Artesão constrói réplicas de embarcações históricas que valem um milhão de euros
Albino Costa foi pescador e marinheiro grande parte da vida e apaixonou-se pelas embarcações. Agora concretiza o sonho de mostrar ao mundo as 23 réplicas históricas da época dos descobrimentos que fez. Um tesouro que vale um milhão de euros
Olhar reguila e riso escancarado, Albino Costa, 66 anos, começa a desfiar conversa sobre o tempo em que andou à pesca do bacalhau no Canadá e na Gronelândia. Dos anos em que esteve emigrado na Holanda como marinheiro e cozinheiro de navios de longo curso. Atracou depois em Canidelo, Vila Nova de Gaia, para abrir um café com a mulher. Mas acabou por se embrenhar na construção de réplicas de embarcações da época dos descobrimentos. Agora, as suas 23 miniaturas vão correr mundo com o vinho do Porto. E ele irá atrás, novamente.
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Olhar reguila e riso escancarado, Albino Costa, 66 anos, começa a desfiar conversa sobre o tempo em que andou à pesca do bacalhau no Canadá e na Gronelândia. Dos anos em que esteve emigrado na Holanda como marinheiro e cozinheiro de navios de longo curso. Atracou depois em Canidelo, Vila Nova de Gaia, para abrir um café com a mulher. Mas acabou por se embrenhar na construção de réplicas de embarcações da época dos descobrimentos. Agora, as suas 23 miniaturas vão correr mundo com o vinho do Porto. E ele irá atrás, novamente.
O gosto pelas embarcações corre-lhe no sangue, vem-lhe da numerosa família da comunidade piscatória da Afurada, onde se fez homem. Depois de uma vida dura, volta agora a viajar como autor das 23 réplicas, avaliadas em um milhão de euros, agora alinhadas no armazém da Quinta da Boeira, ladeadas de pipas e vinho do Porto.
O artesão não poderia estar mais satisfeito com “este milagre” porque vai “concretizar o sonho de as levar a Espanha, ao Museu do Vinho em Paris, França, Dinamarca, Brasil e China". Ainda há pouco regressou da primeira exposição, em Madrid, organizada pela sociedade Quinta da Boeira - Arte e Cultura, que detém o direito de usufruto das peças durante cinco anos, com o apoio da Federação das Confrarias Báquicas. “Foi um sucesso! Ficaram maravilhados. Não acreditavam que eu tinha feito sozinho toda a colecção”, conta o antigo pescador. Entre os mais de 400 convidados, estavam elementos da família real e o almirante da marinha espanhola.
“Quem diria que iria percorrer o mundo, de novo, com as réplicas das embarcações que fiz minuciosamente, com as mãos, ao longo de mais de duas décadas?”, interroga-se. A mulher Maria Torres, que o acompanha nestas andanças, acrescenta, sorridente, que “ele sempre sonhou com o reconhecimento do seu trabalho noutros países”.
O gosto pelos barcos já vem da meninice. “Cortava as latas de bebidas, amassava-as para fazer a proa e atrás metia um bocado de madeira para fazer a ré do barco”, conta o artesão, que aos 16 anos fez uma traineira em miniatura. A sua vida na faina começou cedo. Com 13 anos foi para a pesca da lampreia no rio Douro, depois andou na pesca da sardinha, em Matosinhos, e aos 18 vai atrás do bacalhau na Gronelândia e Terra Nova. Esteve ainda mais seis anos em navios de longo curso. Por esta altura, já era casado com Maria Torres, que ficava sempre com o coração nas mãos quando ele partia para mar alto. “Ficava oito ou nove meses fora”, queixa-se a mulher, aliviada por Albino Costa ter deixado para trás a lide do mar, em 1985, para montarem o negócio do café. Foi quando o antigo pescador construiu uma caravela e viu a casa ser invadida por um mar de gente para a ver. Ganhou-lhe o gosto e embrenhou-se de tal forma nas construções que até deixou de ir tantas vezes para trás do balcão. “Ia para o café, sim, mas para montar as velas”.
