Descer ao ventre da Terra e perceber se tudo o que brilha é ouro
Alice teve um coelho apressado que a atraiu até um buraco e lhe revelou o país das maravilhas. Nós temos um Roteiro de Minas, que nos indica vários pontos de interesse geológico e através do qual podemos ver o mundo a crescer e a encolher a velocidades estonteantes. Não é só uma questão de paisagens
Há qualquer coisa de magnético quando se fala de minas e de mineiros. Quem nunca se impressionou com histórias de valentia e de sobrevivência, de corridas ao ouro, de acidentes trágicos e de resgates épicos que atire a primeira pedra. Eu cá sou das que dá o braço a torcer — em vez de atirar pedras, confesso os meus telhados de vidro. Aquela frase atirada para a superfície pelo grupo de mineiros que ficou soterrado a 700 metros de profundidade nas Minas de São José, no deserto de Atacama, no Chile, continua a ser um dos maiores símbolos de sobrevivência e resistência.
A história está contada em livros, ficou registada em filme e até deu lugar a conferências para líderes empresariais — um dos sobreviventes contava na primeira pessoa como é que se cria uma equipa coesa, a lutar para um objectivo. Neste caso, um objectivo supremo: a própria sobrevivência, com escassez de comida, de água, de oxigénio. Pois a mim o que impressionou foram as reportagens que captaram a reacção das famílias, que acamparam à entrada da mina, dia e noite, à espera da subida dos seus: lágrimas e júbilo, mesmo quando sabiam que havia tantos desafios por vencer. Eles estão bem. No refúgio. E vão sobreviver.
Esta história é de 2010, e lembro-me de a ver quase em directo na televisão. Talvez este relato me tenha emocionado mais por causa de uma viagem que tinha feito à Bolívia, uns meses antes. Não resisti ao desafio de ir experienciar um pouco da vida dos mineiros de Potosi, uma das cidades mais altas dos Andes, acima dos 4000 metros. Há quem vá visitar géiseres e paisagens de outro mundo. E há quem desça às entranhas da Terra. E há quem não resista a fazer as duas, como eu.
O monte de Cerro Rico (o nome diz quase tudo) foi esventrado em centenas de quilómetros, desenhando as galerias de onde saiu quase toda a prata que enriqueceu o império espanhol, no tempo em que o mundo estava dividido em dois pelo Tratado de Tordesilhas. Mais de 600 anos depois, as minas de Cerro Rico continuavam a ser garimpadas por mineiros a quem a melhor prenda que poderíamos levar era umas folhas de coca para mascar (uma tradição local para combater os males da altitude) ou umas barras de dinamite. Sim, à entrada da mina o dinamite é de venda livre. E esta foi a experiência mais bizarra a que já me sujeitei: comprar dinamite para oferecer a um mineiro que pagava do seu bolso o material para trabalhar, na expectativa que as horas de trabalho árduo no calor dos infernos lhe permitisse descobrir prata para ficar suficientemente rico. E, afinal, talvez nem lhe chegue para pagar as despesas.
Agora que já contei os meus telhados de vidro, e confessei o meu espanto e admiração por quem se aventura pelas entranhas da Terra para dela retirar os minerais de que todos precisamos, talvez se perceba melhor por que é que o tema é magnético para mim. Se pensarmos bem, e resistirmos à tentação de dar tudo por adquirido sem sequer ponderar de onde vêm os materiais que são usados em praticamente tudo o que consumimos, não há tema nenhum que não nos leve a conversas sobre minas e pontos de interesse geológico. O tema deveria ser magnético para todos.
Não é só uma conversa de tabela periódica e das aulas de Física e Química. Nem é só uma questão de paisagens e de pedras: nós nem damos por ela, mas as pedras falam muito alto, algumas gritam até — se quisermos pensar que são gritos cada camada de rocha que hoje nos oferecem algumas das mais impressionantes paisagens naturais como as que existem nos Geoparques Macedo de Cavaleiros, Arouca ou Naturtejo da Meseta Meridional.
Pode-se conhecer pouco, ou quase nada, do que é, e do que foi, a actividade mineira. E não se pode, ou não se deve, dizer que Portugal é um país de mineiros — até porque não devemos virar as costas ao mar, o lugar onde sempre colocamos os nossos heróis. Mas podemos olhar melhor para o património que temos em frente aos olhos e debaixo dos pés. E atrevermo-nos a explorar o interior da Terra e ceder ao fascínio que conseguir ler as histórias com milhões de anos que nos contam as páginas dos monumentos geológicos, verdadeiros compêndios de ciência.
