A utopia dos pós-humanos
Há uma linha ténue que faz a fronteira entre o sermos humanos e robôs. Ou pós-humanos.
Já passaram 20 anos desde que a tecnologia da clonagem mostrou de forma inequívoca a sua eficácia — a ovelha Dolly nasceu a 5 de Julho de 1996 — e ainda não fizemos bebés humanos clonados. Ao contrário do que se disse na altura. E apesar de a tecnologia existir.
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Já passaram 20 anos desde que a tecnologia da clonagem mostrou de forma inequívoca a sua eficácia — a ovelha Dolly nasceu a 5 de Julho de 1996 — e ainda não fizemos bebés humanos clonados. Ao contrário do que se disse na altura. E apesar de a tecnologia existir.
A bioética tem sido — e aqui roubamos a imagem a Maria do Céu Patrão Neves, entrevistada pelo PÚBLICO a propósito do seu novo livro — a “estufa das ideias repugnantes” que os cientistas ousam investigar ou pensar; o lugar de debate onde novas ideias avassaladoras — e assustadoras — amadurecem até serem aceites pela maioria. Ou não. Por vezes, as ideias morrem no decorrer desse debate dentro da estufa.
Tal como nos anos 1990 se pensou sobre o que seria se a clonagem se aplicasse aos humanos, hoje pensamos, por exemplo, nas consequências para a identidade e para a própria noção de natureza humana do que será uma criança ter três pais biológicos. Esta não é uma abstracção, nem uma utopia, nem ficção científica. É uma nova lei do Reino Unido, aprovada em 2015 e que deverá entrar em vigor dentro de poucos meses.
Como na esmagadora maioria dos avanços científicos na área da biotecnologia, esta lei que permite a fertilização in vitro com recurso ao material genético de três pessoas — duas mulheres e um homem — foi aprovada com um objectivo médico benigno e mais do que razoável: evitar um grupo de doenças genéticas que afectam uma em cada 6500 crianças.
Estes constantes “melhoramentos” humanos levam-nos todos os dias mais longe e mais perto do desconhecido. E por isso os passos na biotecnologia têm de ser dados com prudência. Nenhuma inovação tecnológica é inócua. Não se pode perder a audácia da ciência, mas não se pode perder a lucidez da ética. Há anos que sentimos que o tempo está a correr depressa de mais, que a imortalidade está à porta e que é apenas uma questão de tempo até podermos ter olhos biónicos — com visão periférica de 360º como os coelhos, visão a 5km de distância como as águias, sensibilidade ao ultravioleta como os cães, ao infravermelho como os mosquitos e à luz polarizada como os pombos.
Não serão os médicos e investigadores presos à ideia do “impossível” que vão fazer o mundo avançar. Mas os que, com saber e criatividade, trabalham para que as utopias se realizem têm de ter balizas. É nesta linha ténue que está a fronteira entre o sermos humanos e robôs. Ou pós-humanos.