Gastos com comida crescem mas ainda a passo de caracol

Nos primeiros cinco meses do ano os portugueses aumentaram o consumo de bacalhau, fruta e legumes e foram mais vezes às compras. Mas o crescimento ainda é frágil e factores externos como o “Brexit” ou o fantasma das sanções poderão inverter a tendência.

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Consumo de legumes cresceu 7,7% em quantidade nos primeiros cinco meses do ano Joana Freitas/Arquivo

Os portugueses estão a aumentar lentamente os gastos nos supermercados e dão cada vez mais importância à zona de frescos das cadeias da grande distribuição. Se há um ano havia menos bacalhau, legumes, fruta e pão no carrinho de compras, nos primeiros cinco meses do ano estes produtos ganharam importância na lista de escolhas.

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Os portugueses estão a aumentar lentamente os gastos nos supermercados e dão cada vez mais importância à zona de frescos das cadeias da grande distribuição. Se há um ano havia menos bacalhau, legumes, fruta e pão no carrinho de compras, nos primeiros cinco meses do ano estes produtos ganharam importância na lista de escolhas.

O Barómetro Marcas e Consumidores, elaborado pela consultora Kantar Worldpanel para a Centromarca, Associação de Produtos de Marca, revela que entre Janeiro e Maio, e pela primeira vez nos últimos três anos, o mercado cresceu quer em valor (3,6%), quer em volume de compras (1%). Mas os números ainda são débeis e, com a palavra “sanções” a ecoar na casa dos portugueses e uma Europa à espera dos impactos do “Brexit”, podem sofrer um revês.

Para sobreviver à crise financeira e económica, as famílias adaptaram-se a uma nova realidade, cortando nas idas aos restaurantes e na despesa com alimentos. A maior “revolução” aconteceu a partir de 2012, quando o Governo de Passos Coelho alterou a lista de bens no IVA e a restauração passou a aplicar um imposto de 23% em vez de 13%. Nesse ano, 40% dos portugueses passaram a levar comida de casa para o trabalho, quando em 2009 a percentagem era de 29%. Todos os gastos supérfluos recuaram.

Em 2014, os cortes atingiram produtos essenciais como o pão e os consumidores passaram a estar “em modo de sobrevivência”, como referiam os estudos de mercado, no ano em que foi reintroduzida a sobretaxa de 3,5% sobre os rendimentos acima do salário mínimo e os funcionários públicos ainda sentiam reduções nos subsídios de férias (medida que foi depois chumbada pelo Tribunal Constitucional). Foi preciso chegar a 2015 para que as vendas de produtos de grande consumo registassem, finalmente, um crescimento. Ainda assim, não foi além dos 1,4%, de acordo com dados da Nielsen.

No arranque de 2016, os portugueses mantiveram a confiança e o carrinho de compras está agora um pouco mais composto, sobretudo, de produtos frescos. O Barómetro Marcas e Consumidores - feito a partir do painel de consumidores da Kantar, que acompanha o consumo de 4000 lares em Portugal - revela que o volume de compras de frescos cresceu 5,2% entre Janeiro e Maio, quando no mesmo período de 2015 estava a cair 4,3%. Outras áreas que também estão a aumentar são os produtos para a casa (detergentes, por exemplo), com subidas de 2,5%, e a comida para animais (+1,1%, não tão expressivo como o crescimento de 8,4% que se registou o ano passado).

Analisando os produtos incluídos na categoria de frescos, verifica-se que o maior crescimento é nos produtos de pastelaria, que aumentaram 21,6% (em linha com o que se verificou no ano passado). Pedro Pimentel, director-geral da Centromarca, diz que esta subida expressiva não significa que, de repente, os portugueses tenham passado a comer mais bolos. “Optamos é por outro tipo de produtos. No caso do peixe e marisco [cujo volume de compras cresceu 6%] deixamos de comprar a mistura de mariscos para fazer um arroz e passamos a comprar camarão. É uma tentativa de ter qualidade nos alimentos”, sugere. Os legumes, que tinham perdido importância em 2015, passaram a estar mais presentes no cabaz de compras (mais 7,7%), tal como o pão (5,4%) e a fruta (mais 4%). Todos tinham registado quedas de consumo entre Janeiro e Maio de do ano passado.

Aumentar

Para as empresas que transformam alimentos (comida congelada, enlatada, embalada, entre outros), a preferência pelos frescos pode significar menos vendas. Pedro Pimentel diz que, no geral, os associados da Centromarca, onde se incluem a Nestlé ou a Coca-Cola, por exemplo, estão a conseguir aumentar as vendas “mas com taxas de crescimento muito débeis”. Há, contudo, “algum optimismo moderado” na indústria, que também tem apostado em força nos produtos mais saudáveis. Ainda esta semana a Danone anunciou a compra da WhiteWave Foods, por 9000 milhões de euros. Esta empresa é dona da Silk, a bebida de soja mais vendida nos Estados Unidos.

