Bárbara foi para o Alasca estudar o que as lontras-marinhas escolhem para comer
Investigadora portuguesa da Universidade de Aveiro viajou até Sitka, no Alasca, para saber mais sobre os hábitos das lontras-marinhas na hora da alimentação e já percebeu que estes são animais “extremamente ferozes e oportunistas”.
Às cinco da manhã, quando Bárbara Cartagena Matos acorda, o sol brilha alto em Sitka — pelo menos nesta altura do ano. Naquela cidade do estado norte-americano do Alasca, onde o fenómeno natural do “sol da meia-noite” é uma realidade, a jovem portuguesa começa os dias com uma viagem de barco pela costa da região. O objectivo? Observar e fotografar lontras-marinhas enquanto estas se alimentam para uma investigação do mestrado em Biologia da Universidade de Aveiro (UA).
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Às cinco da manhã, quando Bárbara Cartagena Matos acorda, o sol brilha alto em Sitka — pelo menos nesta altura do ano. Naquela cidade do estado norte-americano do Alasca, onde o fenómeno natural do “sol da meia-noite” é uma realidade, a jovem portuguesa começa os dias com uma viagem de barco pela costa da região. O objectivo? Observar e fotografar lontras-marinhas enquanto estas se alimentam para uma investigação do mestrado em Biologia da Universidade de Aveiro (UA).
Bárbara cumpre, há quase três meses, um sonho de há vários anos: viver no Alasca, o estado mais frio dos Estados Unidos da América (EUA). “É um dos lugares mais selvagens do mundo, o que para um biólogo é mesmo o paraíso na Terra”, não se cansa de dizer ao P3, em entrevista via Skype. Depois de ter estudado na Finlândia e na Amazónia — onde levou a cabo a investigação final da licenciatura — e de ter estagiado no Rio de Janeiro, no Brasil, a vianense de 24 anos dedicou-se a procurar bolsas para os EUA. Foi “um tiro no escuro” mas conseguiu uma bolsa Fullbright.
O ramo da Biologia dedicado à ecologia comportamental é aquele que mais a atrai e também por isso optou por estudar os hábitos alimentares das lontras-marinhas selvagens, uma espécie “que esteve quase em extinção no Alasca por causa da caça”. Bárbara está a “tentar perceber se as lontras escolhem as presas segundo o conteúdo nutricional das mesmas”. “O que se assumiu até agora é que os carnívoros escolhem o seu alimento segundo o que acham que lhes vai dar mais energia”, explica a jovem bióloga. Ultimamente, contudo, têm vindo à luz algumas investigações em mamíferos domésticos a demonstrar que, “na verdade, eles escolhem a comida de acordo com o valor nutricional”, como se tivessem acesso a uma tabela semelhante à que encontramos nas embalagens dos alimentos.
No que diz respeito a mamíferos selvagens marinhos, esta questão ainda não foi ainda estudada, continua Bárbara, pelo que o Alasca é um habitat privilegiado para o fazer. Enquanto "carnívoros oportunistas", as lontras-marinhas comem "cerca de 150 espécies", desde peixes a invertebrados. "No entanto, normalmente, acabam por se especializar em apenas algumas espécies e aqui no Alasca comem vieiras, amêijoas, pepinos-do-mar, caranguejos, abalone e ouriços-do-mar", explica a bióloga. Na região onde Bárbara se encontra, as amêijoas, o abalone e os ouriços-do-mar são os mais importantes, "espécies-chave por causa do impacto que a sua ausência ou presença tem no habitat". A abundância dos ouriços-do-mar, por exemplo, é controlada pelas lontras: se estas não os comerem, "eles crescem em tamanho e em número de tal maneira que acabam com o kelp [floresta subaquática de algas] existente na área".
Em colaboração com uma agência turística de observação de vida selvagem de Sitka, a Allen Marine Tours, a jovem portuguesa faz duas viagens por dia, de três horas cada, sempre que há espaço nos barcos. O objectivo destas “tours” é procurar águias, ursos, baleias, orcas e, claro, lontras-marinhas. “Agora, quando vamos ver as baleias, já me sento a beber o meu chá; antes, fotografava tudo. Já faz parte do meu dia-a-dia e adoro isso”, admite.
As lontras-marinhas, tantas vezes descritas como “fofinhas” são, na realidade, “extremamente ferozes e oportunistas”. “Uma coisa é o que está descrito no papel quando estudamos, outra é vê-las em ambiente selvagem”, garante. Outra das surpresas que teve ao observar estes animais foi ver como são tímidos na hora da alimentação, o que dificulta o trabalho de as fotografar com as presas. “Às vezes estão muito longe, envolvidas em algas, e não as conseguimos ver muito bem.” A parte do registo fotográfico e da posterior análise para verificar se os animais se estão a alimentar e do quê é apenas a primeira da investigação de Bárbara. Num segundo momento, a ideia é analisar em laboratório as próprias presas — só assim terá oportunidade de averiguar da componente nutricional nas mesmas. Para tal está a trabalhar em parceria com o Sitka Sound Science Center e o Alaska Fisheries Science Center.
Quando não está a estudar, Bárbara trabalha num hostel da cidade em troca de alojamento. “O custo de vida é extremamente caro”, diz, porque muitos dos produtos "importados" de Seattle, a grande cidade norte-americana mais próxima, mas não falta variedade. “Quando aqui cheguei estava preparada para comer só legumes enlatados e os supermercados têm tudo, até gelados e queijos vegan. Fiquei muito surpreendida.” As pessoas, assegura, “são muito simpáticas” e Sitka é uma cidade “muito turística” apesar das baixas temperaturas que se registam durante todo o ano. Além de Juneau, a capital do estado do Alasca, Bárbara visitou ainda a região de Fairbanks, no interior, onde tentou caminhar pelo famoso "Stampede Trail" (do livro e filme "Into the Wild"). Só conseguiu fazer metade, mas deu "para perceber o porquê de o Alasca ser uma das zonas mais selvagens do planeta".
A viagem de regresso a casa, no final de Agosto, já está marcada. Depois de concluir o mestrado na UA, lá para o fim do ano, Bárbara pensa em “assentar em Portugal” e procurar trabalho como assistente de pesquisa em ecologia comportamental. “Estou a sentir falta da praia e do calor, o que achei que não ia acontecer”, ri. “Mesmo à portuguesa.”