Em Portugal os turistas não serão nunca convidados a vivenciar experiências como a que vivi na Bolívia — e ainda bem. Porque a legislação portuguesa e europeia não permitiria nunca que uma mina como a de Cerro Rico continuasse a ser explorada nos limites de salubridade e segurança. Aliás, essa legislações impõe agora a quem se propõe avançar com alguma actividade extractiva que apresente, em conjunto com o plano de mineração, um plano de recuperação de toda a área que foi explorada. E as laborações das fábricas já não podem ser adivinhadas pelo fumo da chaminé: é verdade, não há fumo. Nem branco, quanto mais negro.
Há em Portugal muitos pontos de interesse mineiro e geológico. E há quem já tenha pensado nisso e feito, por nós, o trabalho de casa: o Roteiro das Minas e Pontes de Interesse Mineiro e Geológico de Portugal é uma iniciativa da Empresa de Desenvolvimento Mineiro - EDM e da Direcção-Geral de Energia e Geologia - DGEG, que reuniu esforços com três dezenas de parceiros para oferecer outras tantas propostas de carácter lúdico, cultural, pedagógico, científico e até terapêutico. Numa página na Internet, onde se recolhe a informação básica de cada um desses pontos no roteiro, é possível construir itinerários e rotas pessoais, e fornecer toda a informação “logística” de apoio ao visitante.
Foi esse desafio que a Fugas aceitou e aqui traz nas próximas páginas. De Norte a Sul do país, o Roteiro de Minas traz-nos muitas e variadas propostas. Esta foi a nossa selecção, numa tentativa de conseguir alguma abrangência geográfica e diversidade em termos das experiências que o roteiro permite.
Vamos falar de muitos metais e de muitas pedras, de locais que nos encantam à vista desarmada (como a contemplar a escarpa da pedreira abandonada de quartzo que está à entrada do museu, em Viseu) e que nos espantam, quando despimos medos do escuro e imaginada claustrofobia para nos aventurarmos pelas entranhas da Terra à procura de descobrir se tudo o que brilha é ou não ouro. E confirmar que a natureza é profundamente generosa.
Estes romanos são doidos
Complexo Mineiro de Tresminas
São os granitos que dominam Vila Pouca de Aguiar, mas foram os xistos e os calcários negros que abundam num dos extremos da serra da Padrela que permitiram depósitos à superfície de inusitadas quantidades de ouro. A geologia ajudará a explicar isto tudo (e o Centro Interpretativo de Tresminas também) mas o que mais surpreende em todas estas explicações é perceber como uma paisagem monumental pôde ser trabalhada de forma massiva e, depois de 18 séculos de abandono, ter chegado aos dias de hoje muito bem preservada — ao ponto de estar agora a dar os primeiros passos, numa parceria com a vizinha Las Medulas, em Espanha, para se ver inscrita na lista de Património Mundial da Humanidade.
Tudo é impressionante em Tresminas. No conjunto das crateras de exploração a céu aberto, as chamadas Cortas (e em Tresminas são três: das Covas, das Lagoinhas e da Ribeirinha), foram removidos cerca de 3,3 milhões de metros cúbicos, o equivalente a 9,24 milhões de toneladas de rocha, e retirados 20 mil quilos de ouro — uma quantidade que permitiu cunhar cerca de 2,5 milhões de moedas.
Para obter o ouro é necessário desfazer essas rochas (manualmente, com picos, maços e cunhas), até as reduzir a um tamanho tão fino que permita separar o ouro por gravidade (pesa mais do que os restantes materiais). Foram precisos mais de 2000 homens a trabalhar diariamente, durante 250 anos. Os romanos instalaram-se, de facto, na região da Padrela e nela desmontaram montanhas, desenharam um emaranhado de galerias subterrâneas, que serviam para escoar o minério e para passagem de água, e poços, que serviam para ventilação e também para a retirada de materiais.