A opção por uma alimentação saudável é notória. Não só tem mudado o perfil das compras, como o próprio espaço dos hiper e supermercados. As zonas de produtos alternativos – como as massas integrais, sementes ou bebidas vegetais – estão a ganhar cada vez mais espaço nas cadeias de grande distribuição, que respondem à nova exigência dos clientes. Dados da Nielsen revelam que nos últimos dois anos a quantidade de pão “diet” vendida aumentou 239%, as vendas de arroz integral subiram 44% e as de iogurtes biológicos 45%.

Entraves ao crescimento

Em termos globais, certo é que a recuperação do consumo está longe da robustez. O índice do volume de negócios do comércio a retalho, do INE, cresceu 1,2% em Maio e apenas 0,9% na área alimentar. Ana Isabel Trigo de Morais, directora-geral da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), que representa operadores como o Pingo Doce e o Continente, sustenta que estes “crescimentos pequenos” estão a “sinalizar” uma tendência de recuperação. “O mercado está um pouco mais animado quando comparado com o ano passado”, diz ao PÚBLICO, acrescentando, contudo, que os alicerces não estão seguros e qualquer efeito externo pode deitar por terra a evolução positiva do mercado.

“Houve uma recuperação do indicador de confiança e sabemos que hoje o consumo está umbilicalmente ligado à confiança. Quando temos variações nos índices de confiança, temos automaticamente variações no consumo”, analisa. As sanções a aplicar a Portugal, que terça-feira são discutidas na reunião dos ministros das Finanças da União Europeia (UE), por exemplo, pode influenciar a decisão de compra. “É sabido que quando se mexe na percepção dos consumidores, há impactos na confiança e cenários de instabilidade política e económica tendem a travar o consumo e a decisão de compra”, sustenta.

A opinião é partilhada por Pedro Pimentel. “O consumidor não reage apenas à sua disponibilidade financeira, gere expectativas. As boas notícias geram uma tendência para um gasto adicional. As más têm o efeito contrário, mesmo que não afectem directamente a pessoa. A médio prazo, notícias como a das sanções têm impacto em termos de consumo”, diz.

Já João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, acredita que a discussão à volta do procedimento por défice excessivo, afecte mais a imagem de Portugal nos mercados e agências de rating do que o consumo. Os portugueses “estão mais preocupados com questões relacionadas com a banca”, defende, acrescentando que só se existirem pressões para aumento de imposto haverá novo travão efectivo nos gastos.

Mas mais do que as sanções, Ana Isabel Trigo de Morais acredita que a saída do Reino Unido da UE pode influenciar o consumo nos próximos seis meses. O mundo mudou num ápice e ainda não se sabe que modelo de cooperação a Europa manterá com o Reino Unido. “Tenho a certeza que os efeitos dessa decisão se farão sentir em Portugal, no nosso sector e no índice de confiança dos consumidores. Atrás desta decisão, vem toda a questão da solidez do projecto europeu. Vem aí um grande período de incerteza, que é a grande inimiga do crescimento, do investimento e do consumo”, realça.

A directora geral da APED diz que não é prudente fazer previsões para o resto do ano e afirma que os impactos do “Brexit” se estendem a questões como a importação de produtos. “O Reino Unido importa 50% da comida que consome que é, sobretudo, fornecida pelos seus parceiros europeus. Sabemos que estas relações comerciais serão afectadas: quem hoje exporta pode não poder fazê-lo e quem importa passará a ter outras condições, como tarifas alfandegárias, o que não deixa de ser preocupante”, sustenta.

Outro entrave ao crescimento do consumo apontado pelas empresas de distribuição passa pelo índice de preços ao consumidor (inflação), que em Portugal se mantém estagnado. “O país está a viver com uma inflação muito baixa, de 0,3% em Maio, o que nos deixa no limiar de uma situação de deflação, com que nos defrontámos em 2014. Continuamos com níveis de inflação perigosamente perto de cenários deflacionistas e todos sabemos que quando entramos num ciclo económico deflacionário toda a cadeia de valor perde”, defende.

A deflação (queda prolongada de preços) reduz as margens dos comerciantes, aumentando a pressão entre distribuidores e fornecedores.

Certo é que, por enquanto, os consumidores estão mais disponíveis para gastar. Escolhem com precisão os produtos e o gasto médio por cada ida ao supermercado ronda agora os 36,31 euros, mais 2,9% do que nos primeiros cinco meses de 2015. Também estão a ir mais vezes às lojas, numa média de 23,6 dias num ano (mais 0,4% face ao período homólogo).

Ao mesmo tempo, cresce o consumo fora de casa, depois de anos de travão. O café é o principal pretexto para gastar dinheiro na rua e representa 59,9% das ocasiões de consumo, indica o barómetro da Centromarca e da Kantar Worldpanel. É por isso que, em média, o gasto por acto não vai muito além de um euro.

O estudo revela ainda que é à hora de almoço que os portugueses mais recorrem ao consumo fora do lar - representa 25,1% do total de ocasiões identificadas durante um dia. Quando aos locais de consumo, os cafés e as cafetarias dominam: 50,2% dos gastos são feitos nestes estabelecimentos.<_o3a_p>

A recente reposição do IVA nos 13% (em vez de 23%) nos serviços de refeições da restauração poderá, potenciar mais aumentos.<_o3a_p>