Jafar Panahi quebra o silêncio sobre a morte de Kiarostami, o seu "professor”
Uma venda, uma visão de rara beleza, uma colaboração com um professor. O realizador iraniano, que continua impedido de viajar e filmar, lembra Abbas Kiarostami, que morreu segunda-feira.
O realizador Jafar Panahi foi vendado por Kiarostami. E graças a isso aprendeu o que destaca como a grande lição do cineasta iraniano que morreu segunda-feira aos 76 anos: ele “ensinou-nos a ver as coisas da nossa forma única e diferente.” Panahi é um dos directos sucessores de Abbas Kiarostami e continua cerceado por Teerão, proibido de viajar e de filmar.
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O realizador Jafar Panahi foi vendado por Kiarostami. E graças a isso aprendeu o que destaca como a grande lição do cineasta iraniano que morreu segunda-feira aos 76 anos: ele “ensinou-nos a ver as coisas da nossa forma única e diferente.” Panahi é um dos directos sucessores de Abbas Kiarostami e continua cerceado por Teerão, proibido de viajar e de filmar.
O testemunho foi recolhido por Jamsheed Akrami, jornalista e tradutor, e chegou quatro dias após a morte de Kiarostami. O site IndieWire publicou quinta-feira ao final do dia o texto Mr. Kiarostami, My Teacher, em que o cineasta de Sangue e Ouro reflecte sobre as suas memórias do autor de O Sabor da Cereja, com um traço que parece ser comum entre todos os que o lembram – o do mestre, o do formador, o do pedagogo do olhar cinematográfico.
Panahi continua impedido de sair do Irão e de filmar, na sequência da decisão das autoridades de Teerão após a sua detenção em 2010 por motivos políticos. Ainda assim, clandestinamente, conseguiu fazer filmes como Taxi e fazê-los chegar ao circuito dos festivais em formato digital ainda no ano passado, por exemplo. Mas lembra-se do seu primeiro encontro com Kiarostami numa atmosfera de liberdade, a do jovem profissional que procura trabalhar com a luminária, e que descobre o seu Irão por outros olhos.
Obituário: A misteriosa obra de Abbas Kiarostami
“Infelizmente, alguém que ensinou a ‘visão’ a outros cineastas fechou os seus olhos e já não pode ver. Mas o impacto da sua visão perdurará para sempre. Está reflectido em cada plano, em cada um dos seus filmes”, disse Panahi, que começa o texto com a sua recordação “mais vívida”, a primeira, de quando abordou o realizador para tentar trabalhar com ele na filmagem de Através das Oliveiras. Era preciso arranjar uma casa parcialmente danificada por um sismo, um dos muitos que abalam o país, para ser filmado um plano. Panahi conseguiu e resolveu-lhe o problema em tempo recorde – “acho que a experiência me ajudou a ganhar-lhe a confiança”. Horas depois, começava verdadeiramente a sua aventura com Abbas Kiarostami.
“Pediu-me para ir de carro com ele para outro local. No caminho, parou e deu-me um lenço para usar como venda, o que fiz”, recorda Panahi. Depois de guiar mais um pouco, pararam. “Ajudou-me a sair do carro, segurou-me na mão e, depois de me conduzir uns minutos, pediu-me para tirar a venda. Abri os olhos e vi o que viria a ser o plano final de Através das Oliveiras, aquela paisagem majestosa! Fiquei atordoado com a vista e Kiarostami disse-me ‘É a minha visão. É como vejo este lugar’.”
Com aquela tarde, Jafar Panahi diz ter aprendido uma “lição valiosa": "Percebi a importância de ter uma visão e como cada cineasta precisa de desenvolver a sua visão. O sítio onde estávamos era a visão de Kiarostami”, prossegue, “o seu ponto de vista”. O de Panahi e de outros teria de ser diferente.
O testemunho completo pode ser lido aqui.