Gregorio Garcia e Marisol Blanco vivem do outro lado da fronteira, em Verín, onde trabalham na vigilância florestal. Ambos conhecem relativamente bem a actividade mineira — sobretudo os perigos para quem anda a combater incêndios. “Em qualquer sítio, no meio da floresta, há uma galeria abandonada. Durante a noite é muito fácil um bombeiro cair num desses buracos. São um perigo, porque quase nada está sinalizado”, protesta Gregorio. Chegaram a Tresminas sem planos nem marcações, mas muita vontade de conhecer.
Meteram-se ao caminho no Trilho dos Miradouros, um circuito curto, gratuito, bem sinalizado, de pouco mais de um quilómetro e que permite aceder aos pontos estratégicos para contemplar a imensidão das cortas mineiras de Covas e Ribeirinha. Foi lá que os encontrámos, e foi lá que pediram para nos fazer companhia no trilho seguinte — esse sim, carece de marcação e de guia. No trilho da Corta da Ribeirinha o objectivo é perceber de que forma a exploração do ouro em Tresminas conjugou a actividade a céu aberto com a actividade subterrânea. Depois de descer até ao centro da corta da Ribeirinha este trilho inclui uma visita ao interior da Galeria dos Alargamento, para perceber o complexo esquema de galerias e poços e adivinhar métodos que à época seriam sofisticadíssimos e revolucionários. Espaços oficinais dentro das galerias, canais amplos que permitiam a passagem de carregamentos sobre rodas, de tracção animal, uma espécie de precursor do que viria a ser o caminho-de-ferro, escadas interiores a dar acesso a outras galerias e galerias que dão acesso a outra corta. Patrícia Machado, a arqueóloga da câmara que nos guia a visita, ensina-nos, até, a vislumbrar os vestígios de ouro nas paredes das minas — ensina-nos tudo isso e também a não incomodar os morcegos, espécie protegida e abundante por aquelas bandas.
Minas de Ouro de Castromil e Banjas
A proposta do serviço de arqueologia da Câmara Municipal de Paredes é visitar o Centro de Interpretação das Minas de Ouro de Castromil e Banjas, instalado desde 2013 numa velha escola primária recuperada em pleno centro da aldeia, e onde há informação abundante em ambiente interactivo. Para além das pedras com dois mil anos que nos mostram como trabalhavam os moinhos (para desfazer o minério), de exemplares de lucernas (qualquer semelhança com a lâmpada do Aladino é pura coincidência) e de muitas explicações sobre como a natureza se organizou para que as rochas metassedimentares e as falhas geológicas permitissem o aparecimento (e a exploração) do ouro, há também uma curiosa maquete que oferece uma visão integrada de todo o espaço. A maquete foi oferecida por uma das últimas empresas que tentou avançar com uma concessão de ouro em Castromil, e que acabou rejeitada por pretender fazer uma exploração a céu aberto, pouco compatível com as apertadas legislações ambientais e com a cada vez maior mobilização das populações locais.
Sair do centro de interpretação com todas estas explicações e referências torna muito mais fácil perceber a actividade mineira propriamente dita, logo na fase seguinte da visita.
Depois de vermos filmes e maquetes já conseguirmos perceber, na hora, o que é uma corta, o espaço de exploração ao ar livre, em que a “montanha” vai sendo “desmontada” à força de água e fogo e deixamos reservada a emoção maior para a hora de entrada numa das galerias subterrâneas que estão disponíveis para visita.
Recomenda-se calçado confortável (e impermeável) e que seja levada muita a sério a obrigação de usar um capacete na cabeça, que é oferecido na visita. Isto porque nos vamos sentir uma espécie de Alice no País das Maravilhas. Não só porque a entrada da galeria faz lembrar, e muito, o buraco onde se enfiou o coelho apressado, mas também porque vamos sentir que o mundo vai crescer, e encolher, a velocidades estonteantes.
Ora estamos de pé, sem problemas, a olhar para as paredes da galeria e a tentar perceber a diferença dos dois tipos de ouro que existiam na região (em Castromil o ouro aparece em partículas de electrum, quase sempre microscópicas; nas Banjas, o ouro aparece em estado quase puro, e muitas vezes, com pequenas pepitas visíveis a olho nu), ora estamos a forçar-nos a baixar as pernas para o corpo continuar a caber em canais que, subitamente, parece que encolheram. Damos por nós a pensar: alguns destes romanos tinham que ser muito pequeninos. Ou então eram doidos. E razão tinham os gauleses que viviam na aldeia do Asterix.
Parque Paleozóico de Valongo
O Parque Paleozóico de Valongo tem quilómetros de trilhos marcados, acessíveis a todos os que gostam de caminhadas e de natureza, sabendo que, no caso, estará a percorrer importantes jazidas de fósseis que têm despertado o interesse dos paleontólogos nacionais e internacionais. E tem também identificadas mais de 350 cavidades a denunciar o grande interesse mineiro que os romanos tiveram na região. Nesta serra os filões de ouro surgem associados ao quartzo, que precisava de ser desmontado da rocha, e depois triturado e processado na “lavaria” que o deixaria no estado mais puro possível. A técnica romana era tão simples quanto eficaz: seguir o filão na rocha, quer este vir à esquerda ou à direita ou obrigue a escavações profundas.
É assim o Fojo das Pombas, a mais famosa de todas essas cavidades: estreito, sinuoso, profundo. Perfeito para quem gosta de aventura ou, até, de um bom desafio de espeleologia — já há autorizações para fazê-lo, mas não será qualquer inexperiente que ali desce de corda amarrada à cintura. Dispensámos as cordas e fizemos a visita normal, numa altura em que também alunos de escolas secundárias dos vizinhos concelhos de Paredes e Penafiel se preparavam para descer depois de nós.
A emoção está garantida — e até é preciso avisar que há um sítio apropriado para a melhor selfie (com enquadramento para um precipício claro, mas sempre em segurança). Durante a visita explica-se como os romanos procediam ao desmonte da pedra e escavavam a pedra até aos limites do fisicamente possível, usando a força braçal, a água e o fogo. Maria Encarnação Silva, professora de Ciências Naturais que ali traz os seus alunos do sétimo ano, há muito tempo tem já a certeza do que lhe vão dizer: “Que o Fojo das Pombas é a melhor parte da visita de estudo.” O Centro de Interpretação Ambiental ali ao lado que nos desculpe, mas é que não nos custa mesmo nada acreditar.
As histórias nas paredes das fábricas e dos museus
Fábrica da Lousa
Há neste momento em toda a Europa cerca de 30 mil pedreiras e minas activas. Uma das mais antigas que continua em laboração, em Portugal, é a pedreira que a Empresa de Lousas de Valongo (ELV) continua a explorar, desde 1865. A Pedreira da Milhária, assente no chamado “anticlinal de Valongo”, que permitiu o afloramento da ardósia e a sua exploração à superfície, tornou-se na pedreira mais antiga em actividade de que há registo em Portugal, com 15 hectares de área extractiva e reservas para vários anos.
A ELV é proprietária de mais de 100 hectares na faixa lousífera de Valongo — esta empresa tem enormes reservas de matéria-prima, mesmo com uma capacidade de produção que ultrapassa os 200 mil quadrados por ano. E surge como o complemento ideal a uma visita prévia ao Museu da Lousa, situado em Campo, Valongo, concelho de grande tradição mineira, e no qual é possível perceber como seria uma casa de família e conhecer as difíceis condições de trabalho, e de vida, a que se sujeitavam.
Apesar de já muitos minérios terem sido extraídos da região, é pela ardósia que o concelho continua a ser conhecido.
Toda a ardósia comercializada pela ELV é extraída da mesma pedreira, numa gigantesca mina a céu aberto, de onde são retirados, mecanicamente, gigantescos blocos, de aproximadamente 16 toneladas cada, antes de serem seleccionados e encaminhados para os sectores da transformação. Se antes eram só homens a fazer este trabalho, quase não o conseguimos imaginar. Hoje presenciamos no interior da fábrica que as máquinas tomaram o lugar de quase toda a gente. E o quase é importante, porque há uma tarefa específica que não são as máquinas a desenvolver: a clivagem da pedra (o acto de a separar ou dividir) à conta de um macete e de um pulso. E a lousa, àquelas mãos experimentadas, mais parece manteiga sob uma faca.
Maceira-Liz
Não havia quem me convencesse que a fábrica da Secil em Maceira-Liz estaria a funcionar naquele domingo. O aspecto ordenado e limpo no seu exterior, os poucos carros no parque de estacionamento, a ausência de fumo a sair pela chaminé. Mas estava, ainda que não a todo o gás — ou melhor, sem grandes quantidades de pneus, que 50% do consumo energético da fábrica é proveniente de energias alternativas, como a queima de pneus velhos, mas só porque não tem havido encomendas que o justifiquem. O consumo de cimento é, de facto, um bom indicador da crise em que mergulhou o sector da construção.
A Empresa de Cimentos de Leiria foi fundada por José de Rocha de Mello, um tecnocrata que foi estudar engenharia para a Suíça e que quando regressou a Portugal fez sociedade com Henrique Sommer, um financeiro de origem alemã. É difícil resistir à tentação de dizer que foi por causa disso (da proverbial pontualidade e eficiência suíça ou do caricaturado rigor alemão) que surgiu no lugar de Maceira-Liz a “fábrica modelo” tal como a concebeu Rocha e Mello.
Mais de 70 anos depois, a fábrica continua a funcionar, mesmo a um domingo de manhã, e o bairro operário que a circunda continua cheio de moradores. Um deles é Augusto Pinto Monteiro, que depois de trabalhar 38 anos na fábrica a fazer cimento que era, e é, exportado para os quatro cantos do mundo, nos abre as portas do Museu da Fábrica e nos guia numa visita que tem tanto de Ciências Naturais como de Ciências Sociais.
Esta verdadeira “cidade” nasceu ali, por estar no preciso vale em que as formações calcárias da serra da Arrábida se separam das formações argilo-calcárias que se estendem até Setúbal: são elas que disponibilizam o calcário, a marga e a argila, as três matérias-primas de que é feito o cimento. Augusto lembra-se bem do apito que às horas certas chamava os trabalhadores para a fábrica, e, por ter nascido ali, assistiu praticamente ao nascimento daquela cidade operária onde não falta nada: escola primária, posto médico, capela, casa do pessoal, barbearia, restaurante, cooperativa, parque infantil, instalações desportivas. Conta-nos a história toda recorrendo a um invejável espólio (fotográfico e não só) antes de nos guiar fábrica fora, até à pedreira dos Calcários.
O plano de lavra desta pedreira diz que ela ainda poderá descer mais dois patamares e nós já estamos impressionados com a dimensão e a profundidade que ostenta. O Observatório da Pedreira de Calcários é também um local privilegiado para observar algumas aves de rapina e aves aquáticas que procuram a pedreira como local de alimentação, refúgio ou nidificação.
Museu do Quartzo
O Museu do Quartzo abriu portas em Viseu em 2012 e é o único no mundo dedicado a este mineral. Assim dito, quase que era suficiente para justificar a inclusão neste roteiro. Mas é preciso dizer também que, do alto do Monte de Santa luzia, há como que uma espécie de janela aberta para a crosta terrestre — o janelão do museu que está orientado para uma impressionante parede de quartzo é isso mesmo, um acesso privilegiado ao ventre da Terra. O Monte de Santa Luzia teve no passado exploração deste mineral (entre 1961 e 1986), e a construção do museu (que recebeu a coordenação científica do paleontólogo Galopim de Carvalho) foi uma excelente forma de a requalificar. Porque quem visitar este museu não vai ficar a perceber apenas tudo o que diz respeito ao quartzo e à forma como ele é extraído e processado. Vai também ficar bem mais consciente da importância do património geológico em todas as suas características, científicas e económicas. Com recurso a várias experiências interactivas, e todas de grande apelo e acuidade visual, vai perceber que lá porque o quartzo é o segundo mineral mais comum na crosta terrestre (perdeu a corrida para os feldspatos) não quer dizer que seja fácil encontrá-lo nas suas vertentes cristalinas, que permitem utilização em joalharia e artes decorativas. E vai poder contemplar belíssimos exemplares de minerais, recolhidos em vários pontos do mundo.
Igualmente marcante, e não só para os miúdos, para quem foi inicialmente pensado, a área pedagógica vai revelar curiosidades para todos. Se “a casa é uma máquina de morar”, como avisava Le Corbusier, a que está montada no primeiro piso do museu vai revelar os minerais que existem em cada divisão: desde o fogão na cozinha ao chuveiro da casa de banho, passando pelo lápis em cima da secretária ou o candeeiro no quarto.
