Estado gastou 30 milhões em pensões de alimentos a menores no ano passado
A Segurança Social pagou a pensão de alimentos a 19.171 menores cujos pais entraram em incumprimento. Os tribunais alertam que regras apertadas do fundo de garantia deixam de fora muitas famílias pobres com menores.
O Estado gastou no ano passado 30,3 milhões de euros no pagamento de pensões de alimentos a menores em substituição dos progenitores faltosos. No total, 19.171 crianças e jovens até aos 18 anos beneficiaram desta prestação em que a Segurança Social se substitui provisoriamente aos pais que deixam de pagar a pensão de alimentos a que estão obrigados por decisão de um tribunal.
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O Estado gastou no ano passado 30,3 milhões de euros no pagamento de pensões de alimentos a menores em substituição dos progenitores faltosos. No total, 19.171 crianças e jovens até aos 18 anos beneficiaram desta prestação em que a Segurança Social se substitui provisoriamente aos pais que deixam de pagar a pensão de alimentos a que estão obrigados por decisão de um tribunal.
Contas feitas, o Estado gastou em média 2,5 milhões de euros por mês para garantir que os menores não ficam sem protecção, quando os progenitores que ficaram obrigados a garantir-lhes alimentos caem no desemprego, por exemplo, ou desaparecem para parte incerta. Comparativamente com o ano anterior, a despesa baixou em 500 mil euros, mas o número de beneficiários aumentou ligeiramente: em 2014, havia 19.095 menores abrangidos, ou seja, menos 66 do que no ano seguinte. “A única conclusão que se pode tirar é que as pensões pagas pela Segurança Social baixaram”, interpreta o juiz António José Fialho, do Tribunal de Família e Menores do Barreiro.
O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) foi criado em 1998 e pressupõe que os montantes pagos pela Segurança Social (SS) sejam “devolvidos” pelo progenitor em falta, assim que este readquira poder económico. E o seu universo de beneficiários poderia ser muito mais alargado, se, à semelhança do que se passa com outras prestações sociais, o funil de admissão das famílias ao fundo não fosse tão apertado. “Uma mãe com um filho menor que ganhe 628,33 euros ilíquidos, e cujo pai tenha deixado de pagar a pensão, já não tem direito ao fundo”, precisa António José Fialho.
“Choca-me muitas vezes constatar que que um agregado cuja capitação de rendimentos chegue aos 430 euros fique de fora. São pessoas muito necessitadas, mas que excedem mesmo assim os limites do fundo de garantia”, concorda o procurador do Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, José António Carvalho, lembrando que “inicialmente, não era preciso ser tão pobre para conseguir aceder ao fundo”.
A situação alterou-se quando em 2010, ainda com José Sócrates como primeiro-ministro e em nome da necessidade de contenção da despesa, se modificaram as regras de cálculo para aquela prestação. Até então, para ser candidato ao fundo, o rendimento do agregado per capita não podia ultrapassar o valor do salário mínimo nacional, que, naquele ano, se fixava nos 475 euros. E a capitação do rendimento era de ordem a que “num agregado com uma criança e quatro adultos, o rendimento se dividia por cinco”.
"Opção políticou deixou muitas famílias de fora"
Daí em diante, o valor de referência baixou para os 419.22 euros do Indexante dos Apoios Sociais (IAS). E a capitação alterou-se. O requerente da prestação, normalmente o progenitor que fica com a guarda da criança, continuou a valer por um, mas os menores passaram a contar apenas 0,5 e os restantes adultos do agregado 0.7. “Foi uma opção política que deixou muitas famílias necessitadas de fora”, indigna-se ainda hoje José António Carvalho.
“Há famílias cuja capitação dá por exemplo 430 euros e, por essa meia dúzia de tostões, ficam de fora. E aqui a Segurança Social contabiliza tudo a dividir por 14, porque os subsídios de natal e de férias também entram nas contas”, descreve o procurador, para quem “é um absurdo que um menor, que pode ser um adolescente que come mais do que um adulto, conte apenas 0,5”.
O juiz do tribunal do Barreiro também discorda que o salário mínimo nacional tenha sido substituído pelo IAS como principal referência para determinação do direito ao fundo. “É que o salário mínimo nacional tem sido, em regra, actualizado todos os anos. Enquanto isso, o indexante cristalizou em 2009. E o afastamento em relação ao critério anterior é cada vez maior, porque, enquanto o IAS, continua nos 419,22 euros, o salário mínimo subiu para os 530 euros. São mais de cem euros de diferença”, observa.
