Metáfora para um povo em dó maior
Os problemas continuarão, mas se na vida jogarmos como nesta final, a vitória está garantida!
As buzinas e os gritos de alegria ainda soam. Não dá para acreditar. Provavelmente não verei um outro feito como este do nosso futebol, da nossa selecção, de todos nós. O sentimento de irmandade e de pertença a um território com características definidas, com uma História riquíssima de séculos fez acordar o Adamastor que cada um carrega no seu peito. Para quem acha que o futebol são apenas 11 pessoas de cada lado a correr atrás de uma bola, sair às nossas cidades e ver a alegria estampada nos rostos de gente de tantas proveniências é simplesmente arrepiante.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
As buzinas e os gritos de alegria ainda soam. Não dá para acreditar. Provavelmente não verei um outro feito como este do nosso futebol, da nossa selecção, de todos nós. O sentimento de irmandade e de pertença a um território com características definidas, com uma História riquíssima de séculos fez acordar o Adamastor que cada um carrega no seu peito. Para quem acha que o futebol são apenas 11 pessoas de cada lado a correr atrás de uma bola, sair às nossas cidades e ver a alegria estampada nos rostos de gente de tantas proveniências é simplesmente arrepiante.
Pouco ou nada percebo de futebol. Mas este campeonato e a final não foram apenas uma sequência de jogos. Tratou-se da vitória dos maltrapilhos, dos mal-amados, em que poucos acreditavam. Eu e tantos não acreditámos. Falhámos. E ainda bem! A equipa francesa jogou feio e duro, em jogadas claramente estudadas, dirigidas a alvos definidos. Quando se perde um capitão com a influência de Ronaldo, espera-se que o barco afunde. Mas a nau manteve-se firme. Aguentámos. Foi a vitória da resiliência, daquela que percorre o País de alto a baixo de quem trabalha, de quem, na Diáspora, cria riqueza para outros Estados, mas nunca esquece este pedaço de terra que tanto amamos.
Não é tempo para nacionalismos bacocos. A vitória na final é tudo menos serôdia. É de um cosmopolitismo impressionante, por ser o da simplicidade, do espírito de equipa, do apagamento dos egos individuais. E a sorte? Lá esteve, como em tudo na vida. Ela dá trabalho, sorri aos audazes e demonstrou uma vez mais que não falha a quem, contra ventos e marés, resiste e acredita num objectivo. Mobilizador. De todos. Por cada um.
Metáfora acabada do esforço colectivo, a inteligência de Fernando Santos, que tantos incompreendemos, merece que lhe digamos “touché” ou “chapeau”. Podemos jogar mal e feio, mas não precisámos de golpes baixos como aqueles a que assistimos por parte dos gauleses. Em Paris, onde as velhas porteiras e os trolhas vão sendo substituídos por profissionais mais qualificados, diplomados, por uma emigração devida à falta de oportunidades, mas também ao nosso espírito universalista.
Não ficou magicamente tudo bem com a conquista do campeonato europeu. Bem sabemos que o “circo” ajuda a política. Mas também não ignoramos que qualquer Povo necessita de exemplos inspiradores nos quais se veja retratado. Este é de uma assinalável magnitude. Se o soubermos ler, acordaremos cada dia mais confiantes, com vontade de fazer acontecer, mudar, transformar este Estado que tem condições para dar aos seus cidadãos motivos de orgulho pelo nível de crescimento económico, social, cultural e humano. É essencial festejar os grandes feitos sem perder a noção de que o futebol não é um qualquer D. Sebastião.
Éder não o é, nem Cristiano, nem Rui Patrício. O nosso futuro faz-se da força deste colectivo, alimenta-se do espírito de entreajuda, de luta por ideais comuns, em qualquer campo das nossas vidas. O desporto é das realidades mais complexas que o ser humano conhece, de entre outras, pelas implicações sócio-culturais e psicológicas que comporta. O corpo é uma ferramenta do espírito e, tantas vezes, um substituto desse mesmo espírito.
Portugal não acordará com menos défice, com melhor educação, com maiores condições culturais. Porém, despertará com um exemplo eloquente do que é preciso fazer para crescermos: força colectiva na individualidade singular de cada Português. Afirmação no mundo de uma Pátria orgulhosa de si, confiante, que deixa de vez o miserabilismo auto-conformista, o olhar para o umbigo depressivo e que, por entre derrotas e vitórias, aspira a mais.
Falta-nos um projecto colectivo; carecemos de ideais. Não nos serão dados pelo futebol ou por um passe mágico. Mas não compreender a força inspiradora de momentos como este é ignorar os ensinamentos básicos da Sociologia e da Psicologia. Por isso, ter sido um Português como todos nós, de cor negra, a fazer o golo da vitória assume um particular significado em um país ainda muito racista: não do mais ostensivo, mas do que mói os ossos da alma e, assim, calcifica de geração em geração.
As barreiras foram muitas, desde o jogo sujo da final à campanha que, começando em cada um de nós, nos diminuiu, nos apresentou como indignos de uma final, como se apenas os eleitos do centro da Europa fossem verdadeiramente a essência deste continente. A equipa de Portugal era Ronaldo e mais 10. Viu-se. Ronaldo jogou dentro de linhas e, sobretudo, fora delas, a dado passo sendo ele e Fernando Santos uma única voz que inspirava quem estava a lutar pela bola. Sabemos todos que Cristiano tem virtudes e defeitos; afinal, ele é só humano… Como nós. Mas deu agora uma prova inolvidável da sua grandeza.
Estamos todos de parabéns! Obrigado a toda a equipa de jogadores, técnicos e dirigentes. Gratos todos aos nossos concidadãos que, em França e por todo o globo, passarão ainda a ter mais orgulho de afirmarem a sua nacionalidade. Os problemas continuarão, mas se na vida jogarmos como nesta final, a vitória está garantida!
Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto