O pacto em Varsóvia
O Pacto do Atlântico Norte – o nome de baptismo da NATO – vai reunir-se ao mais alto nível na capital da Polónia onde, há 61 anos, a União Soviética criou o Pacto de Varsóvia, em resposta à adesão da República Federal alemã à Aliança Atlântica.
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O Pacto do Atlântico Norte – o nome de baptismo da NATO – vai reunir-se ao mais alto nível na capital da Polónia onde, há 61 anos, a União Soviética criou o Pacto de Varsóvia, em resposta à adesão da República Federal alemã à Aliança Atlântica.
Tudo mudou no intervalo entre as duas cimeiras polacas. No fim da Guerra Fria, a Alemanha unificou-se, o Pacto de Varsóvia e a União Soviética deixaram de existir e a Polónia e os outros membros europeus do bloco soviético, assim como a Lituânia, a Letónia e a Estónia, entraram na NATO e na União Europeia. Paralelamente, a Rússia e a Ucrânia estabeleceram acordos com a Aliança Atlântica para completar a nova ordem de segurança europeia, assente na continuidade das instituições multilaterais ocidentais.
Essa ordem está posta em causa. A “Primavera Arabe” iniciou um ciclo de guerras civis no Médio Oriente e no Norte de Africa, onde o “Estado Islâmico” ameaça a sobrevivência dos regimes seculares e a própria continuidade dos Estados árabes. A Rússia decidiu anexar a Crimeia, sustentar uma “guerra hibrida” na Ucrânia Oriental e intervir na guerra civil na Síria para proteger o regime de Bashar al Assad. Entre o caos totalitário islâmico no flanco sul e a pressão revisionista russa no flanco oriental, a Europa democrática está cercada por um novo arco de crises e precisa de mobilizar os recursos da Aliança Atlântica para conter as novas ameaças.
A cimeira do Conselho do Atlântico Norte em Varsóvia é suposta restaurar a credibilidade da segurança colectiva da NATO, nomeadamente a garantia de defesa da integridade territorial das Repúblicas bálticas, bem como recuperar as suas capacidades nos domínios da gestão de crises e da segurança cooperativa, indispensáveis para responder aos riscos de escalada nos conflitos que os membros da Aliança Atlântica têm de enfrentar desde o Artico ao Mar Negro e ao Mediterrâneo.
Nesse contexto, as prioridades da NATO são, desde logo, reforçar os meios de dissuasão convencional e nuclear, que justificam as patrulhas aéreas e navais da NATO na região báltica, incluindo forças militares portuguesas, o aumento para o triplo dos efectivos da Força de Reacção (NRF) e a criação da Força de Reacção Imediata (VJTF) e, sobretudo, a presença permanente (e rotativa) de forças aliadas na Lituânia, na Letónia, na Estónia e na Polónia, onde os Estados Unidos, a Alemanha e o Reino Unido vão instalar quatro batalhões reforçados. Por outro lado, a NATO deve fortalecer a sua presença na Turquia, incluindo as capacidades de defesa anti-missil, assim como as missões navais no Mediterrâneo, ao mesmo tempo que os aliados que pertencem ao núcleo restrito da coligação internacional contra o “Estado Islâmico” reforçam as acções militares para neutralizar as posições dos jihadistas na Síria e no Iraque. Por último, a NATO tem de consolidar as relações com a União Europeia, o seu parceiro estratégico natural, e está prevista para a cimeira polaca uma declaração conjunta das duas instituições cuja cooperação é crucial para a segurança europeia.
As decisões da NATO sobre este conjunto de medidas são passos na boa direcção, mas não podem esconder nem as vulnerabilidades externas, nem as divisões internas da Aliança Atlântica, que chega a Varsóvia mais fraca depois do "Brexit".
A NATO ainda não conseguiu definir uma dupla estratégia de dissuasão e de détente na relação com a Rússia, que mantem a sua pressão estratégica ao longo do arco de crises e resiste às sanções ocidentais. Paralelamente, os aliados têm forçado o “Estado Islâmico” a ceder posições territoriais no Iraque e na Síria sem poder impedir um aumento das suas acções terroristas, como o demonstram os atentados em Paris, em Bruxelas e em Istambul. No mesmo sentido, a vulnerabilidade dos Estados árabes à ameaça pan-islâmica permanece intacta.
As divisões entre os aliados acentuaram-se com os resultados do referendum britânico. Naturalmente, o Reino Unido não vai sair da NATO e a sua presença, ao lado dos Estados Unidos e da Alemanha, como responsável por um dos batalhões que vão estar na primeira linha da frente leste são penhor do seu empenho na defesa da Europa. Porém, o processo de separação com a União Europeia não só perturba os vínculos de solidariedade decisivos para a credibilidade das garantias de defesa, como tem consequências para a configuração da NATO, que pode ficar polarizada entre as três potências anglo-saxónicas e um novo centro continental.
Com efeito, a retirada da Grã-Bretanha antecipa uma maior convergência da principal potência militar europeia com os Estados Unidos e o Canadá, ao mesmo tempo que a Alemanha é reconhecida pelos Estados Unidos como o seu principal parceiro europeu e assume uma posição central na Europa continental. As boas maneiras deviam assegurar que, à mesa, ninguém se vai referir a uma nova geometria da NATO, mas nenhum responsável político a pode ignorar na reunião de Varsóvia. As alianças, por definição, orientam-se para o futuro e não para o passado.