Da natureza do cherne ou quando a política cheira a peixe podre
Durão Barroso foi recompensado pelos dez anos como presidente da Comissão Europeia.
Simpatizo com a ideia de bancos. Empresas onde os cidadãos podem depositar as suas poupanças em vez de as meter debaixo do colchão, receber um pequeno juro se as deixarem depositadas durante um período de tempo pré-definido e levantá-las quando querem gastá-las. Poupanças essas que, todas somadas, servem para fazer empréstimos a indivíduos e a outras empresas para comprarem casas ou para criarem novos negócios, desenvolvendo assim a economia. É uma velha ideia e sabemos que pode funcionar.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Simpatizo com a ideia de bancos. Empresas onde os cidadãos podem depositar as suas poupanças em vez de as meter debaixo do colchão, receber um pequeno juro se as deixarem depositadas durante um período de tempo pré-definido e levantá-las quando querem gastá-las. Poupanças essas que, todas somadas, servem para fazer empréstimos a indivíduos e a outras empresas para comprarem casas ou para criarem novos negócios, desenvolvendo assim a economia. É uma velha ideia e sabemos que pode funcionar.
Também simpatizo com a ideia de acções. Títulos de propriedade que representam cada um deles uma pequena parte de uma empresa, que podem ser vendidos e comprados no mercado, permitindo que um proprietário de uma empresa vá buscar dinheiro ao mercado vendendo uma parte da sua companhia e que, inversamente, permitem que qualquer cidadão possa deter uma pequena parte de uma empresa que lhe parece promissora, participar de forma proporcional nas decisões de gestão dessa empresa e arrecadar dividendos quando os há.
Também simpatizo com a ideia de obrigações. Títulos de dívida que uma empresa pode emitir e vender para pedir dinheiro emprestado no mercado para fazer um grande investimento para o qual não dispõe de capital, pagando um juro quando o investimento dá frutos. Títulos que podem ser comprados por empresas ou cidadãos e que representam um investimento, com o seu risco e o seu potencial benefício.
E simpatizo com a ideia de bolsas de valores. Mercados onde uma pessoa ou uma organização que detém algum destes títulos pode ir vendê-los e outros podem ir comprá-los.
Simpatizo com estas ideias porque são formas colaborativas de reunir fundos para fazer investimentos de que um indivíduo ou uma empresa sozinha não dispõe e de fazer beneficiar aqueles que disponibilizam o seu dinheiro (que o arriscam) dos frutos desse investimento.
São ideias que fazem sentido. Só que as coisas não são assim tão simples. Pelo contrário. O mundo da finança e da banca foi-se complicando ao longo dos anos (principalmente nas últimas décadas) até se transformar numa coisa cujo sentido e funcionamento poucos compreendem e, o que é pior, numa coisa cujo objectivo não tem nada que ver com os objectivos originais que faziam sentido.
Os bancos de investimento e as bolsas de valores inventaram um sem-número de “instrumentos financeiros” cuja natureza, funcionamento e controlo escapam a todos nós – certamente aos simples mortais que não pertencem ao círculo do poder financeiro. A banca e a finança deixaram de ser instrumentos para fazerem funcionar a economia e tornaram-se simplesmente instrumentos para fazer dinheiro. Fazer dinheiro com quê? Com qualquer coisa, porque tudo é mercadoria. Desemprego e falências catastróficas na Grécia? Nada que um “produto financeiro” bem desenhado não possa transformar numa mercadoria vendável. Dívidas? A mercadoria por excelência! Devido aos “instrumentos financeiros complexos” criados pelas sofisticadas organizações da actualidade, tornou-se possível fazer dinheiro ao mesmo tempo que se destroem as economias. Hoje, a finança transformou-se numa “economia de casino” onde é possível apostar em tudo e contra tudo, onde se pode ganhar fortunas com uma quantidade de zeros estonteante vendendo ar, aniquilando emprego e empresas e destruindo o ambiente.
Se a banca fosse o que devia ser, poderia ser um negócio de pessoas honestas. Se a banca fosse regulada pelos Estados de uma forma rigorosa, de modo a fazer o que deve fazer, poderia ser um negócio de pessoas honestas. Mas não é.
Se há santos na hierarquia da Igreja católica, não há nenhuma razão para que não haja pessoas honestas na banca, mas a honestidade não é a moeda deste negócio. O negócio da banca é o poder e a ausência de escrúpulos. Os grandes bancos de investimento controlam a finança do mundo e, através dela, a política e a economia. Possuem todo o poder? Não. Há enclaves de democracia que emergem constantemente, aqui e ali, há eleições em que a vontade popular às vezes se exprime, há ilhas de legalidade, há códigos e parlamentos e tribunais que não estão todos vendidos, mas a política actual é a guerra da democracia contra a finança, a guerra da soberania do povo contra a sede de poder ilimitado do 1% de 1% que quer controlar o mundo.
A função da política é, por isso, controlar a finança, da mesma maneira que é função da polícia controlar os criminosos. Se é assim, porque é que a Goldman Sachs e tantos outros não estão na cadeia? Porque não se pode prender uma empresa, porque os crimes podem ser sempre atribuídos a um bode escriturário e porque o dinheiro da Goldman Sachs permite-lhe sempre chegar a acordos extrajudiciais, como tem feito nos crimes de que tem sido acusada. A Goldman Sachs compra a justiça que quer.
Quando Durão Barroso vai para chairman da uma Goldman Sachs está apenas a rir na cara de quem acredita no primado da democracia na UE e a ser recompensado pelos dez anos como presidente da Comissão Europeia. Não há razões para surpresa. Apenas para um enorme nojo. A finança sem lei manda. Esperemos que não para sempre.