Mesmo com essas alterações que excluíram da prestação muitas famílias pobres, o número de beneficiários não tem parado de aumentar. Em 2010, o Estado gastou 23,1 milhões de euros no pagamento da pensão de alimentos a 13.553 crianças e jovens. Em 2013, a despesa tinha subido para os 27,4 milhões, para um total de 15.822 beneficiários (ver caixa). Mas o ponto de viragem tinha-se dado, antes, logo no arranque da crise, em 2008 e 2009. “Até então, entre 60 a 70% dos incidentes de incumprimento dos pagamentos de pensões resolviam-se por via do desconto do salário do progenitor obrigado e só nos restantes 30% se recorria ao fundo. A partir daí, a situação inverteu-se e 70% dos incumprimentos passaram a ser respondidos com recurso ao fundo”, recorda o procurador do Tribunal de Família e Menores de Gaia.
Atrasos da SS adiam pagamento
O Código Civil determina, no artigoº 2004, que os montantes das pensões de alimentos são fixados de acordo com as necessidades do menor mas também das possibilidades financeiras do progenitor. Um dos problemas que aqui se levantou aos tribunais foram os inúmeros casos em que não havia possibilidade de aferir quais as possibilidades do agregado “porque o progenitor simplesmente desapareceu ou foi preso ou é toxicodependente e anda a arrumar carros”, aponta o magistrado.
Sem poderem aceder a esse parâmetro, muitos tribunais optavam por não fixar a obrigatoriedade de pagamento de qualquer pensão. E, sem essa determinação judicial, o progenitor responsável pela guarda do menor ficava impossibilitado de recorrer ao FGADM. “A questão foi objecto de muita polémica nos tribunais superiores e havia uma corrente que defendia que fixar uma pensão de alimentos sem conhecer a situação do devedor e accionar o fundo de garantia nestas circunstâncias era desvirtuar a função jurisdicional”, explica José António Carvalho.
Para os defensores desta corrente, os menores nestas circunstâncias deviam ser encaminhados para outros apoios da Segurança Social. “O problema é que quando uma mulher chegava à Segurança Social a dizer ‘O pai das minhas filhas desapareceu e não está obrigado pelo tribunal a pagar pensão nenhuma e eu preciso de ajuda para as manter’, a Segurança Social, que tem diferentes caixas pagadoras, todas com orçamentos limitados, mandava-a voltar ao tribunal a pedir que este fixasse uma pensão para se poder accionar o fundo de garantia”.
No caso de Gaia, uma directiva hierárquica do Ministério Público passou a obrigar os procuradores a peticionar sempre uma pensão, mesmo quando não é possível apurar os rendimentos do progenitor obrigado. E a jurisprudência orientou a maior parte dos tribunais nesse sentido. Resolvido esse problema, as injustiças relativas na fixação da pensão de alimentos permanecem, ainda segundo o procurador do tribunal de Gaia. “Imagine-se um menor cujo pai é modesto mas que até trabalha como pintor e que, atendendo à sua situação económica, ficou obrigado pelo tribunal a pagar uma pensão de 75 euros. Na casa ao lado, pode morar um vizinho menor cujo pai desapareceu e que viu ser-lhe fixada uma pensão de 175 euros, porque, sem conhecer a situação económica do progenitor, o tribunal atendeu apenas às necessidades do menor e conclui que estas justificavam aquele valor”, exemplifica José António Carvalho, para explicar que “quando se trata de aferir um montante apenas com base nas necessidades do menor, os tribunais tendem a ser mais generosos”.
Outro problema reside nos atrasos da SS. A lei prevê que esta comece a pagar a pensão no mês seguinte ao da decisão judicial. A demora soma vários meses, mas, como esclarece José António Carvalho, o pagamento é feito depois com retroactivos. O problema reside no tempo que, durante o processo judicial, a SS leva a proceder ao inquérito sobre as necessidades dos beneficiários e sobre os rendimentos do agregado. “Às vezes esses inquéritos demoram meses e aí os menores são prejudicados porque o juiz só pode proferir uma decisão depois de concluído o inquérito e a Segurança Social só fica obrigada a pagar depois de proferida a decisão. Nesse intervalo, os menores ficam 'a arder'”, aponta o procurador de Gaia. Para contornar este problema, António José Fialho há muito que deixou de requerer esses inquéritos. “Se a lei diz que o que conta é o rendimento mensal ilíquido e a composição do agregado, basta pedir-lhes o IRS. Com isso, conseguimos fazer uma fixação do fundo normalmente num mês ou dois”.