindo que milhares de pessoas se abastecessem em farmácias e supermercados. “Já não me lembrava de ver tanta comida junta”, confessava à Associated Press uma das muitas venezuelanas que se levantou ainda de madrugada para ter oportunidade de comprar remédios e sabonete. “Há meses que os banhos são só com água”, contou.