Geopark Naturtejo
Foi o primeiro geoparque nacional, ocupa uma imensidão de espaço (sete municípios, 4600 quilómetros quadrados) e conta a história de uma avassaladora imensidão de tempo: 600 milhões de anos. A história poderá ser lida por qualquer curioso ou entendido em geologia, mas não temos problemas em confessar que dá um inegável incremento à visita ser acompanhado por um guia com o talento e o entusiasmo que mostrou Carlos Neto Carvalho — o geólogo que é, também, o director do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional.
Ao ouvi-lo parece fácil imaginar, e perceber, como surgiu a Falha do Ponsul, um “degrau” na paisagem ao longo de 120 quilómetros, com origem num movimento de há 300 milhões de anos, quando os continentes colidiram para formar o supercontinente Pangea. E a partir da plataforma do Castelo de Vila Velha de Ródão, em plena serra das Talhadas, “o gigante quartzítico”, como se lhe refere o nosso guia, é também fácil olhar com outros olhos para a garganta das Portas de Ródão (e ter a sorte de espreitar a maior colónia de grifos que existe em Portugal) ou perceber a imensidão do Conhal do Arneiro, uma lavra a céu aberto que ocupa uma extensão de quase 70 hectares, em que os romanos extraíram ouro por desmonte gravítico. Há um trilho pedestre que permite conhecer a totalidade deste local — o Trilho do Conhal. Assim como há outros, como a rota das minas (que está temporariamente encerrada para manutenção) que nos levam até ao couto mineiro de Segura, de onde se extraiu volfrâmio, estanho, ouro, zinco e chumbo.
Este parque surgiu em 2006 e desde então tem sabido organizar-se, multiplicar-se em propostas e desafios que estão ao alcance de qualquer cidadão. Basta seguir as indicações das rotas pedestres que estão devidamente sinalizadas e agrupadas por temas. Já são cerca 40 e oferecem quase 500 quilómetros de trilhos, pelo que o mais difícil poderá ser escolher por onde começar. Mais vale pensar que precisa de voltar mais vezes do que ficar assustado com a imensidão. O Geopark Naturtejo tem 16 geomonumentos entre as suas fronteiras, e dois dos mais procurados são a aldeia histórica de Monsanto, um monte-ilha (ou inselberg) granítico que ainda não perdeu o epíteto de aldeia mais portuguesa de Portugal; o outro é o Parque Iconológico de Penha Garcia, em Idanha-a-Nova.
Uma região de classe mundial
Mina de São Domingos
O anúncio mostra uma praia de areia limpa com guarda-sóis de madeira. Não há ninguém no areal, estamos no concelho de Mértola, a imagem contrasta em altos berros com as imagens do Algarve que associamos ao Verão. A única inscrição exorta: “Ainda há lugares assim” e, constatamos nós, não se trata de um golpe publicitário. A surpresa é real, sobretudo quando se trata das Minas de São Domingos, um couto mineiro de larga dimensão, tão extenso que ninguém se atreve a contabilizar qual é a área que ocupa, em toda a sua extensão. Nem a Fundação Serra Martins, a instituição de direito privado (participada pela Câmara de Mértola e pela La Sabina, a empresa que ficou com o espólio, com a falência da britânica Mason& Barry) e que está a lutar pela preservação a nível social, ambiental, patrimonial e paisagístico daquele interminável legado.
A praia fluvial do folheto — que, na verdade, se chama praia da Tapada Grande — existe mesmo, numa das duas albufeiras de água doce que foram projectadas para abastecer de água a população que se instalou no local, e permitir um conjunto de canais durante a exploração da mina. E logo ali ao lado também existem albufeiras de água ácida, vestígios daquela que dizem ter sido a primeira linha de comboio a funcionar no país (para ligar a mina à auto-estrada fluvial que já era o Guadiana, no porto do Pomarão) e, sobretudo, quilómetros de paisagem que parece saída de outro mundo. Escombreiras gigantescas, cortas mineiras preenchidas de água ácida de um vermelho berrante, esqueletos de fábricas antiga abandonadas há décadas.
Desde a Antiguidade que se procede à extracção de minérios na chamada faixa piritosa ibérica. Ouro, prata e cobre nos períodos romanos e pré-romanos. Cobre, zinco, chumbo e enxofre no período moderno. Em São Domingos, a britânica Mason & Barry fez laboração contínua entre 1858 e 1966, sempre com mais de um milhar de trabalhadores nas suas fileiras.
