Centeno usa desvio no plano de negócios da CGD para atacar Governo do PSD/CDS

Ministro das Finanças fala em desvio de três mil milhões face ao previsto, provocado por maus resultados operacionais

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Mário Centeno, ministro das Finanças, está a ser ouvido no Parlamento Enric Vives-Rubio

O ministro das Finanças garantiu, nesta quarta-feira, que existe um desvio de três mil milhões de euros entre os resultados operacionais previstos no plano de reestruturação da Caixa Geral de Depósitos (CGD), definido pelo Governo anterior, e aquilo que se está a verificar. O número foi lançado por Mário Centeno durante uma audição na Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, que ficou marcada pelo esgrimir de argumentos entre o Governo e os partidos de direita, antecipando já o que se pode esperar da comissão de inquérito à CGD, que tomou posse na terça-feira.

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O ministro das Finanças garantiu, nesta quarta-feira, que existe um desvio de três mil milhões de euros entre os resultados operacionais previstos no plano de reestruturação da Caixa Geral de Depósitos (CGD), definido pelo Governo anterior, e aquilo que se está a verificar. O número foi lançado por Mário Centeno durante uma audição na Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, que ficou marcada pelo esgrimir de argumentos entre o Governo e os partidos de direita, antecipando já o que se pode esperar da comissão de inquérito à CGD, que tomou posse na terça-feira.

Em resposta às críticas feitas pelo deputado social-democrata, António Leitão Amaro, o ministro das Finanças contra-atacou: "Há um desvio enormíssimo no plano de negócios e de reestruturação, que atinge verbas superiores a três mil milhões de euros".

“É necessário alterar este rumo de coisas, porque é necessário reforçar a posição da Caixa Geral de Depósitos. E é exactamente isso que estamos a fazer, na consciência de que estamos a investir num activo importantíssimo para a economia nacional”, acrescentou.

Apesar das insistências dos deputados, Centeno não adiantou, contudo, quanto dinheiro será preciso injectar CGD e quando é que esse passo será dado pelo Governo.

Instado pelo PÚBLICO a esclarecer o desvio no plano de negócios agora anunciado, o gabinete de Mário Centeno precisou que os três mil milhões de euros dizem respeito “à diferença entre os resultados operacionais assumidos no plano de reestruturação que serviu de suporte à recapitalização pública da CGD em 2012 e os que efectivamente se realizarão, tendo por base os desvios verificados no período já decorrido”. Cerca de 2000 milhões, acrescentou a mesma fonte, resultam de um desvio na margem de intermediação financeira (diferença entre juros recebidos e juros pagos).

Para as Finanças, o “incumprimento” do plano de reestruturação que serviu de suporte à recapitalização da Caixa em 2012, “em particular no que respeita aos resultados operacionais, levou à deterioração continuada da posição de capital da CGD, ao invés da criação de capital”. Essa situação, sublinham as Finanças, tem bloqueado o pagamento do empréstimo de 900 milhões de euros aplicados pelo Estado no banco via capital contingente (os CoCo’s).

O tema da CGD foi colocado em cima da mesa pelo deputado do PSD António Leitão Amaro, que acusou o actual Governo de contribuir para a “degradação do principal e maior banco português”. O deputado criticou o executivo de António Costa por fazer opções “completamente incompreensíveis” porque, ao mesmo tempo que se fala na necessidade de despedir 2500 trabalhadores, aumenta os salários dos gestores.

Administração da Caixa Geral de Depósitos demitiu-se

E deixou um aviso: “No dia em que for publicado o decreto-lei [que altera o Estatuto do Gestor Público], o PSD apresentará um projecto de apreciação parlamentar para fazer cessar a vigência desse diploma, que consideramos inaceitável.”

O resto da audição foi marcado pela troca de argumentos entre os deputados da direita e Mário Centeno, que lembrou as “cambalhotas ideológicas” de que a CGD foi alvo durante o Governo PSD /CDS.

“As cambalhotas ideológicas e as tentativas de actuar sobre a Caixa Geral de Depósitos e de não fazer nada, não são maneira de actuar”, disse Centeno numa referência directa à forma como o anterior executivo lidou com o banco público, acrescentando que a CGD necessita de um novo conselho de administração, "que está em preparação para tomar posse", de um novo modelo de governação, "que também está a ser preparado", e de um novo plano de negócios.

Os deputados do BE e do CDS tentaram obter mais pormenores sobre todo o processo, mas Centeno pouco adiantou.

Cecília Meireles, do CDS, acusou o executivo de fomentar a incerteza em torno do banco público. “É difícil imaginar algo que contribua mais para denegrir [a imagem da CGD] do que a incerteza em que o Governo a colocou”, criticou. E insistiu: “Quando é que o Governo vai recapitalizar a Caixa e quanto é que isso nos custará?”

Também a deputada do BE Mariana Mortágua apelou ao ministro das Finanças para que esclareça com urgência a verba necessária para recapitalizar o banco. “Quanto mais depressa houver informações, menos espaço terá a direita para fazer o jogo que quer fazer com a Caixa Geral de Depósitos”, referiu.

 

“Estamos na infância da recuperação da economia”

A audição foi aberta pelo PSD, que acusou o Governo de estar a prejudicar o país e a pôr em causa a credibilidade externa, traçando um cenário preocupante sobre a evolução da economia portuguesa. O ministro das Finanças apresentou uma perspectiva diferente e garantiu que todos os indicadores apontam para uma recuperação. “Estamos na infância do processo de recuperação da economia portuguesa”, disse Mário Centeno.

Na sua intervenção inicial, o deputado António Leitão Amaro deixou claro que, passados quase oito meses de governação, o resultado é “uma degradação da recuperação” da economia. “Os governos e os ministros são julgados pelo que fazem aos seus concidadãos e pela credibilidade que a sua acção e o resultado da mesma alcançam. Os senhores não estão a fazer bem ao país”, atirou, acusando Centeno de ser “responsável pela credibilidade que a cada mês é posta em causa”.

“Receberam em 2015 um país que recuperava emprego, investimento, crescimento económico e crescia nas exportações e na confiança. O que temos hoje, com quase oito meses de funções, é o investimento que afundou, a poupança – que é o investimento do futuro – está em valores historicamente baixos, o emprego líquido está a ser destruído. A promessa de crescimento com emprego é um resultado falhado, são menos portugueses com emprego que temos hoje”, disse o deputado social-democrata. “O crescimento abranda a cada semana. As exportações estão a desacelerar e até o consumo privado é, sobretudo, de bens duradouros, que são bens de produção estrangeira”, continuou.

Onde o PSD vê uma situação preocupante, o ministro das Finanças vê o início de uma recuperação económica. “As exportações desaceleraram face ao quarto trimestre, mas cresceram, o consumo privado acelerou, o emprego no primeiro trimestre cresceu. O desemprego em Maio tem o nível mais baixo desde 2010”, respondeu.

Mário Centeno reconheceu, porém, que “os indicadores do PIB [Produto Interno Bruto] não estão ao nível que este Governo deseja e que considera que as suas políticas podem colocar o país a crescer”. Mas entende que os resultados da primeira metade de 2016 apontam para a “infância do processo de recuperação da economia portuguesa”, que saiu de um período recessivo e levará o seu tempo a recuperar.

Notícia actualizada às 16h08, com alteração do título onde se clarifica que o desvio de três mil milhões diz respeito ao previsto no plano de negócios do banco público.