Carlos Cruz sai da cadeia e fica em liberdade condicional

Antigo apresentador de televisão foi condenado a seis anos de prisão no âmbito do processo Casa Pia. Tribunal da Relação diz que o facto de não assumir o crime e de não querer participar em programas de reabilitação destinados a agressores sexuais é insuficiente para afirmar perigo de reincidência.

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Carlos Cruz cumpre pena no Estabelecimento Prisional da Carregueira Miguel Manso (arquivo)

Carlos Cruz, 74 anos, a cumprir uma pena de seis anos de prisão por crimes de pedofilia no âmbito do processo Casa Pia, deixou nesta quinta-feira ao final da tarde o Estabelecimento Prisional da Carregueira, para passar a regime de liberdade condicional.

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Carlos Cruz, 74 anos, a cumprir uma pena de seis anos de prisão por crimes de pedofilia no âmbito do processo Casa Pia, deixou nesta quinta-feira ao final da tarde o Estabelecimento Prisional da Carregueira, para passar a regime de liberdade condicional.

“O facto de não assumir o crime” e de não querer participar em programas de reabilitação destinados a agressores sexuais “é manifestamente insuficiente no caso concreto para afirmar que existe um perigo concreto de reincidência”, lê-se na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que concede a liberdade condicional a Carlos Cruz.

O tribunal considera que o risco de reincidência está “especialmente mitigado” por várias razões: “já estão ultrapassados os dois terços da pena”; não existem antecedentes de outros crimes; a própria idade do ex-apresentador de televisão; “o apoio familiar” que terá durante a liberdade condicional; e o “escrutínio social” a que estará sujeito.

Por ser uma figura mediática, entende ainda a Relação, Carlos Cruz sentir-se-á “obrigado a cumprir com as obrigações que lhe forem impostas”.

Carlos Cruz, que completou dois terços da pena de seis anos de prisão a que foi condenado por dois crimes de abuso sexual de crianças, venceu assim um recurso apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa contra a decisão do Tribunal de Execução de Penas, que, em Março, recusara o seu pedido de liberdade condicional.

Essa recusa tinha sido fundamentada com o facto de Carlos Cruz não demonstrar arrependimento e não assumir a culpa quanto aos crimes de abuso sexual pelos quais foi condenado. O Ministério Público, o director da cadeia, o chefe dos guardas prisionais e os técnicos de reinserção social emitiram nessa altura um parecer desfavorável à liberdade condicional.

“Vamos recorrer da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa. Não se poderia esperar que Carlos Cruz admitisse a sua culpa quando ele sempre alegou inocência. Não seria razoável”, anunciou então Ricardo Sá Fernandes.

Não é obrigatório concordar com a condenação

O Tribunal da Relação diz agora que “não há que exigir ao condenado que concorde com a condenação, que se tenha tornado bom e humilde, obediente e concordante com o ordenamento jurídico, embora essa adesão seja desejável”. E entende que “existe uma prognose favorável” a que Carlos Cruz conduza a sua vida “sem cometer crimes”.

Assim, o ex-apresentador fica “sujeito ao instituto da liberdade condicional” com as seguintes condições impostas pelo tribunal: “Deverá residir em morada certa a fixar pelo tribunal; deverá aceitar a tutela da equipa de Reinserção Social da Direcção-Geral de Reinserção Social; deverá dedicar-se à procura activa de trabalho (já que diz pretender fazê-lo) e, uma vez este obtido, dedicar-se ao mesmo com regularidade; deve pautar a sua conduta pela observância dos padrões normativos vigentes e aplicáveis a qualquer cidadão no respeito pelos restantes.”

O ex-apresentador de televisão foi condenado por crimes cometidos em Dezembro de 1999/Janeiro de 2000, tem uma “saúde débil”, segundo a defesa, e tem estado a cumprir a pena no Estabelecimento Prisional da Carregueira, no concelho de Sintra. Já teve direito a duas saídas precárias, em Dezembro de 2015 e no passado mês de Março.

No processo Casa Pia, relacionado com abusos sexuais de alunos e ex-alunos da instituição, foram ainda condenados o antigo motorista casapiano Carlos Silvino (15 anos de prisão), o médico Ferreira Diniz (sete anos), o ex-diplomata Jorge Ritto (seis anos e oito meses) e o antigo provedor-adjunto da instituição Manuel Abrantes (cinco anos e nove meses).

"Todos os dias adormeci inocente"

“Está um dia de sol” e “Portugal vai à final” foram as primeiras frases de Cruz aos jornalistas, que o esperavam à porta do estabelecimento prisional.

O ex-apresentador respondeu a várias perguntas, enquanto a família o aguardava. Contou que soube pela rádio qual tinha sido a decisão do tribunal e que começou então a arrumar as suas coisas — incluindo “livros e documentação” que diz que tem vindo a estudar. Disse que se despediu dos colegas de cela e que outros da sua ala foram despedir-se dele. Despediu-se também de Jorge Ritto e de Manuel Abrantes, acrescentou.

Esta saída, garantiu, é apenas “mais uma etapa de uma longa maratona que não pára aqui” — referindo-se a uma queixa que apresentou em 2012 e que corre no Tribunal Europeu dos Direitos do Homens. E sublinhou que não deixará de “intervir junto de todas as entidades” até que reconheçam que está inocente. Aliás, reiterou várias vezes a sua inocência: “Estive aqui 1600 e tal dias e todos os dias acordei e adormeci inocente.”

Afirmou que tem convites de trabalho, “na área da comunicação”, mas que não sabe ainda se os vai aceitar. Para já, quer "viver o dia-a-dia".