Miguel Soeiro, de 81 anos, foi um dos que trabalhou até ao último dia. Começou aos 16 anos na fábrica do enxofre, ficou desempregado 15 anos depois, com a falência da empresa. “Fui trabalhar para Moscavide. Mas mal me reformei vim para aqui. Reformei-me a uma quarta, na quinta já estava em São Domingos a descarregar as minhas coisas”, conta. Encontramo-lo à porta do antigo cine-teatro, hoje um pequeno museu, e o melhor local para começar todas as visitas.
De garrafa de água na mão (“Tenho um problema nos pulmões, não posso estar muito tempo sem beber água”, explica), Miguel Soeiro acedeu a acompanhar-nos até à Achada do Gamo, o centro das actividades metalúrgicas sobre os minérios que ali foram extraídos, onde pontuam os escombros da fábrica de enxofre onde ele trabalhou. Conta que já lá não ia “há muitos anos”, mas lembra-se, “como se fosse ontem”, onde estava a trituradora, onde ele próprio se ocupava “na lavagem do enxofre”, onde se pesavam e separavam materiais. Ao contrário do pai, “que descia ao fundo da mina”, Miguel Soeiro não se sente um herói. “Estive sempre à superfície.” Mas habituou-se a partilhar todas as histórias que sempre ouviu circular pelas mais de 30 ruas da aldeia, quando era mais novo, e vivia com os pais e sete irmãos numa casa de duas divisões. Era uma vida dura. “Mas eu não queria ter outra”, confessa.
Mina do Lousal
A aldeia Mineira do Lousal, no concelho de Grândola, chegou a ter 2500 habitantes, e mais de 1100 operários, ocupados na extracção de pirite, importante para retirar o enxofre que era utilizado em fertilizantes. Funcionou entre 1900 e 1988, tendo posteriormente sido abandonada. O processo de reabilitação social, económica, ambiental e patrimonial, que permitiu a requalificação de várias estruturas, transformaram o Lousal actualmente num dos melhores sítios do país para conhecer, de forma musealizada, a actividade mineira que existiu na região.
O Centro de Ciência Viva do Lousal disponibiliza visitas guiadas a toda a área mineira, permitindo que ninguém saia de lá sem saber o que é um “chapéu de ferro” (uma rocha de cor intensa que é normalmente a parte superior de um jazigo mineral, e era, por isso, o melhor indicador de que haveria um filão para explorar) , um “malacate” (uma estrutura em forma de torre assente sobre os poços das minas, e que tem por finalidade içar matéria prima e descer trabalhadores) ou uma “corta mineira” (área de exploração a céu aberto). E, já no interior da Galeria Waldemar, a primeira galeria subterrânea que foi aberta no Lousal, e que está aberta ao público há menos de um ano, perceber que os ratos podem ser os melhores amigos dos homens.
A experiência na nova aldeia do Lousal ficará completa se, por acaso, for feita a um fim-de-semana e incluir uma passagem pelo restaurante existente no local. É que a uma mesa do canto costumam juntar-se antigos mineiros. E ao fim das refeições costumam brindar todos os presentes com demonstrações improvisadas de cante alentejano.
Minas de Aljustrel
Desde há cinco mil anos que há registo de exploração mineira em Aljustrel, embora com períodos de interregno. No museu de Aljustrel e no chapéu de ferro de Algares — dois pontos que podem ser visitados — encontram-se também os vestígios das ruínas romanas de Vipasca. A paisagem de Aljustrel é, toda ela, muito dominada pela actividade mineira, com a presença de malacates e chaminés das fábricas.
O malacate do poço de Viana e o núcleo da central de compressores são outros dois pontos de visita que permitem conhecer a importância da actividade mineira no concelho e na região. Mas aqui não se está a falar apenas de passado, uma vez que o couto mineiro de Aljustrel ainda tem uma exploração activa, concessionada à Almina, e onde colaboram cerca de meio milhar de pessoas na extracção de minério e produção de concentrados de cobre.
A qualidade — e, já agora, a beleza — do subsolo de Aljustrel vai em breve ser visitável, com a abertura ao público da chamada Galeria 30, junto ao Malacate Vipasca. Esta galeria faz parte do projecto do Parque Mineiro de Aljustrel, que tem vindo a ser desenvolvido ao sabor da aprovação de candidaturas aos fundos comunitários. As obras de recuperação da galeria estão praticamente concluídas. Mas ainda não há data prevista de abertura ao público.