“Apaixonei-me, porque todas as embarcações têm muito da história portuguesa da época dos Descobrimentos”, diz, enquanto aponta para a sua “menina, a mais jeitosa de todas” - o Galeão da Armada do Brasil. “Ninguém sabe de que animal é a cabeça da proa deste galeão”, diz satisfeito enquanto segue em direcção à Flor de la Mar, construída em 1502 em Lisboa para a Armada da Índia. E que, em 1511, participou nas conquistas de Ormuz, batalha de Diu, conquistas de Goa e de Malaca. Mas naufragou e com ela um dos maiores tesouros - o espólio que Afonso Albuquerque ia oferecer ao rei D. Manuel I, assim como os presentes do rei de Sião para este monarca português, lê-se no livro Modelos de embarcações históricas portuguesas dos séculos XVI a XIX, do historiador Gonçalves Guimarães. Foi editado propositadamente para acompanhar as exposições.
“Lá está a nau do Colombo”, aponta o antigo pescador para logo, de seguida, desviar a atenção para as naus da Armada da Índia e do Oriente, do século XVI, e para a fragata Rainha de Portugal, do século XIX. Ou a Nau de 100 Canhões, do século XVIII, “com uma porta lateral para entrada e saída de cavalos que os portugueses introduziram no Brasil”, lê-se no mesmo livro.
35 quilos de cola
Nalgumas destas peças, há uma balança em miniatura para pesar ouro e especiarias, um garrafão de vinho, canhões e âncoras, entre muitos outros detalhes. “É um trabalho muito pormenorizado, como os cabos, as roldanas e as velas em pano-cru, que cansa muito a vista”, lamenta Albino Costa que garante não fazer mais. “Não suporto os cheiros da cola que me fazem mal aos olhos”, conta o artesão que gastou 35 quilos nestas embarcações.
Dizem-lhe os especialistas que são obras de arte, “únicas no mundo nestas dimensões - 1,20 metros a mais pequena e 2,20 metros a maior”. Mas, construí-las não foi tarefa fácil. Chegou a ter insónias de noite só do nó que lhe dava na cabeça quando “empancava na construção de uma embarcação sem saber como a terminar”. Ou faltavam acessórios que tinha de construir em miniatura ou mandar vir de Espanha. “Sofri muito e muita lágrima chorei sempre que empancava e não sabia como terminar. Pedi muitas vezes ajuda a Deus”, conta Albino Costa. De manhã ao acordar, fazia-se logo luz e lá continuava o trabalho manual.
Cada vez que começava um trabalho, o primeiro passo era pegar “num pau enorme e cavá-lo no meio para fazer o casco para depois se meter as tábuas”, conta o artesão. “Depois pego numa folha de cartão e olho para a fotografia da embarcação, faço um molde, com recurso a uma régua e meto a madeira por cima”. Mas, no final, conclui, se lhe calhava mal a pintura, lá ia o trabalho de meses por água abaixo.
A ansiada divulgação
“Se não fosse a Quinta da Boeira, as embarcações poderiam ficar empilhadas a apodrecer na oficina”, diz o artesão. E todo o trabalho de duas décadas iria borda fora, tendo em conta que uma destas peças demora entre nove a doze meses a construir. “Andei oito anos a pedir para me ajudarem a divulgar o meu trabalho. Certo dia, um senhor telefonou para a sociedade Quinta da Boeira - Arte e Cultura. E aqui estamos agora”.
Ainda se lembra do dia em que Albino Jorge, um dos administradores daquela sociedade, lhe entrou porta dentro para ver as suas “meninas”, encaminhado pelo amigo que já lá tinha estado. “Estava ali um trabalho gigantesco, com muitas horas, que merecia ser revelado”, afirma o empresário, apoiado por Carlos Pinto Ribeiro, outro administrador desta sociedade vinícola: “E que merecia toda a visibilidade que não tinha até então”.
E assim foi. Albino Jorge propôs ao artesão “interligar as embarcações com os produtos vinícolas da sociedade gaiense” numa exposição em vários países para promover o vinho do Porto da Quinta, em alusão às embarcações reais que percorreram mundo na época dos Descobrimentos, transportando vários produtos. Outro dos objectivos era comemorar os 500 anos da primeira viagem de circum-navegação, em 1519, do navegador Fernão Magalhães.
O artesão nem pestanejou e logo aceitou a aventura para mostrar as suas “meninas”. Lá por casa, guarda muitas mais, como a réplica do navio Titanic, com 1,60 metros de comprimento. E outras, várias, que contam a história da navegação mundial.